quinta-feira, 10 de junho de 2021

Maria Hermínia Tavares* - O que virá já se sabe

- Folha de S. Paulo

Porque abominam a democracia representativa, populistas cortejam as Forças Armadas

Quando a turba trumpista invadiu o Capitólio, contestando a vitória de Joe Biden, os chefes das três Armas condenaram a aventura, reafirmaram sua fidelidade ao Estado de Direito e garantiram a posse do presidente eleito. É difícil imaginar o que teria ocorrido houvessem os militares embarcado na tentativa golpista de Trump. É possível que já não se estivesse discutindo as numerosas falhas da democracia americana, mas sua asfixia nas garras da extrema direita populista.

Pelo mundo afora, populistas de diferentes matizes de ódio empenham-se em destruir a democracia representativa, cujas regras abominam. Seu sucesso ou fracasso depende da força das instituições, da qualidade das lideranças políticas oposicionistas, da resistência da imprensa e da sociedade organizada e, por último, porém não menos importante, da fidelidade das Forças Armadas aos princípios constitucionais.

Porque abominam as regras do Estado de Direito e do sistema representativo, que existem para impor limites ao exercício do poder pelos governantes, populistas cortejam as Forças Armadas. Seu arsenal pouco varia: distribuição de benesses sob a forma de salários e aposentadorias; engorda dos recursos para a defesa; notável crescimento do número de fardados nos cargos da administração pública e em atividades civis.

O americano Donald Trump aumentou o orçamento militar e mais que triplicou o número de uniformes no primeiro escalão do governo. O indiano Narendra Modi promoveu reformas para pôr em xeque o tradicional —e forte— controle civil sobre as instituições armadas, incentivou a indústria bélica nacional e alargou o espaço dos militares nas decisões de política externa. O mexicano Andrés Manuel López Obrador multiplicou o orçamento de defesa do país, expandiu a participação dos militares no combate ao narcotráfico e na proteção das fronteiras e lhes delegou responsabilidades tipicamente civis: construção e operação de extensa malha ferroviária, edificação de aeroportos e agências bancárias, gestão de hospitais e controle das alfândegas.

Assim, líderes populistas tentam amarrar a corporação armada a seus projetos pessoais. Em parte alguma os efeitos foram piores do que na Venezuela chavista. Ali, generais se opõem a generais, oficiais operam o tráfico de drogas e todos são sócios majoritários da tragédia que desagrega o país.

Aqui, o ex-capitão também trata de cooptar as três Armas. Se tiver êxito, os resultados nefastos para a democracia —e os quartéis— não haverão de tardar. Como dizia o sábio Barão de Itararé, as consequências vêm sempre depois.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap

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