EDITORIAIS
Instituições têm de reagir a avanços do
bolsonarismo
O Globo
Acertou o governador Paulo Câmara, de Pernambuco, ao exonerar o comandante da Polícia Militar (PM) no estado em virtude da repressão violenta aos protestos contra o presidente Jair Bolsonaro no último sábado. Recife foi a única entre 21 capitais onde policiais reagiram com brutalidade diante de uma manifestação pacífica, sem nenhuma justificativa para isso. Dois atingidos pelas balas de borracha disparadas pela PM pernambucana contra os manifestantes perderam a visão num dos olhos. Uma vereadora petista foi agredida com spray de pimenta.
Acertou também a Secretaria de Segurança
Pública de Goiás ao afastar o policial que prendeu um professor por ter se
negado a retirar do carro uma faixa que chamava Bolsonaro de “genocida”. Tem se
multiplicado pelo país, com dedicação especial da Advocacia-Geral da União, o
uso de dispositivos autoritários da Lei de Segurança Nacional para cercear o
direito à livre manifestação e à expressão de opiniões políticas.
As decisões em Pernambuco e Goiás são o
recado correto a transmitir às vozes que semeiam a insubordinação e a anarquia
nos quartéis policiais e militares e àqueles que tentam restabelecer o clima de
repressão e vigilância dos tempos da ditadura militar.
Bolsonaro já deu um sem-número de provas de
que não terá nenhum tipo de pudor em insuflar policiais e milicianos contra
seus inimigos políticos. Não há maior evidência disso do que o desdém com que
tem tratado a hierarquia militar no caso do ainda general da ativa — e
ex-ministro da Saúde responsável pelo desastre na gestão da pandemia — Eduardo
Pazuello, que se recusa a ir para a reserva, apesar de ter flagrantemente
violado o regulamento do Exército ao participar de manifestação política ao lado
do presidente no Rio de Janeiro.
Agora, Bolsonaro pressiona o Alto-Comando
do Exército a não punir Pazuello, com base no argumento estapafúrdio de que o
passeio de motocicleta não tinha motivação política. Não punir um general em
tal situação é um incentivo claro à insubordinação e à anarquia nos quartéis.
Mas não ficou nisso. Ainda por cima, Bolsonaro cometeu a desfaçatez de trazer
Pazuello de volta ao Planalto num cargo de assessoria. Não só ele não foi
punido, como foi premiado.
Quem frequenta o universo paralelo das redes sociais e grupos de WhatsApp do bolsonarismo tem sido apresentado a uma enxurrada de informações fraudulentas sobre a pandemia, estimulando a revolta contra instituições como o Congresso, o Supremo e governos estaduais. Não é segredo o alcance que esse tipo de mensagem tem nos baixos escalões da PM e das Forças Armadas. Bolsonaro não esconde querer um Exército para chamar de seu, nem suas intenções claramente golpistas caso as urnas não lhe sejam favoráveis em 2022.
Diante de desafios explícitos, as
instituições precisam reagir, em nome das liberdades de expressão e
manifestação e da democracia, exatamente como fizeram os governos de Pernambuco
e Goiás. É preciso que as Forças Armadas — em particular, o Alto-Comando do
Exército — punam Pazuello com o rigor necessário para que fique claro às tropas
que elas não estão subordinadas ao projeto político de Bolsonaro
E se Bolsonaro tivesse ouvido Luana Araújo
em vez de Nise Yamaguchi?
O Globo
O depoimento da infectologista Luana Araújo à CPI da Covid ofereceu a oportunidade de pôr em contraste o que o Brasil se tornou na pandemia — e o que poderia ter sido. Inteligente, preparada, articulada, educada e paciente com os presentes, ela respondeu às questões mais estapafúrdias com clareza e firmeza.
Ao longo de mais de sete horas, trouxe para
a CPI aquilo que mais tem feito falta aos debates: a voz da razão. Deixou
evidente a ignorância dos senadores que saíram em defesa da cloroquina, do
famigerado “tratamento precoce” e das demais fabulações que migraram das redes
sociais para gabinetes da Presidência da República e do Congresso.
