O Globo
Civis que ocuparam o cargo de ministro da
Defesa garantem que as Forças Armadas não embarcam numa aventura golpista. Eles
sabem mais do que eu. No entanto tenho algumas dúvidas.
Não são dúvidas turbinadas pelo preconceito
ou pelo ressentimento. Como jornalista, sempre destaquei ações positivas dos
militares; no Congresso, mantive as melhores relações com assessores
parlamentares das Forças Armadas, entre eles o general Villas Bôas.
Os fatos abalam qualquer certeza. Desde a
não punição do general Pazuello até as recentes notícias sobre ameaças do
ministro da Defesa, o curso dos acontecimentos nos leva à desconfiança. É
difícil imaginar como uma sucessão de pequenas atitudes autoritárias pode
conduzir a uma firme decisão democrática, no dia D e na hora H, como diz
Pazuello.
Outro dia, um general ficou bravo comigo
porque critiquei Pazuello por sua audácia ao assumir um cargo para o qual não
tinha a mínima competência. Mencionei sua obediência cega a Bolsonaro, e o
general entendeu minha crítica como uma tentativa de minar o conceito de
disciplina dos militares. E disse que era capaz de matar ou morrer pela pátria.
Na verdade, peço muito menos que matar ou morrer: simplesmente pensar. Bolsonaro não merece uma obediência cega. Ninguém merece. O que está em jogo é uma noção de dignidade dos militares, discussão importante, pois, do seu prestígio, depende parcialmente a consistência da defesa nacional.
O perigoso esporte de humilhar generais,
título do artigo que provocou a ira dos generais, continua a ser praticado. O
general Ramos soube de sua saída da chefia da Casa Civil pela imprensa e
confessou que se sentiu atropelado por um trem.
O general Mourão é enviado numa missão a
Angola para defender, em nome do Brasil, a política da Igreja Universal do
Reino de Deus. Isso não é política de Estado, e a tarefa não deveria ser aceita
por um general.
Tenho muita tranquilidade em discutir o
conceito de obediência na política. Não acho que seja uma extensão do conceito
de disciplina militar. Nisso, sempre discordarei dos generais da direita, assim
como discordei dos generais da esquerda nos longos debates sobre o chamado
centralismo democrático.
O melhor instrumento que a sociedade tem
para tratar da questão militar que aparece volta e meia é precisamente
determinar uma meia-volta: aprovar o projeto que impede militares da ativa de
ocupar cargos civis no governo. Votar logo essa proposta de voto impresso,
decidir democraticamente se o teremos ou não.
Isso não basta. Concordo com o ex-ministro
da Defesa Raul Jungmann: o Congresso é omisso ao não discutir os grandes temas
da defesa nacional. A omissão dos parlamentares passa aos militares uma
sensação de irresponsabilidade ou mesmo de ignorância em relação à dimensão do
tema. Impede que a variável ambiental tenha a importância estratégica que
merece, atrasa uma solução negociada para o futuro da Amazônia.
A fragilidade da representação política
contribui também para que os militares tenham uma visão resignada do Congresso.
Nos Anos de Chumbo, seus aliados eram da Arena, partido dos coronéis
nordestinos; na eleição indireta à Presidência, o candidato dos militares era
Paulo Maluf.
Não me espanta que o governo atual tenha se
transformado numa associação entre militares e o Centrão. A escolha ideológica
sempre foi mais importante que uma sempre anunciada recusa à corrupção.
Durante a Guerra Fria, a ideia de se unir
com qualquer um para evitar o comunismo tinha um poder maior de atração. De lá
para cá, a sociedade brasileira evoluiu, o comunismo fracassou, apesar da
sobrevivência autoritária do PC chinês.
Resistir aos impulsos autoritários de Bolsonaro dará à sociedade brasileira mais força contra qualquer nova ameaça aos fundamentos da democracia. O argumento ganha um peso maior se for aceito pelos militares. Ele é a base real da conciliação.
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