- O Estado de S. Paulo
O equilíbrio fiscal e a qualidade do gasto
dificilmente orientam o cálculo parlamentar
Polêmicas envolvendo o Orçamento da União
mostram que o longo processo de construção institucional relativo à matéria,
iniciado com a Constituição de 1988, requer cuidados. Na condição de
parlamentar dedicado ao tema desde a Constituinte, gostaria de desfazer certa
confusão provocada por discursos recentes que vão em direção equivocada: o
Poder Executivo abriria mão de seu protagonismo no processo orçamentário, seja
por fraqueza política, seja por estratégia de poder.
O Orçamento público é o principal
instrumento pelo qual a sociedade, mediante seus representantes no Legislativo
e no Executivo, decide como serão usados os recursos arrecadados pelo Estado.
No jargão econômico, essa é a função alocativa do Orçamento. Tantas são as
aplicações possíveis dos recursos públicos quantos são os problemas e
oportunidades afetos a uma sociedade. Investiremos em rodovias ou em escolas?
Permitiremos aposentadorias mais precoces ou financiaremos mais pesquisa? A
preservação do meio ambiente merecerá mais recursos que atividades culturais?
Valendo-me de exemplo atual e relevantíssimo: adiaremos o Censo Demográfico
para gastarmos com obras locais?
Aos múltiplos usos potenciais dos recursos
públicos acrescente-se a pluralidade de preferências: cada cidadão escolheria,
se pudesse, um conjunto próprio de prioridades tendo em vista a escassez de
recursos. Dado que, infelizmente, não podemos obter tudo, escolhas nos são
impostas. Note-se, ainda, que elas abrangem não apenas alternativas de gastos,
mas a distribuição dos seus custos entre grupos e gerações. Se nos endividamos
hoje para executar certa despesa, nossos filhos e netos pagarão a conta.
Na esfera pública, certos agentes, sobretudo políticos, fazem escolhas em nome dos eleitores. Receitas arrecadadas de toda a sociedade podem ser destinadas a grupos específicos. Essas observações levantam desafios por toda parte. Como garantir que as decisões dos representantes estejam alinhadas com os interesses dos representados? Como evitar que a busca por benefícios no Orçamento provoque o crescimento desenfreado do gasto e do endividamento?
Assim é que o processo orçamentário entra
em cena para, idealmente, otimizar escolhas. Em cada sociedade, elas serão
moduladas pelas instituições orçamentárias, conjunto de regras e princípios que
orientam os gastos governamentais. As peças orçamentárias, por sua vez,
inserem-se no ambiente institucional mais amplo, abrangendo os sistemas
político, eleitoral e partidário.
A Constituição de 88 restabeleceu prerrogativas
do Legislativo no campo orçamentário, em contraponto à ordem jurídica anterior,
na qual o Executivo detinha papel muito preponderante. Ao reequilibrar funções,
contudo, o texto constitucional não eximiu o Executivo de responsabilidades:
liderado pelo presidente da República, cabe a ele elaborar e encaminhar os
projetos de leis orçamentárias ao Congresso Nacional, o qual, por seu turno,
poderá promover remanejamentos, de acordo com dispositivos constitucionais,
legais e regimentais. Ao final, o Executivo poderá opor vetos às alterações
promovidas, sujeitos à maioria qualificada para serem derrubados.
A prerrogativa, atribuída ao Executivo, de
apresentar a versão inicial do Orçamento é motivada por razões teóricas e
especificidades nacionais. Como aponta a literatura, alguma forma de
centralização decisória é condição necessária para que os recursos públicos não
sejam objeto de uma disputa disfuncional. Grupos de interesse almejam
apropriar-se do maior volume possível de recursos, pela expectativa de que o
ônus tributário ou os encargos da dívida incidam sobre si em menor proporção.
Submetidos a eles, os orçamentos públicos tendem a déficits recorrentes.
No que tange ao caso brasileiro, a
heterogeneidade de interesses num país continental, combinada com fragmentação
partidária, federalismo e certas regras eleitorais, faz as decisões
orçamentárias do Legislativo tenderem à satisfação de demandas locais.
Preocupações com o equilíbrio fiscal e a qualidade do gasto dificilmente
orientam o cálculo parlamentar na esfera orçamentária. A consequência é o
crescimento permanente do gasto, ao largo de análises de custo-benefício.
Nesse contexto, a falta de liderança do
Executivo no decorrer do processo orçamentário traz riscos não desprezíveis.
Prioridades mais amplas e projetos de caráter estratégico podem ser
negligenciados. O interesse geral facilmente se perde em meio a pressões
paroquiais. Iniciativas locais, próprias dos orçamentos subnacionais, avançam
sobre o Orçamento federal dissociadas de programas mais abrangentes que lhes
deem alguma organicidade.
Não é coincidência, portanto, que a reforma
das instituições orçamentárias ganhe espaço na agenda política. Nesse sentido,
as lideranças políticas no País devem dar prioridade à revisão do sistema de
planejamento e orçamento previsto na Constituição no sentido de reequilibrar as
responsabilidades entre os Poderes, com o objetivo de consagrar o princípio da
responsabilidade orçamentária no País.
*Senador (PSDB-SP)
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