- Folha de S. Paulo
Militares estão mais presentes na vida
nacional, indo além de atividades de defesa das fronteiras
Quando instituiu o Ministério da Defesa, em
1999, e entregou o seu comando a um civil, o presidente Fernando Henrique deu
um passo crucial para a consolidação da democracia no país, aproximando-a dos
melhores padrões internacionais. Ao cumprir o que estabelecia a Carta de 1988
—e não sem resistências—, assegurou pela primeira vez na história da República
que nenhum militar com assento no escalão superior do governo controlasse a
política de defesa.
A criação da pasta —e a decisão do presidente de confiá-la a um civil— correspondeu ao anseio das forças democráticas de impedir que a política tornasse a invadir os quartéis, dividisse seus comandantes e, não raro, subvertesse a sua estrutura hierárquica. Tratava-se de blindar a um só tempo a democracia e a integridade das três Armas.
Os avanços e percalços do ministério e das
políticas de defesa por ele postas em prática são discutidos com afiada
maestria pelos cientistas políticos Octavio Amorim Neto (Fundação Getulio
Vargas) e Igor Acácio (Universidade da Califórnia, Riverside) em artigo recente
intitulado "One step forward, one step back: the impact of the Defense
Ministry on defense policymaking in Brazil, 1999-2020" (Um passo adiante,
um passo atrás: o impacto do Ministério da Defesa na política de defesa no
Brasil; 1999-2020, em tradução livre.)
Os autores mostram que a reduzida
competência e o escasso apetite dos políticos civis por questões de defesa
nacional bloquearam os avanços rumo à consolidação do controle civil do setor.
Documentam o aumento da presença de militares nos
escalões superiores do ministério com importante inflexão a
partir de 2018 —com a nomeação de ministro de origem militar— e seu crescimento
exponencial sob o governo atual.
Amorim e Acácio notam ainda que os
militares se tornaram mais presentes na vida nacional por meio de Operações de
Garantia de Lei e Ordem (GLO) e de iniciativas assistenciais e humanitárias,
indo muito além das atividades costumeiras de defesa das fronteiras,
participação em operações de paz e exercícios conjuntos.
Nada disso, a rigor, começou com a chegada
do ex-capitão ao Planalto, mas o enfraquecimento da influência civil sobre a
política de defesa ficou agora mais claro e perigoso, configurando ameaça real
e presente de renovada politização dos militares, que se queria confinar aos
livros de história.
Na democracia, as Forças Armadas servem ao
Estado, não aos desígnios políticos e planos pessoais dos governantes de turno.
É o que estará em jogo no eventual julgamento disciplinar do general Eduardo
Pazuello.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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