terça-feira, 10 de agosto de 2021

Andrea Jubé - Anomalia institucional

Valor Econômico

Paes convidou Fernando Azevedo para secretariado

Vivemos “tempos estranhos”, diria o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello. Fato é que o atípico desfile de blindados da Marinha, programado para esta manhã na Esplanada dos Ministérios, fora das comemorações do 7 de Setembro, sugere o uso político das Forças Armadas pelo presidente da República.

O desvio de rota do comboio militar, que se desloca do Rio de Janeiro para Formosa (GO), a 50 quilômetros de Brasília, foi uma determinação do presidente Jair Bolsonaro, conforme informou o Valor, para exibir a força bélica na mesma data em que os deputados se preparam para enterrar no plenário a PEC do voto impresso.

Para a maioria dos líderes partidários, inclusive do Centrão, que apoia o governo, a votação da emenda constitucional é a crônica de uma derrota anunciada. “Com blindado ou sem blindado, Bolsonaro será derrotado”, diz um dirigente partidário, encontrando tempo e humor para rimar tanque de guerra com placar de votação.

A maioria dos políticos encarou como uma patacoada presidencial a exibição do arsenal militar programada para hoje. Mas é preocupante que o evento anômalo ocorra sob o comando do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, o qual, segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, teria advertido o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por meio de emissário, que se o voto impresso fosse rejeitado, não seriam realizadas eleições no ano que vem.

A advertência teria ocorrido no dia 8 de julho, mesma data em que Bolsonaro declarou, na porta do Alvorada: “Ou fazemos eleições limpas no Brasil, ou não temos eleições”.

Em nota oficial, Braga Netto classificou a notícia como “desinformação que gera instabilidade entre os Poderes”, e reiterou o compromisso com a Constituição democrática.

Mas Lira não negou a informação do jornal e saiu-se com uma evasiva: “A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano.”

É por isso que, nesse ambiente de supostas ameaças, negativas e evasivas, de escalada de tensão entre os Poderes da República, que o desfile de blindados na Esplanada, fora do 7 de Setembro, não deixa de ser preocupante. No mínimo, é uma anomalia.

É nesse clima de tensão entre políticos e militares, que chama a atenção o cortejo da oposição a quadros das Forças Armadas não alinhados ao governo.

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), que faz oposição discreta a Bolsonaro, convidou o ex-ministro da Defesa Fernando de Azevedo e Silva para compor o secretariado municipal.

Azevedo tem laços profissionais com a cidade do Rio de Janeiro e com o próprio Paes. Em 2016, eles atuaram juntos nos Jogos Olímpicos do Rio: Paes era prefeito da capital e Azevedo respondia pela segurança do evento à frente do Comando Militar do Leste.

O general Azevedo tem um currículo atraente por ser um oficial militar com trânsito político privilegiado.

Antes de comandar por mais de dois anos o Ministério da Defesa, construiu pontes com o Judiciário, como assessor especial de Dias Toffoli, quando este presidia o Supremo Tribunal Federal. Azevedo também foi chefe da assessoria parlamentar do Comando do Exército, e integrou a equipe da Casa Militar da Presidência durante o governo de Fernando Collor.

A demissão abrupta de Azevedo por Bolsonaro abriu feridas em uma ala da cúpula militar. Ele teria sido afastado por não se alinhar politicamente ao presidente. Na nota de despedida do cargo, Azevedo registrou que foi leal ao chefe do Executivo todo o tempo e que sempre preservou as “Forças Armadas como instituições de Estado".

Interlocutores do ex-ministro afirmam que ele não vai se manifestar por enquanto sobre o convite de Paes, nem sobre outras sondagens que também recebeu. Pelo menos até o fim da quarentena, em setembro, Azevedo continuará submerso.

O aviso de pauta divulgado ontem pela Marinha informa que a Operação Formosa, que acontecerá somente em 16 de agosto, envolverá mais de 2.500 militares, da Marinha, do Exército e da Força Aérea, que simularão uma operação anfíbia, considerada a mais complexa das ações militares.

O treinamento envolverá aeronaves, carros de combate, veículos blindados e anfíbios, de artilharia e lançadores de mísseis e foguetes. Foram transportadas 1.500 toneladas de equipamentos do Rio de Janeiro para Formosa.

A Marinha informa que a Operação Formosa ocorre desde 1988, mas é a primeira vez que os tanques esticarão a rota até Brasília. A justificativa é a entrega de um convite ao presidente Bolsonaro, que poderia ser levado em mãos pelo ministro da Defesa.

A imagem dos tanques contornando as torres do Congresso, fora das atividades do 7 de setembro, induz uma viagem ao passado.

Em 1º de abril de 1964, Carlos Drummond de Andrade armou-se de um guarda-chuva do tamanho de uma barraca de praia para escoltar Carlos Heitor Cony, recém operado de uma apendicite, até a orla para testemunharem a ocupação do Forte de Copacabana pelas tropas do general Olympio Mourão Filho.

Para impedir que tropas ainda leais ao presidente João Goulart tentassem retomar o Forte, soldados do general Mourão armaram barricadas com sacos de areia do Posto 6 de Copacabana, e paralelepípedos da calçada da Avenida Atlântica, embalados pelo hino nacional, em coro dos moradores da Atlântica, aliviados com a expulsão dos “comunistas”.

Bolsonaro não tem a unanimidade da cúpula das Forças Armadas para eventual ruptura ou atentado ao pleito do ano que vem. Mas tem ao seu lado oficiais que lhe são leais e respeitam a hierarquia militar: Bolsonaro é o comandante-em-chefe das Forças e suas ordens são cumpridas.

Braga Netto já registrou seu compromisso com a bandeira presidencial. “A discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima, defendida pelo Governo Federal, e está sendo analisada pelo Parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema”, disse, em nota. Tempos estranhos.

 

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