Por uma dessas coincidências fortuitas,
Luana prestou depoimento no dia seguinte à oncologista Nise Yamaguchi, uma das
maiores porta-vozes do curandeirismo e do negacionismo que brotam nos grupos de
WhatsApp, infestam as hostes bolsonaristas e deságuam nas pilhas de papéis com
informações fraudulentas, ideias sem nexo e conclusões absurdas sobre as mesas
dos senadores governistas que integram a “bancada da cloroquina”.
Mais do que respostas, Luana deixou no ar
uma pergunta perturbadora: por que o governo desprezou um quadro tão
qualificado? Por que, como ficou claro ontem, o presidente da República dava
ouvidos a Yamaguchi e ao “gabinete paralelo” que o aconselhava à revelia do
Ministério da Saúde, enquanto há no Brasil gente tão preparada, disposta e
competente quanto Luana?
Formada pela UFRJ com mestrado na
Universidade Johns Hopkins, Luana foi convidada pelo ministro da Saúde, Marcelo
Queiroga, a ocupar a Secretaria de Enfrentamento à Covid. Ficou dez dias e foi
dispensada. Quando lhe perguntaram o motivo, foi irônica: “Também gostaria de
saber”. Informaram-lhe apenas que sua nomeação não fora aprovada.
No depoimento à CPI, ela dá pistas sobre as
causas da dispensa. Durante a exposição técnica, objetiva, demolidora, não
ficou cloroquina sobre cloroquina. Luana decifrou o funcionamento da ciência,
desmascarou o “tratamento precoce”, defendeu medidas de restrição e foi
implacável com o negacionismo do atual governo: “É como se a gente estivesse
escolhendo de que borda da Terra plana vamos pular”. Noutro momento certeiro,
disse: “A ciência não tem lado. O que existe é ciência bem feita e ciência mal
feita”.
A CPI tem mostrado que o governo prefere se
cercar dos adeptos do “neocurandeirismo”. Está cada vez mais bem delineado o
aconselhamento paralelo por nomes como Yamaguchi. Embora sem cargo no governo,
ela participou de reuniões no Planalto e teve ingerência em políticas públicas.
Chegou a discutir minutas de decreto para ampliar o uso da cloroquina, droga
ineficaz contra a Covid-19.
É evidente que Bolsonaro perdia tempo com
charlatães, enquanto poderia ter à disposição técnicos de excelência como
Luana. Infelizmente, inteligência, formação e civilidade parecem não caber num
governo mais preocupado com ideologia do que com as quase 470 mil vidas
perdidas.
Indisciplina premiada
O Estado de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro nomeou o
general intendente Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, para a Secretaria de
Estudos Estratégicos da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República. Com esse gesto, o presidente premiou um oficial
militar indisciplinado, que desprezou publicamente o espírito da farda que
veste. As consequências desse gesto são nefastas – e potencialmente perigosas.
A nomeação não causa surpresa. O intendente
Pazuello vem demonstrando há muito tempo ter a principal – talvez única –
qualidade exigida por Bolsonaro em sua administração: lealdade canina ao chefe.
Na CPI da Pandemia, o ex-ministro da Saúde agrediu a inteligência alheia de
maneira constrangedora para defender Bolsonaro, o principal responsável pelas
enormes dificuldades que o Brasil enfrenta no combate à pandemia de covid-19.
Não bastasse isso, o intendente foi a um
comício do presidente Bolsonaro, em óbvia afronta ao regulamento das Forças
Armadas e à Constituição, que proíbem a atividade político-partidária aos
militares da ativa, caso do general Pazuello. Para adicionar insulto à injúria,
o oficial, para tentar evitar punição, justificou-se diante do Comando do
Exército com a patranha de que a manifestação bolsonarista não era “política”,
e sim apenas um singelo “passeio de moto”.
Desse modo, Pazuello seguiu à risca o
manual bolsonarista de desfaçatez: depois de ter franqueado o Ministério da
Saúde ao charlatanismo, o general fez troça da disciplina e da hierarquia
militares, testando os limites institucionais – exatamente como Bolsonaro faz
desde que foi um mau militar.
