- Folha de S. Paulo
Sequelados de Covid, abandonados da
educação, sem água: Brasil prepara próximas crises
Desde o final do ano passado e ainda mais
agora, é possível ouvir de executivos de comércio
digital ou de tecnologia em geral que está difícil de encontrar
mão de obra qualificada para preencher as muitas vagas abertas. O setor se
expandiu mais rápido na epidemia, como todo mundo já está cansado de saber; já
sobrava algum emprego mesmo antes disso.
Um dos resultados mais evidentes, se não
escandalosos, do andamento recente da economia é a recuperação
sem emprego, um descompasso maior do que o habitual. A despiora do
PIB é menos lenta do que a do mundo do trabalho, que na verdade apenas passou
do terror para o horror. Em parte, sabemos o que se passa: epidemia de longa
duração e muitos pobres sem qualificação. Isto é, as águas de um desastre
recente se encontram com um rio de problemas antigos.
Vai faltar água. Há algum risco de faltar
eletricidade. Os especialistas desses setores terrivelmente
complicados e ainda avacalhados por décadas de má administração e degradação
ambiental ainda não sabem muito bem o tamanho do problema. Fazem contas e
tentam pensar qual estratégia combinada pode permitir a redução do consumo de
água sem causar muito dano, de modo que não tenhamos risco maior de
racionamento de eletricidade em 2022.
Isto posto, estamos discutindo riscos de
escassez em uma economia deprimida, em que o nível do PIB era no início deste
ano 6% menor do que na média de 2014. Ou seja, mesmo produzindo menos, estamos
de novo à beira da asfixia elétrica. Dependemos dos deuses da chuva.
É muito primitivo. Não fazemos o essencial. Não faz muito tempo, subsidiamos com dinheiro público a formação de oligopólios e conglomerados em um país em que falta esgoto, escola infantil e creche. Neste momento mesmo, estamos cultivando os problemas crônicos dos próximos anos.
Os especialistas em educação começam a
demonstrar com estudos quantos anos vai levar para que recuperemos o atraso
provocado pelo fechamento, ou quase isso, das escolas. É um problema
no mundo inteiro, aqui piorado pela desigualdade de acesso aos remendos
tecnológicos da falta de aulas, entre outros problemas.
O que estamos fazendo a respeito? Por ora,
vendo o ministério da Educação ser destruído.
Há um número ainda desconhecido de pessoas
com sequelas
graves de Covid, afora pessoas ainda mais adoentadas de outros males
pelas dificuldades de tratamento adequado em um ambiente de medo e lotação
mortífera de hospitais.
Vai ser um problema para a seguridade
social, para o trabalho, para a saúde, para as famílias.
O que estamos fazendo a respeito? Como o
SUS, que já precisava de reformas e recursos, vai lidar com isso?
Ainda mais invisível para a maioria das
pessoas, a pesquisa científica já vinha sendo degradada pela desordem fiscal. À
falta de dinheiro junta-se a perseguição política, o medo do futuro sob um
governo de ignorantes perversos, o desprestígio. O desastre será duradouro.
Apesar de todo o escândalo, “cartas” e “notas de repúdio”, a destruição das instituições de controle ambiental continua desatada, mesmo enquanto a polícia bate na porta dos capatazes de Jair Bolsonaro. Além da floresta ou do cerrado perdidos, levará anos para remontar o sistema. Mais anos de degradação ambiental, com consequências no abastecimento de água e de energia, com riscos inclusive de criarmos ambientes propícios para que micróbios epidêmicos saltem para os seres humanos. A próxima epidemia pode ser “brasileira”. A incúria crônica já é.
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