- O Globo
Não é preciso ser íntimo de Jair Bolsonaro
para saber que ele só pensa na reeleição. “Você passou 30 anos votando em que
tipo de gente? Quem não tá contente comigo tem Lula em 2022”, respondeu
irritado, outro dia, a uma apoiadora que perguntou por que ele deixava “o povo
sofrer”. Dias antes, já havia declarado: “O bandido foi posto em liberdade, foi
tornado elegível, no meu entender, para ser presidente. Na fraude. Ele só ganha
na fraude no ano que vem”.
O presidente gosta de dizer
que não se importa com pesquisas nem entende de economia. Mas compreende muito
bem onde o calo aperta, na hora do voto. Já disputou nove eleições e
ganhou todas. E percebeu que, se quiser sair vencedor das urnas em 2022,
precisará colocar a mão no bolso, ou melhor, no cofre.
Os resultados da última pesquisa
Datafolha, que detectou vantagem de Lula contra Bolsonaro — num
eventual segundo turno, o petista teria 41% dos votos e o presidente, 23% —,
trouxeram dados enfáticos. Se a
eleição fosse hoje, Lula teria 56% dos votos no Nordeste, 51% dos eleitores com
ensino fundamental e 47% dos que têm renda familiar de até dois salários
mínimos.
Estamos falando de um universo de 50 milhões de brasileiros, gente que sofreu seriamente o impacto da pandemia e foi socorrida pelo auxílio emergencial, que, pela regra atual, deverá pagar a última parcela em agosto. Apesar dos dados animadores de crescimento do PIB, o desemprego ainda é de 14,7% e atinge 14,8 milhões de pessoas. Outros 6 milhões são desalentados, que perderam os empregos, mas ainda nem sequer começaram a procurar nova ocupação.
É com esse contingente que Bolsonaro mais
interage nas incursões que faz Brasil afora com os aliados do Centrão. Foram seus aliados que lhe expuseram a
realidade crua, depois de observar a adesão às manifestações de rua do último fim de semana.
Como a tragédia da Covid-19 derrubou o apoio ao governo na classe média, se
quiser ganhar as eleições, Bolsonaro precisará ampliar o auxílio emergencial,
além de marcar na memória desse público um programa de transferência de renda
que carregue sua marca (e não a da herança petista).
Os detalhes do programa ainda estão em discussão.
Por ora, só há consenso em torno do nome, Alimenta Brasil — mas quem conhece
Bolsonaro sabe que, agora que foi revelado, esse nome pode acabar mudando. Para os magos eleitorais do Centrão,
porém, o programa pode até se chamar “Bolsa Reeleição”, desde que o benefício
seja polpudo — de preferência R$ 600 mensais por família, e não a média atual
de R$ 250. Paulo Guedes já concordou em ampliar o auxílio
enquanto durar a emergência da Covid-19, mas a meta dos parceiros de Planalto é
ir com ele até o fim do mandato.
O que se verá nos bastidores daqui por
diante, portanto, será um embate em torno do alcance e dos custos da “Bolsa
Reeleição”. Não há grandes dúvidas sobre quem deverá prevalecer. “O que interessa é ganhar”, explicou nesta
semana um dos pragmáticos representantes do Centrão raiz. “Para isso, Bolsonaro
tem que usar uma arma que Lula não tem: ele ordena despesas”,
finalizou didaticamente o aliado.
Não dá para dizer ainda quanto será gasto
com o novo programa, mas o auxílio emergencial consumiu R$ 300 bilhões em 2020
—o equivalente a dez anos de Bolsa Família. Os economistas preveem que o
governo terá uma folga de caixa no ano que vem, em razão do crescimento do PIB,
do aumento da arrecadação e da inflação mais alta, que permite subir o teto de
gastos na mesma medida. Ainda assim, a equipe econômica tem calafrios quando
pensa no perigo de descontrole fiscal.
Há, ainda, outro risco importante. Embora ninguém discuta que a vulnerabilidade
social no Brasil tenha aumentado imensamente na pandemia e que o governo
precisa agir, é grande o temor de que, no afã eleitoreiro, abra-se apenas mais
um guichê de distribuição de dinheiro, sem associá-lo a medidas e
contrapartidas efetivas que ajudem a reduzir a
desigualdade estrutural da sociedade brasileira — como o comparecimento
escolar.
A resposta do Centrão para esse tipo de
dúvida é curta e direta: sem programa, não tem reeleição. Além do mais,
Bolsonaro não seria o primeiro presidente a sangrar o cofre pensando nas urnas.
Fernando Henrique fez isso ao segurar o
câmbio, em 1998, para deixá-lo flutuar três meses depois da vitória. O próprio
Lula, engordando em quase 2 milhões de famílias o cadastro do Bolsa Família em
2006, último ano do primeiro mandato. E também Dilma Rousseff, ao liberar
centenas de bilhões em desonerações fiscais em 2013.
Esse é o jogo, sempre foi, dizem os aliados. Para eles, não haveria por que não jogá-lo, tendo o cofre ao alcance da caneta Bic.
Nenhum comentário:
Postar um comentário