Para os celerados bolsonaristas, o
desrespeito às instituições é sinal de valentia – essa gente considera que os
pilares do regime democrático estão apodrecidos pela corrupção generalizada e
pela ideologia comunista e por isso devem ser demolidos. Melhor ainda se esse
combate for travado por meio de cinismo, como mostrou a indecente defesa
apresentada pelo intendente Pazuello ao Exército.
Essa aventura irresponsável está conduzindo
o País para um terreno minado. Bolsonaro entregou a um general insubordinado um
cargo que tem entre suas atribuições elaborar análises “para o planejamento de
ações governamentais com vistas à defesa da soberania e das instituições
nacionais e à salvaguarda dos interesses do Estado”, conforme o Decreto 10.374.
Além da óbvia afronta de Bolsonaro às Forças Armadas, que credibilidade terão os
estudos em áreas tão sensíveis produzidos por um secretário que vê de maneira
tão equivocada os interesses do Estado e valoriza tão descaradamente os
interesses próprios e de Bolsonaro?
Na caquistocracia bolsonarista, contudo,
isso é irrelevante. Com a nomeação do indisciplinado e incompetente Pazuello,
Bolsonaro confirma a profunda mediocridade de seu governo. Mais grave, contudo,
é que o presidente consagra como princípios a insubordinação e a quebra da
hierarquia militar, exatamente à sua imagem e semelhança. Convém lembrar que no
mais recente momento da história nacional em que isso aconteceu, o presidente
da República que estimulou a indisciplina militar foi afastado pelas Forças
Armadas.
Engolfado pela pandemia e pela perda de
quase meio milhão de brasileiros, o Brasil não precisa de desordem militar. O
País está pacificado desde 1985, com a culminação do processo de transição do
regime militar para a democracia. Desde aquele momento, os militares
retiraram-se da cena política. Não há hoje nenhuma questão ideológica que
justifique essa tensão que Bolsonaro provoca nos quartéis e no País.
Na verdade, o presidente Bolsonaro parece
interessado em submeter as Forças Armadas a seus propósitos autoritários, mas
as Forças Armadas certamente não se têm deixado submeter a interesses
mesquinhos nem deixarão que se instaure em suas fileiras a desobediência
sistemática. Se o fizessem permitiriam que se instalasse na tropa uma ruptura
institucional que, depois de tantas lutas pela restauração da democracia, seria
inadmissível diante dos brasileiros e diante do mundo.
Bolsonaro, em resumo, nomeou o intendente
Pazuello pensando escarnecer dos militares. Mas o escarnecido é o País e, antes
dele, um comandante em chefe que se comporta como chefe de milícia.
Os perigos de uma Polícia militante
O Estado de S. Paulo
As cenas da violência praticada pela
Polícia Militar (PM) de Pernambuco contra manifestantes no Recife, no sábado
passado, dia 29 de maio, são de enorme gravidade. A ação da PM pernambucana não
foi apenas desproporcional, o que já seria motivo para uma rigorosa
investigação. Há suspeitas de uma atuação política da polícia, o que é
absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Assim como nas outras 200 cidades em que
houve manifestação contra Jair Bolsonaro, no Recife elas ocorreram de forma
pacífica. As pessoas pediram a vacina contra covid e o impeachment do
presidente. Com o protesto aproximando-se do fim, a PM de Pernambuco, sem
nenhum motivo aparente, iniciou truculenta repressão, usando balas de borracha,
bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta contra os manifestantes.
Os tiros da polícia feriram gravemente duas
pessoas no rosto. Daniel Campelo da Silva, de 51 anos, perdeu o globo ocular
esquerdo, além de ter sido atingido nas costas. Jonas Correia de França, de 29
anos, que voltava do trabalho, perdeu a visão do olho direito.
“A polícia é para proteger cidadãos de bem,
mas vimos policiais massacrando o povo cruelmente”, disse Julio Campelo, filho
de Daniel Campelo da Silva. As cenas da atuação da PM são escandalosas, com
policiais atirando contra as pessoas que tentavam socorrer os feridos.
