O Globo
O desprezo silencioso de Luís Roberto
Barroso, recusando-se a bater boca com desafetos (“meu universo vai bem além do
cercadinho”), agravou a obsessão paranoica do presidente em relação ao ministro
do STF. Na sexta-feira passada, em evento público em Joinville, Bolsonaro,
transtornado, chegou a xingar a mãe de Barroso. Mesmo considerando que ele
sofre de incontinência verbal, foi preciso ver o vídeo, depois apagado, para
acreditar. O motivo da ofensa era fútil: a defesa que o ofendido faz do voto
eletrônico, que há 26 anos vem sendo adotado no Brasil e graças ao qual foram
eleitos todos os presidentes desse período, inclusive o atual.
Há meses, Bolsonaro está possuído por uma “ideia fixa”, transtorno mental que é verbete nos dicionários de psicologia e psicanálise. No de Álvaro Cabral, é descrita como aquela que “se sustenta com pertinácia, apesar de provas suficientes para convencer qualquer pessoa normal sobre a sua inconsistência”. Vale tudo na campanha que Bolsonaro vem fazendo para desenterrar o voto impresso, que pode favorecer o voto de cabresto.
São muitas mentiras e distorções, mas não
há lugar para lembranças incômodas como a de que, em 1993, quando deputado
federal, denunciou fraudes em voto impresso e defendeu apuração eletrônica.
Agora derrotada por 23 a 11 na Comissão Especial, sua proposta vai ao plenário,
numa manobra do presidente da Câmara, Arthur Lira, aliado de Bolsonaro. A
previsão é que terá o mesmo fim.
Agosto, um tradicional mês aziago na
política desde que Getúlio Vargas suicidou-se em 1954 e Jânio Quadros renunciou
em 1961, tem mantido a má fama em relação a Bolsonaro. Uma das primeiras
notícias que ele recebeu foi que era acusado de praticar “possíveis 11 crimes”,
inclusive subversão da ordem pública, tornando-se investigado em inquérito que
pode torná-lo inelegível. A decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes
atendeu a pedido unânime de ministros do Tribunal Superior Eleitoral, que
levaram em conta as insistentes acusações do presidente, sem quaisquer provas,
às urnas e ao sistema eleitoral. Acrescente-se a isso o impacto no início do
mês do vexame da famosa live do final de julho, em que, depois de prometer uma
bomba, teve de admitir não ter prova contra a urna eletrônica.
Porém nada o afastou de sua obsessão. Nem a pandemia, a que nunca deu muita importância, apesar do extermínio de mais de 560 mil pessoas. Nem a Olimpíada de Tóquio, em que o Brasil realizou sua melhor campanha da História. Ela emocionou o país, levando-o a dormir mais tarde. Não acredito que o presidente tenha se empolgado a ponto de perder noites de sono para acompanhar esses Jogos Olímpicos, exaltados como da inclusão e da diversidade, em que as mulheres foram as principais vitoriosas. Tudo indica que só a doentia preocupação com o voto eletrônico tira o sono do presidente.
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