- O Estado de S. Paulo
O sucesso da CPI depende da sua capacidade
de identificar os fantasmas que orientam o enfrentamento da pandemia
Tudo, no absurdo governo Jair Bolsonaro, é paralelo, a começar
pelo exercício do poder. Sem que se percebesse, o legal e o constitucional
foram substituídos por uma rede clandestina de instâncias e conselheiros, todos
sob o comando de um só sujeito oculto. Estranhos atuam no diagnóstico, avaliação
dos sintomas e decisões.
Se há uma negociação objetiva, como a da
compra de vacinas da Pfizer,
em reunião extraordinária descoberta na CPI da Covid os negociadores
formais são surpreendidos, de repente, pelo vereador Carlos Bolsonaro. De onde surgiu? Não
veio de seu gabinete na Câmara
Municipal do Rio. Saltou dali mesmo, de uma mesa do Palácio do
Planalto onde, com sua equipe, despacha informalmente questões que produzem
consequências formais.
Primeiro citado sempre que algo dá errado, Carlos é o líder de um dos principais aparelhos deste sistema de governo paralelo, o gabinete do ódio. Que transcende os espaços legais e comanda ações estratégicas, como as da rede social e de comunicação, por exemplo. Estes colegiados têm sua própria ética, critérios e composição, todos desconhecidos.
Até o Orçamento da União, que é um
documento de expressão aritmética, está à margem da contabilidade pública.
Neste governo ganhou, inclusive, mais um adjetivo. Além de paralelo, o
orçamento é secreto.
A ideologia e o caráter do paralelo
disseminaram-se de tal forma, por toda a extensão dos assuntos de governo, que
o sucesso da CPI da Covid dependerá da sua capacidade de identificar, convocar
e inquirir os fantasmas que orientam, às escondidas, decisões para o
enfrentamento da pandemia.
Não se avançará na investigação com as anunciadas reconvocações de Eduardo Pazuello ou Marcelo Queiroga. Queiroga transita pelo mundo institucional, pisando leve para não tangenciar os paralelos. Quanto a Pazuello, já camuflou o que estava a seu alcance e, no último fim de semana, em palanque da campanha eleitoral, mostrou que seu mundo é realmente o paralelo e não o institucional que fingiu exercer como ministro de Estado.
Aliás, a experiência do STF pode
ajudar a CPI a manejar o governo clandestino. O Supremo descobriu que não deve
buscar culpados na superfície. Mirou o governo paralelo ao citar Carlos 02 e o
Eduardo 03 nos inquéritos sobre os atos antidemocráticos e falsas notícias.
Chega de intermediários!
A segunda mudança necessária à CPI, depois
de um mês de funcionamento, envolve roteiro e método. Uma etapa que depende
muito do relator, senador Renan Calheiros. As suas perguntas,
bem como as da maioria dos senadores, incidem em falhas essenciais.
Desmoraliza-se o perguntador ao colocar uma
questão conceitual ampla e pedir como resposta sim ou não. A exigência de
objetividade soa como artificial e exaspera a audiência. Também não funciona o
recurso da categoria casca de banana: “V. Senhoria está dizendo que fulano
mentiu?” Ora, quem vai responder por esta acusação é o relatório final da CPI.
Perdem-se tempo e racionalidade.
Já houve perguntas que, diante do pedido
para repetir, o próprio relator não conseguiu localizar-se no papel, havia
perdido o fio da meada. Acabou lendo a questão anterior, já encerrada. Pior foi
a pergunta iniciada com a expressão “em caso de positivo”, referindo-se à
suposta resposta a uma pergunta anterior. Momento circense.
É adequado que os senadores contem com suas
assessorias para formular perguntas que esclareçam tão obscura e incompetente
gestão, identificando os pontos ainda a abordar nas próximas audiências. Mas
isto não prescinde de uma providência simples: que o inquiridor ouça as
respostas, sem excesso de ansiedade. E, com base nelas, reformule ou não a
pergunta seguinte do roteiro.
Se a CPI não tiver capacidade de construir sua versão, o onipresente poder paralelo se preservará integralmente.
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