A vereadora Liana Cirne (PT-PE) registrou
boletim de ocorrência, por ter sido agredida pela PM com spray de pimenta
enquanto conversava com policiais dentro de uma viatura. Há relatos também de
ação abusiva contra o repórter fotográfico João Carlos Mazella. De acordo com o
Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco, ele recebeu voz de prisão e foi
obrigado a entregar seu equipamento durante o protesto.
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara
(PSB), exonerou o comandante da PM, Vanildo Maranhão, e afastou sete agentes
envolvidos na operação do dia 29 de maio. Também ordenou a abertura de
investigação sobre a atuação da PM. Em nota, o Ministério Público de Pernambuco
afirmou que vai apurar os fatos relacionados à ação da PM durante a
manifestação.
De fato, é preciso investigar as causas e
punir os responsáveis. Uma atuação policial dessa natureza, absolutamente
inadequada, não pode ficar sem consequências. A PM tem de saber – e
experimentar na prática – que está sob rígido controle da lei e do governo
estadual. Não cabe impunidade ao uso arbitrário da força policial contra a
população.
A ação truculenta da PM de Pernambuco
contra opositores de Jair Bolsonaro deve também servir de alerta para um tema
extremamente sério, que exige ser tratado sem simplismos e sem
ingenuidades.
Desde os tempos de deputado, Jair Bolsonaro
cultiva a proximidade com grupos de policiais estaduais. Mais de uma vez,
apoiou movimentos e motins de policiais. Na Presidência da República, essa
tática política não foi abandonada. Por diversos meios, o presidente Jair
Bolsonaro vem tentando estabelecer uma relação direta, de natureza
político-ideológica, com soldados e policiais, em evidente desrespeito aos
limites do cargo e às respectivas esferas dessas categorias.
Além disso, o bolsonarismo almeja subverter
os marcos institucionais das Polícias. No início deste ano,
o Estado revelou a tentativa, por parte de parlamentares
bolsonaristas, de dar andamento a dois projetos de lei orgânica das Polícias
Civil e Militar, que, entre outros pontos, restringiriam o poder dos
governadores sobre essas corporações.
Sob o pretexto de uniformizar a estrutura
das Polícias estaduais, as propostas legislativas subordinariam as forças de
segurança estaduais a interesses políticos do governo central. Trata-se de
medida inconstitucional clara e evidentemente muito perigosa.
A agressão da PM de Pernambuco a
manifestantes pacíficos merece rigorosa apuração. Não deve haver dúvidas sobre
a atuação policial. Num Estado Democrático de Direito, polícia e política não
se misturam, apesar dos esforços do Palácio do Planalto em sentido contrário.
A indústria afundou de novo
O Estado de S. Paulo
Durou pouco a recuperação da indústria, um setor diferenciado, em outros tempos, como o mais dinâmico e mais inovador da economia brasileira. Com a queda de 1,3% em abril, a produção industrial acumulou um tombo de 4,4% em três meses, ficando de novo abaixo do patamar pré-pandemia – mais precisamente, 1% abaixo do nível de fevereiro de 2020. A última queda mensal ocorreu em 18 das 26 atividades pesquisadas. Isso confirmou mais uma vez as limitações de uma retomada com desemprego persistente – 14,8 milhões de pessoas no primeiro trimestre do ano – e com os consumidores muito empobrecidos.
O quadro pode parecer muito bom quando as comparações
envolvem o pior período da crise do ano passado. Em abril a indústria produziu
34,7% mais que um ano antes. No primeiro quadrimestre o total produzido superou
por 10,5% o resultado de janeiro a abril de 2020. Mas esse confronto envolve
uma base muito rebaixada, o bimestre março-abril do ano passado, quando a
produção diminuiu 22,3%. Nos 12 meses até abril deste ano, o resultado, ainda
positivo, foi um crescimento de 1,1%.
O pouco vigor da recuperação fica mais
claro quando se examina toda a trajetória da retomada. A primeira reação à
grande queda de março-abril pareceu forte. A produção cresceu 7% em maio e 9,5%
em junho, mas isso ainda foi insuficiente para anular a perda do bimestre
anterior. Em julho, no entanto, o volume produzido aumentou 8,3% e, a partir
daí, a evolução mensal decresceu, chegou a 0,2% em janeiro e se tornou negativa
nos três meses seguintes, com quedas de 1% em fevereiro, 2,2% em março e 1,3%
em abril.
