O Estado de S. Paulo
O governo apresentou o novo Bolsa Família. Há dez anos, o
presidente o chamava de “fábrica de ruminantes”. Mas o nome escolhido agora foi
Auxílio Brasil, na esteira do auxílio emergencial.
Entre as mudanças, há algumas boas, outras ruins, mas o seu principal problema
não é de desenho. É de dinheiro.
Para começar, não é possível cravar quanto
vai custar, porque a medida provisória apresentada pelo governo não apresenta
nenhum valor. Nem dos benefícios, nem do limite de renda para acesso. Quem terá
direito? Quanto vai receber? É um retrocesso, porque hoje a lei prevê
parâmetros.
Um simples decreto do Executivo poderia fazer o que
quiser com o programa depois das eleições.
Ainda assim, há um número que já foi reiteradamente aventado publicamente: o de R$ 50 bilhões. Este seria o orçamento anual do novo Bolsa Família. É um avanço importante em relação aos R$ 30 bilhões de um ano típico. Se for permanente, na prática o Bolsa Família estaria ganhando R$ 20 bilhões.
Podemos fazer mais. Não é difícil perceber
que o Bolsa Família é o troco do Orçamento público e que o aumento não
provocará efeitos tão relevantes sobre a pobreza ou a popularidade do governo.
Compare com o auxílio emergencial, que no início da pandemia distribuía
mensalmente quase R$ 45 bilhões por mês: o Auxílio Brasil na versão anunciada
pagará R$ 4 bilhões mensais. O Auxílio Brasil será um décimo do que o auxílio
emergencial já foi.
O ganho de R$ 20 bilhões no orçamento do
programa pode ser comparado também com as perdas esperadas com a reforma
do Imposto de Renda.
Entre a tributação de lucros e dividendos e a redução da alíquota do Imposto de Renda de pessoas
jurídicas, a Receita perderia R$ 30 bilhões
por ano nas estimativas de Sérgio Gobetti, um custo bem maior para a União. O
aumento no Bolsa Lucro será maior que o aumento no Bolsa Família.
Em excelente estudo publicado em maio, os
pesquisadores Luis Henrique Paiva, Letícia Bartholo, Pedro Souza e Rodrigo
Orair simularam os efeitos de várias possíveis mudanças no Bolsa Família.
Mostra que só conseguiremos avançar mais na redução da extrema pobreza, da
pobreza e da desigualdade com orçamentos maiores – de R$ 120 bilhões ou R$ 180
bilhões por ano.
Se os números parecem extravagantes, vale
comparar o quanto outros países emergentes e desenvolvidos gastam com
benefícios semelhantes. De fato, é corriqueiro despesas da ordem de 1% do PIB,
às vezes superando 2% do PIB – em países com demografia mais velha. É que, além
dos resultados políticos, resultados para o bem-estar e para a economia são
muito mais certos do que com outras políticas.
Já em relação ao desenho do Auxílio Brasil,
há inovações que não fazem sentido (crédito consignado) e o que pode não dar
resultado (benefícios com lógica de mérito).
Há também o que, de fato, é comum na
experiência internacional. Haverá um benefício especial para crianças na
primeira infância, período extremamente sensível do desenvolvimento humano:
separação assim é encontrada nos programas de Austrália, Canadá, Estônia, Finlândia, França, Nova Zelândia e Japão. Há um benefício para quem
precisa pagar por creches, que pode ser efetivo em centros urbanos e é
encontrado nas experiências de Coreia, Eslováquia, França, Itália, México e Noruega.
Mas carências importantes não são
resolvidas: não há previsão de reajustes dos benefícios ou linhas de acesso
pela inflação, nem a garantia de que todas as famílias que tiverem direito
receberão o benefício – filas poderiam continuar existindo.
Outros caminhos consagrados em países
da OCDE,
grupo a que o Brasil pretende ingressar, são a universalização dos benefícios
infantis e pagamentos maiores para famílias chefiadas por mães-solo (como no
auxílio emergencial e nos casos de Austrália, Eslovênia, Finlândia,
França, Holanda, Israel, Noruega, Nova Zelândia, Polônia e Suécia).
A referência mais tempestiva são os EUA, que colocaram no centro dos esforços de recuperação econômica o Plano para as Famílias Americanas. Foi assim justificado por Biden: “É o investimento que precisamos para vencer a competição – a competição com outras nações pelo futuro. Porque estamos em uma corrida. Nós estamos em uma corrida”.
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