- Folha de S. Paulo
Carestia sem refresco e desemprego vão
fazer Bolsonaro jogar no ataque eleitoral
Nos dois primeiros anos de Jair Bolsonaro,
a inflação
comeu todo o aumento do salário médio, pelo menos. A carestia da comida,
por sua vez, foi equivalente ao dobro do crescimento médio dos rendimentos do
trabalho. A recuperação do PIB desde o novo buraco profundo, causado pela
epidemia, não é e tão cedo não será acompanhada pelo avanço do emprego.
É fácil entender porque o governo anunciou
com tanta tranquilidade a prorrogação
do auxílio emergencial até pelo menos setembro e prometeu uma
ampliação do Bolsa Família até o final do ano, além de um programa subsidiado
de estágios para jovens, o BIP-BIQ.
Parte importante do prestígio político do governo vai balançar entre o peso da inflação e do desemprego na vida dos mais pobres e o contrapeso dos remendos que puder arranjar contra a miséria.
Os números da inflação para o consumidor
medida pelo IPCA divulgados
nesta quarta-feira (9) vieram bem ruins. Um possível refresco foi
adiado para setembro. Ainda no começo de março, previa-se que o IPCA acumulado
em doze meses, “em um ano”, chegasse a 6% em meados deste 2021. Agora, está
quase certo que vai a 8,3% e por aí fica até agosto, pelo menos. No final do
ano, ainda vai estourar o limite superior da meta do Banco Central, que é de
5,25%.
Há quem estime altas menores para produtos
agrícolas. Até agora, estimativas baixistas de inflação foram furadas. Talvez
um dólar menos caro contribua para atenuar a contaminação dos preços do varejo
pelos preços do atacado, mas são bem chutadas as estimativas desse repasse.
Ainda não há perspectiva de refresco nos preços mundiais de petróleo e minérios
—ao contrário.
Na hipótese de reabertura maior da economia
a partir de outubro, há o risco de que a inflação dos serviços volte a subir
—dada a depressão do setor, ainda está relativamente contida. Vai haver aumento
de preço da energia elétrica sem parar, até 2022. Mesmo na hipótese de dilúvio
entre novembro e abril do ano que vem, ainda haverá um resto grande de conta
para pagar, dada a crise
de água deste ano.
Olhado pelas entranhas, o IPCA parece ainda
mais feio. Do primeiro trimestre de 2019 a primeiro deste 2021, o rendimento
médio habitual do trabalho aumentou 11,1%, em termos nominais. A medida do
rendimento efetivamente recebido, talvez mais adequada na epidemia, apenas
7,4%. A inflação geral do IPCA foi de 9,6%. A da comida (“alimentação no domicílio”),
23,5%. O preço de um alimento essencial e simbólico como o arroz subiu mais de
74%. O das carnes, 60%. Óleos, 64%.
Vai levar um tempo grande até que ganhos de
renda e o controle da inflação compensem a redução feia do poder de compra dos
mais pobres nos anos Bolsonaro-epidemia.
Do ponto de vista dos chutadores informados
de expectativas de inflação, não há descontrole inflacionário no horizonte.
Depois da corcova alta da inflação de meados deste ano, o IPCA tenderia a
convergir para a meta de inflação no final de 2022. Obviamente, não quer dizer
que isso vá acontecer. Quer dizer apenas que os economistas do setor
financeiro, “analistas de mercado”, esperam que o Banco Central vá fazer o
bastante para conter os preços. Trocando em miúdos, o BC vai aumentar
a taxa básica de juros mais rápido do que se esperava. O debate é:
quão rápido e quanto?
Esse ritmo pode lascar o crescimento da
economia em 2022 e renovar pessimismos sobre o destino da dívida pública. Na
semana que vem, a direção do BC se reúne para definir a Selic e começa a dar
respostas para esse problema da inflação, que também ficou maior do que o
esperado.
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