Nesse percurso, a indústria chegou a sair
do buraco, por algum tempo, mas acabou de novo caindo. O curto fôlego da
recuperação é em boa parte atribuível ao aperto financeiro dos consumidores.
Reduzido a partir de setembro, o auxílio emergencial foi suspenso em janeiro e
só retomado, com nova redução, em abril. Além disso, o desemprego continuou
muito alto. A desocupação no Brasil já era bem maior que na maior parte das
economias emergentes no ano passado, quando a pandemia surgiu, e assim
permaneceu em 2021.
O aperto das famílias está refletido na
produção de bens de consumo. A fabricação de bens de consumo duráveis, como
veículos e eletroeletrônicos, despencou 20,9% em março e 78,8% em abril do ano
passado, reagiu fortemente nos meses seguintes, começou a enfraquecer no fim de
2020 e caiu seguidamente nos quatro primeiros meses deste ano.
A produção de bens de consumo semiduráveis
e não duráveis – categoria onde se incluem vestuário, calçados, produtos de
higiene e alimentos – oscilou bem menos, mas já voltou a cair, diminuindo 0,2%
em fevereiro, 10,7% em março e 0,9% em abril. As famílias estão procurando
economizar também nas compras do dia a dia.
A contenção dos gastos familiares já havia
aparecido nos dados do varejo. No primeiro trimestre as vendas do comércio
foram 0,1% menores que nos três meses finais de 2020 e 0,6% inferiores às de
igual período de 2020. O balanço de março mostrou recuo das vendas em sete das
oito categorias pesquisadas. Só houve resultado positivo (+3,3%) em
hipermercados, supermercados e outros comércios de alimentos. Ainda assim,
milhões de pessoas só puderam comer, nos primeiros meses do ano, graças a
campanhas de distribuição de alimentos.
Além do desemprego superior a 14% da força
de trabalho, as famílias tiveram de enfrentar uma forte onda de inflação. No
ano, até abril, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu
2,37%. Em 12 meses a alta chegou a 6,76%. O limite de tolerância oficialmente
fixado para todo o ano é de 5,25%. Pelas projeções publicadas até agora, esse
limite será estourado.
Em seis dos dez anos entre 2011 e 2020 o
desempenho do setor industrial foi negativo. Nos demais, foi abaixo de
medíocre. O melhor resultado nesse período foi a pífia expansão de 2,5% em
2017. Reindustrializar o País deveria ser uma prioridade da política econômica,
mas hoje é difícil encontrar, em Brasília, uma política merecedora desse
adjetivo.
Abuso armado
Folha de S. Paulo
Casos de truculência policial ganham nova
gravidade sob o governo Bolsonaro
À primeira vista, episódios de abuso
policial podem parecer não mais que novas e deploráveis manifestações de
práticas arraigadas na sociedade brasileira —que vão da abordagem truculenta de
cidadãos, em geral pobres e pretos, ao excesso de violência, não raro letal, no
cumprimento de deveres do ofício.
Os últimos dias foram pródigos em casos do
gênero. No mais dramático deles, dois homens perderam a
visão de um dos olhos ao serem atingidos, no sábado (29), por
balas de borracha disparadas pela Polícia Militar durante protesto contra Jair
Bolsonaro em Recife. As vítimas não participavam do ato.
No mesmo dia, um PM agrediu
com um soco na boca um jovem negro em Caieiras (SP), durante
uma abordagem; um dia antes, em Cidade Ocidental (GO), um jovem negro que
gravava em vídeo suas manobras ciclísticas teve uma arma
apontada para si e foi algemado por um policial militar.
Na segunda-feira (31), a PM goiana invocou
a Lei de de Segurança Nacional, de 1983, e deteve em Trindade um professor que
tinha em seu carro uma faixa
que chamava o presidente de genocida.
