- O Globo
Foi uma aposta equivocada da meia dúzia de
curiosos. Não entendo a obsessão dos senadores da CPI da Covid com ela. Sua
função seria, se bem entendi, avaliar ações e omissões
Não entendo a obsessão dos senadores da CPI
da Covid com a cloroquina. A cloroquina está longe de ter sido o pior dos
pecados do governo durante a pandemia. Foi uma aposta equivocada da meia dúzia
de curiosos que constituíram o gabinete de crise do Idiota Supremo, mas, a
rigor, não é a principal culpada pelo rumo sinistro que a pandemia tomou entre
nós.
A CPI não foi instituída para determinar se
a cloroquina funciona ou não funciona contra a Covid. Isso já foi estabelecido
e, a essa altura, deveria ser página virada. A função da CPI seria, se bem
entendi, avaliar ações e omissões do governo. A obsessão dos senadores pela
cloroquina a transformou, porém, em palanque para pessoas que disfarçam o
charlatanismo por trás de diplomas de medicina.
Não é à toa que que o mundo bolsonaro
comemora os depoimentos de Mayra Pinheiro e Nise Yamaguchi como grandes
vitórias.
É inacreditável que, em pleno ano de 2021,
uma reles fórmula científica se transforme em símbolo ideológico. Nós rimos dos
nossos antepassados que acreditavam no benefício das sangrias e tomavam ópio
para a tosse, mas como sociedade evoluímos muito pouco de lá para cá.
Escrevi que a cloroquina está longe de ter sido o pior dos pecados do governo não porque o gasto de dinheiro público para a sua fabricação às toneladas seja irrelevante, ou porque não seja inadmissível ver o chefe da nação insistindo em fazer propaganda de remédio ineficaz, ou ainda porque a ideia de um “tratamento precoce” não possa levar a população a uma atitude displicente; mas porque a lista de ações e de omissões do presidente e de seus ministros é maior e mais grave, e é nela que a CPI deveria se concentrar.
Faltaram exemplos, encorajamento, trabalho
e seriedade; faltaram cilindros de oxigênio e remédios necessários. Sobraram
leviandade e incompetência.
O Brasil não se ressentiu apenas da falta
de vacinas, mas também da falta de compostura, de decoro e de comiseração pelos
doentes e pelos mortos. Faltou espírito público onde sobrou deboche.
A pandemia tem sido um período duro para
todos os países, mas tem sido particularmente difícil de enfrentar no Brasil
onde, além do vírus, precisamos também enfrentar o negacionismo relinchante do
palácio.
A foto de Bolsonaro sem máscara no meio dos ianomâmis, na semana passada, é o retrato perfeito da sua falta de cuidado e de respeito com os brasileiros — e chega a ser obscena quando confrontada com a foto feita dias antes, de máscara PFF2, no Equador.
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Zuenir Ventura, o meu, o nosso querido Mestre Zu, fez 90 anos anteontem. Editor com sangue de repórter, jornalista até o último fio de cabelo, Mestre Zu é um exemplo para todos nós — não só pelo que representa profissionalmente, mas também pelo carinho com que tratou os jovens com que trabalhou.
Numa profissão em que chefes neuróticos são
regra (quase) geral, ele abriu espaços de grande paciência e simpatia nas
redações.
Sempre que nos encontramos me sinto feliz e
privilegiada. A pandemia tem impedido esses encontros, mas as saudades acabam
de ser mitigadas com o relançamento, pela Intrínseca, de “Minhas histórias dos
outros”, a sua deliciosa “alterbiografia”.
Parabéns, Mestre Zu! Tomara que o mundo fique bom e que, em breve, a gente possa se encontrar numa aglomeração de amigos e abraços.
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