O Estado de S. Paulo
Partiu de Brasília, na sexta-feira, a ordem para botar os tanques na rua antes do fim do voto impresso
A ordem para a Marinha desviar seus tanques
e lançadores de mísseis para um desfile no centro da capital da República,
hoje, horas antes da votação do voto impresso, partiu do Palácio do Planalto e
do Ministério da Defesa – e, ao contrário da versão oficial, foi dada na
sexta-feira passada. Foi uma ordem política, com relação de causa e efeito com
a iminência da derrota do presidente Jair Bolsonaro no plenário da Câmara.
Na sexta-feira, enquanto o presidente da
Câmara, Arthur Lira, desconsiderava a derrota do voto impresso na Comissão
Especial e jogava a decisão para o plenário nesta terça-feira, o presidente e o
ministro da Defesa, general Braga Netto, determinavam a mudança do roteiro
anual do comboio da Marinha para os tanques desfilarem no centro de Brasília
antes da votação que Bolsonaro considera de vida ou morte: “Ou fazemos eleição
‘limpa’, ou não teremos eleição”.
A previsão é de que o comboio atravesse a Esplanada dos Ministérios, contorne o Congresso, passe em frente ao Supremo e vá até o Planalto para entregar ao presidente Bolsonaro e ao ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, o convite do maior exercício militar da Marinha, a Operação Formosa, no dia 16. Os tanques e lançadores de mísseis, portanto, ficarão em frente ao... Supremo, do outro lado da Praça dos Três Poderes.
A conclusão de políticos e militares em Brasília é que, em vez de bolsonaristas de capuzes e tochas nas mãos, jogando fogos de artifício sobre o STF em junho de 2020, o Brasil pode assistir a tanques das Forças Armadas intimidando o guardião da Constituição. O próprio Arthur Lira tomou satisfação do presidente.
Militares discutiam também quem entregaria
o convite ao presidente e ao ministro. O comandante do Batalhão, um capitão de
fragata? Não faz sentido um oficial de patente média se dirigir às maiores
autoridades do País. Então, o próprio comandante da Marinha, almirante de
esquadra? Ele estaria no comboio? Dentro de um tanque? Com a reação, a entrega
virou “simbólica”.
A Operação Formosa é o maior treinamento da
Marinha e ocorre todos os anos, no município com esse nome, em Goiás, desde
1988. Nunca antes, Exército e Aeronáutica participaram, muito menos os tanques
de guerra, que saem do Rio rumo a Goiás, desfilaram pelo centro político da
capital da República. Só agora, nessa tensão institucional?
Em 23 de abril de 1984, dois dias antes da
votação das “Diretas-já” no Congresso, o comandante militar do Planalto,
general Newton Cruz, protagonizou um espetáculo grotesco: num cavalo branco, à
frente de tanques e soldados, saiu pela Esplanada dos Ministérios chicoteando
carros de quem pedia o fim da ditadura militar. Não demonstrou força, não
amedrontou ninguém, só fez um papel ridículo. E desmoralizou de vez o governo
João Figueiredo.
O pretexto do general Nini foi o aniversário
do Comando Militar do Planalto. Hoje, 26 anos depois, o pretexto para botar os
tanques na Praça dos Três Poderes, exatamente no dia da votação na Câmara, é o
treinamento anual. Ninguém acredita em coincidências, com o presidente
manipulando as Forças Armadas e atacando o Supremo, o TSE e as eleições.
Oficiais das três Forças, principalmente
almirantes, estão morrendo de vergonha. Se a intenção é, como naquele 23 de
abril de 1984, demonstrar força e amedrontar o Judiciário, o Legislativo e a
sociedade civil, vai ser um tiro n’água, um novo ridículo histórico, com um
presidente tão absurdo quanto Figueiredo, mas mais ameaçador. O pior, porém, é
a submissão das Forças Armadas às pirraças infantis e irresponsáveis de
Bolsonaro.
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