quinta-feira, 3 de junho de 2021

Cora Rónai - A cloroquina está longe de ter sido o pior dos pecados do governo durante a pandemia

- O Globo

Foi uma aposta equivocada da meia dúzia de curiosos. Não entendo a obsessão dos senadores da CPI da Covid com ela. Sua função seria, se bem entendi, avaliar ações e omissões

Não entendo a obsessão dos senadores da CPI da Covid com a cloroquina. A cloroquina está longe de ter sido o pior dos pecados do governo durante a pandemia. Foi uma aposta equivocada da meia dúzia de curiosos que constituíram o gabinete de crise do Idiota Supremo, mas, a rigor, não é a principal culpada pelo rumo sinistro que a pandemia tomou entre nós.

A CPI não foi instituída para determinar se a cloroquina funciona ou não funciona contra a Covid. Isso já foi estabelecido e, a essa altura, deveria ser página virada. A função da CPI seria, se bem entendi, avaliar ações e omissões do governo. A obsessão dos senadores pela cloroquina a transformou, porém, em palanque para pessoas que disfarçam o charlatanismo por trás de diplomas de medicina.

Não é à toa que que o mundo bolsonaro comemora os depoimentos de Mayra Pinheiro e Nise Yamaguchi como grandes vitórias.

É inacreditável que, em pleno ano de 2021, uma reles fórmula científica se transforme em símbolo ideológico. Nós rimos dos nossos antepassados que acreditavam no benefício das sangrias e tomavam ópio para a tosse, mas como sociedade evoluímos muito pouco de lá para cá.

Escrevi que a cloroquina está longe de ter sido o pior dos pecados do governo não porque o gasto de dinheiro público para a sua fabricação às toneladas seja irrelevante, ou porque não seja inadmissível ver o chefe da nação insistindo em fazer propaganda de remédio ineficaz, ou ainda porque a ideia de um “tratamento precoce” não possa levar a população a uma atitude displicente; mas porque a lista de ações e de omissões do presidente e de seus ministros é maior e mais grave, e é nela que a CPI deveria se concentrar.

Faltaram exemplos, encorajamento, trabalho e seriedade; faltaram cilindros de oxigênio e remédios necessários. Sobraram leviandade e incompetência.

O Brasil não se ressentiu apenas da falta de vacinas, mas também da falta de compostura, de decoro e de comiseração pelos doentes e pelos mortos. Faltou espírito público onde sobrou deboche.

A pandemia tem sido um período duro para todos os países, mas tem sido particularmente difícil de enfrentar no Brasil onde, além do vírus, precisamos também enfrentar o negacionismo relinchante do palácio.

A foto de Bolsonaro sem máscara no meio dos ianomâmis, na semana passada, é o retrato perfeito da sua falta de cuidado e de respeito com os brasileiros — e chega a ser obscena quando confrontada com a foto feita dias antes, de máscara PFF2, no Equador.

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Zuenir Ventura, o meu, o nosso querido Mestre Zu, fez 90 anos anteontem. Editor com sangue de repórter, jornalista até o último fio de cabelo, Mestre Zu é um exemplo para todos nós — não só pelo que representa profissionalmente, mas também pelo carinho com que tratou os jovens com que trabalhou.

Numa profissão em que chefes neuróticos são regra (quase) geral, ele abriu espaços de grande paciência e simpatia nas redações.

Sempre que nos encontramos me sinto feliz e privilegiada. A pandemia tem impedido esses encontros, mas as saudades acabam de ser mitigadas com o relançamento, pela Intrínseca, de “Minhas histórias dos outros”, a sua deliciosa “alterbiografia”.

Parabéns, Mestre Zu! Tomara que o mundo fique bom e que, em breve, a gente possa se encontrar numa aglomeração de amigos e abraços.

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