O Globo
O mundo acordou ontem com o mais assustador
e convincente relatório da ONU sobre mudanças climáticas. O que os cientistas
nos dizem é que estamos em emergência. O governo brasileiro, contudo, editou um
novo programa de estímulo ao carvão. O temor da variante Delta está alterando
planos de retomada nas empresas e nos países, o presidente Bolsonaro espera
blindados chegarem a Brasília, enquanto a Câmara põe em votação o projeto de
voltar ao tempo do voto impresso.
O sexto relatório do IPCC traz péssimas
notícias para o Brasil. Tudo piorou desde o último documento há sete anos. O
país está ainda mais vulnerável. O Nordeste tem áreas que podem virar deserto,
o Centro-Oeste terá temperaturas mais quentes. Mas o importante para o governo
é que os blindados da Marinha do Brasil vão rondar o Congresso Nacional e, com
efetivos também do Exército e da Aeronáutica, vão entregar um convite a
Bolsonaro.
Hoje, além da PEC do voto impresso, a Câmara pretende colocar em votação o projeto da reforma do Imposto de Renda. A reforma do IR está sendo feita na correria só para que a área econômica diga que está fazendo algo. O projeto foi divulgado antes de ser formulado. Tanto que o substitutivo mudou duas vezes em uma semana e agora será votado sem que seja entendido.
O objetivo central de qualquer reforma
tributária deveria ser reduzir as distorções do país e estimular as atividades
inovadoras e de ponta. Deveria incentivar a produção sustentável, a redução de
desigualdades. Esse projeto não passa nem perto desses objetivos. É um conjunto
disforme de ideias que pode dar muito errado se for aprovado.
Ontem de manhã o presidente foi em comitiva
para o Congresso e entregou uma proposta para mudar o Bolsa Família e outra
para adiar o pagamento dos precatórios. Ou seja, propõe uma pedalada à luz do
dia. O governo quer deixar de pagar uma dívida e transformar isso em receita
para financiar um programa, cuja qualidade nem o presidente nem o ministro da
Economia jamais entenderam. Eles eram inimigos do Bolsa Família e agora querem
usá-lo, com outro nome, nos palanques.
As cenas ontem eram de um país fora do eixo
e um governo na contramão do mundo. Epidemia e mudança climática são a
prioridade de qualquer governo decente. No Brasil, o governo enche a pauta da
Câmara com projetos mal formulados ou que produzam retrocessos. A área
ambiental tem sofrido com os PLs destruidores do patrimônio natural do Brasil.
Na área eleitoral, a urna eletrônica é usada como pretexto para o presidente
atacar a democracia.
Entrevistei o ex-ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Carlos Ayres Britto. Ele explicou que o presidente Bolsonaro
deveria sim estar respondendo a um processo de impeachment. Explicou que a
legitimidade do voto se realiza na investidura na presidência. Mas há também a
legitimidade no exercício do cargo, que se dá pelo respeito à Constituição.
“Ele governa de costas para a Constituição”. Ayres Britto disse que a urna
eletrônica garante o sigilo do voto. “A impressão escancara o desrespeito a
esse sigilo.”
O IPCC mobiliza 800 cientistas do mundo.
Deles, 20 são brasileiros. Nesse relatório, dos cinco cenários, só um dá chance
de que se alcance as metas do Acordo de Paris e os cientistas concluem que a
ação humana é inequivocamente a causa do aquecimento global. “Foi pregado o
último prego no caixão dos negacionistas”, disse o Observatório do Clima. O que
os países farão com esse documento, destinado aos tomadores de decisão, é
elevar a ambição dos seus compromissos nacionais. Bolsonaro piora as metas já
ofertadas, estimula o desmatamento, acelera em marcha à ré e na contramão.
Que cena podemos ver no Brasil? A de um
governo que nega a ciência na pandemia, nega a ciência do clima, nega o projeto
nacional de desenvolvimento sustentável, retrocede na tecnologia do voto,
promove um desfile militar sem cabimento. Quem é Bolsonaro, senhores generais,
brigadeiros e almirantes? Um mau militar que teve que dar baixa por seu péssimo
desempenho e agora provoca, com a ajuda dos senhores, o maior desgaste já
sofrido pelas Forças Armadas.
Neste momento o governo Bolsonaro está
matando o futuro com sua política ambiental insensata, seu ódio à ciência, sua
visão do século passado da questão militar. O que cabe perguntar é: quem são os
cúmplices dessa morte do futuro?
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