quinta-feira, 3 de junho de 2021

Maria Hermínia Tavares* - Risco claro e presente

- Folha de S. Paulo

Militares estão mais presentes na vida nacional, indo além de atividades de defesa das fronteiras

Quando instituiu o Ministério da Defesa, em 1999, e entregou o seu comando a um civil, o presidente Fernando Henrique deu um passo crucial para a consolidação da democracia no país, aproximando-a dos melhores padrões internacionais. Ao cumprir o que estabelecia a Carta de 1988 —e não sem resistências—, assegurou pela primeira vez na história da República que nenhum militar com assento no escalão superior do governo controlasse a política de defesa.

A criação da pasta —e a decisão do presidente de confiá-la a um civil— correspondeu ao anseio das forças democráticas de impedir que a política tornasse a invadir os quartéis, dividisse seus comandantes e, não raro, subvertesse a sua estrutura hierárquica. Tratava-se de blindar a um só tempo a democracia e a integridade das três Armas.

Os avanços e percalços do ministério e das políticas de defesa por ele postas em prática são discutidos com afiada maestria pelos cientistas políticos Octavio Amorim Neto (Fundação Getulio Vargas) e Igor Acácio (Universidade da Califórnia, Riverside) em artigo recente intitulado "One step forward, one step back: the impact of the Defense Ministry on defense policymaking in Brazil, 1999-2020" (Um passo adiante, um passo atrás: o impacto do Ministério da Defesa na política de defesa no Brasil; 1999-2020, em tradução livre.)

Os autores mostram que a reduzida competência e o escasso apetite dos políticos civis por questões de defesa nacional bloquearam os avanços rumo à consolidação do controle civil do setor.

Documentam o aumento da presença de militares nos escalões superiores do ministério com importante inflexão a partir de 2018 —com a nomeação de ministro de origem militar— e seu crescimento exponencial sob o governo atual.

Amorim e Acácio notam ainda que os militares se tornaram mais presentes na vida nacional por meio de Operações de Garantia de Lei e Ordem (GLO) e de iniciativas assistenciais e humanitárias, indo muito além das atividades costumeiras de defesa das fronteiras, participação em operações de paz e exercícios conjuntos.

Nada disso, a rigor, começou com a chegada do ex-capitão ao Planalto, mas o enfraquecimento da influência civil sobre a política de defesa ficou agora mais claro e perigoso, configurando ameaça real e presente de renovada politização dos militares, que se queria confinar aos livros de história.

Na democracia, as Forças Armadas servem ao Estado, não aos desígnios políticos e planos pessoais dos governantes de turno. É o que estará em jogo no eventual julgamento disciplinar do general Eduardo Pazuello.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

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