- Folha de S. Paulo
Porque abominam a democracia
representativa, populistas cortejam as Forças Armadas
Quando a turba trumpista invadiu
o Capitólio, contestando a vitória de Joe Biden, os chefes das três Armas
condenaram a aventura, reafirmaram sua fidelidade ao Estado de Direito e
garantiram a posse do presidente eleito. É difícil imaginar o que teria
ocorrido houvessem os militares embarcado na tentativa golpista de Trump. É
possível que já não se estivesse discutindo as numerosas falhas da democracia
americana, mas sua asfixia nas garras da extrema direita populista.
Pelo mundo afora, populistas de diferentes matizes de ódio empenham-se em destruir a democracia representativa, cujas regras abominam. Seu sucesso ou fracasso depende da força das instituições, da qualidade das lideranças políticas oposicionistas, da resistência da imprensa e da sociedade organizada e, por último, porém não menos importante, da fidelidade das Forças Armadas aos princípios constitucionais.
Porque abominam as regras do Estado de
Direito e do sistema representativo, que existem para impor limites ao
exercício do poder pelos governantes, populistas cortejam as Forças Armadas.
Seu arsenal pouco varia: distribuição de benesses sob a forma de salários e
aposentadorias; engorda dos recursos para a defesa; notável crescimento do
número de fardados nos cargos da administração pública e em atividades civis.
O americano Donald Trump aumentou o
orçamento militar e mais que triplicou o número de uniformes no primeiro
escalão do governo. O indiano Narendra
Modi promoveu reformas para pôr em xeque o tradicional —e forte—
controle civil sobre as instituições armadas, incentivou a indústria bélica
nacional e alargou o espaço dos militares nas decisões de política externa. O
mexicano Andrés Manuel López Obrador multiplicou o orçamento de defesa do país,
expandiu a participação dos militares no combate ao narcotráfico e na proteção
das fronteiras e lhes delegou responsabilidades tipicamente civis: construção e
operação de extensa malha ferroviária, edificação de aeroportos e agências
bancárias, gestão de hospitais e controle das alfândegas.
Assim, líderes populistas tentam amarrar a
corporação armada a seus projetos pessoais. Em parte alguma os efeitos foram
piores do que na Venezuela chavista. Ali, generais se opõem a generais,
oficiais operam o tráfico de drogas e todos são sócios majoritários da tragédia
que desagrega o país.
Aqui, o ex-capitão também trata de cooptar
as três Armas. Se tiver êxito, os resultados nefastos para a democracia —e os
quartéis— não haverão de tardar. Como dizia o sábio Barão de Itararé, as
consequências vêm sempre depois.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap
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