Como já se percebe a esta altura, a
natureza do governo Bolsonaro confere a esses tristes episódios uma nova
gravidade —ainda que nem todos eles apresentem uma conexão política óbvia.
O atual chefe de Estado, afinal, baseou sua
longa carreira parlamentar na defesa de interesses corporativos de militares e
agentes de segurança pública —e também na apologia da brutalidade policial.
No Planalto, tal militância resulta em má
política pública: desde reajustes salariais descabidos e cargos na
administração aos fardados até tentativas de garantir na lei a impunidade de
policiais que matam em serviço. Mas esse nem é o desdobramento mais preocupante.
Bolsonaro estimula, sobretudo, a
politização nos quartéis e nas delegacias. Assim fez quando sem maiores
sutilezas quis emprestar legitimidade ao criminoso motim de PMs cearenses no
ano passado, por ele chamado de greve, ou quando levou o general da ativa
Eduardo Pazuello a um palanque.
A profissionais que recebem armas do Estado
não é dado o direito a movimentos paredistas e a manifestações políticas, pelos
óbvios riscos à segurança dos cidadãos e ao convívio democrático. Ensaios do
tipo, mesmo os incipientes, precisam ser rechaçados por superiores
hierárquicos, autoridades, líderes políticos e sociedade.
Do presidente da República, infelizmente,
não se pode esperar nada além de arruaça. Na ausência de compostura do
mandatário maior, cabe às forças responsáveis de defesa e segurança pública
zelar pela disciplina e pelo respeito à sua missão constitucional.
Belarus na mira
Folha de S. Paulo
Ocidente tem desafio ao lidar com a
ditadura, mais próxima do controle de Putin
Há 15 anos, Vladimir Putin era visto como
um líder dinâmico que recolocara a Rússia no caminho da modernidade. Naquele
2005, contudo, o presidente chocou ao dizer que a dissolução da União Soviética
em 1991 havia sido a “maior catástrofe geopolítica do século 20”.
Com a aliança militar ocidental, a Otan,
devorando antigos satélites comunistas e até os ex-soviéticos Estados Bálticos,
Putin reagiu. Emulando seus antecessores históricos, via nos vizinhos aliados
ou submissos anteparos estratégicos a possíveis rotas de invasão.
Subjacente a isso, havia o fato de que
populações russas étnicas ficaram para trás dos limites da pátria-mãe com o
ocaso soviético.
Isso ajuda a entender o atual estágio da
agônica crise entre Putin e o Ocidente, focado na Belarus. Última ditadura
europeia, o país é um tampão ante as forças da Otan —a Ucrânia também o é, mas
de forma desorganizada, imposta por Moscou após a derrubada de um governo
favorável a Putin.
Aliado inconfiável, o ditador Aleksandr
Lukachenko está sob intensa pressão desde que enfrentou o povo na rua devido a
mais uma eleição fraudada, em agosto. A repressão interna intensificou-se,
e Putin veio em
seu socorro.
Primeiro, porque enfrenta em casa dissenso
e não quer ver exemplos que lhe desagradem na vizinhança. Segundo, porque
Lukachenko enfraquecido é presa mais fácil para seu desejo de absorver a
Belarus em um Estado único com a Rússia, ou algo perto disso.
Só que o ditador deu um passo além ao
determinar, na semana passada, que um caça obrigasse um avião comercial
irlandês a desviar e pousar em Minsk.
Prendeu um jornalista crítico a seu governo
e sua namorada, que estavam no voo, gerando ultraje internacional. A União
Europeia determinou sanções e a Otan protestou, mas isso teve pouco impacto.
Após sugerir repreensão ao deixar
Lukachenko esperando por uma semana, Putin enfim lhe deu apoio total em
encontro pessoal. Isso deverá cimentar a proximidade entre os regimes, o que
não é boa notícia para o mundo. Putin não é ainda um ditador, mas sua
autocracia evoluiu a um estágio repressivo inaudito.
Sua aliança com Lukachenko é um desafio
para o Ocidente, em especial para os países europeus que são dependentes do gás
e do petróleo de Moscou. Alienar Putin seria tolo, mas lhe dar livre passagem
pode ser ainda mais perigoso.
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