O Globo
Senhor
dos apertos sobre o botão amarelo, instrumento para a falsa equivalência que
distribui em pesos iguais os ataques autocráticos permanentes de um e as parcas
reações institucionais de outros, Arthur Lira faz discurso de chefe de poder
moderador da República (cargo pelo qual terá de competir com Braga Netto e a
leitura demolidora que generais fazem da Constituição), mas sua intenção é
defender o equilíbrio republicano.
Passa
o trator no Parlamento, esvazia ferramentas regimentais de mobilização das
minorias legislativas, mas sua intenção é ouvir a Câmara, “a casa mais
democrática, onde o voto livre reverbera sempre a vontade popular” — diz aquele
que instituiu a blitz como modo de impor pautas, o parecer divulgado na calada
da noite e a ser votado no dia seguinte, a toque de caixa. A própria abolição
do debate — o debate, a própria essência da democracia representativa. É contra
o que investe o atropelador Lira — contra a natureza do Poder que comanda.
Lira é transparente. Um devastador transparente (aqui também contemplado o abraço que a agenda legislativa tem dado nos interesses da grilagem). O presidente da Câmara nos informa que a sociedade entre bolsonarismo — para além do governo militar de Bolsonaro — e Centrão extrapola a objetividade da parceria eleitoral por 2022. A sociedade abrange também a linguagem. Uma sociedade baseada igualmente na corrosão da República. Lira é um dilapidador por dentro.
A
ver o caso do distritão. Um modelo destrutor dos pilares da democracia
representativa, que elege absolutamente os mais votados — em desprezo aos votos
dados àqueles não eleitos e aos partidos. Um modelo que transforma a eleição ao
Parlamento em majoritária — paraíso para o triunfo da força econômica, até
mesmo do crime organizado, e para a permanência de quem está no poder. Um
modelo que cultua o personalismo — a doença que resulta em populistas
autoritários como Bolsonaro. Aliás, como Bolsonaro no curso de sua vida pública,
para quem partido sempre foi mera exigência formal para ter mandatos, o
distritão de Lira mina a lógica da organização partidária de ideias. Lira é um
dilapidador, como seu sócio Bolsonaro.
(Quem
se vira para pagar a conta desse arranjo o faz dilapidando; uma sociedade
calcada na violação do teto de gastos. Paulo Guedes, o caloteiro, aquele
liberal que quer tirar do credor, não raro governadores adversários do mito,
para bancar a reeleição do chefe, é um dilapidador, investindo — sob a mesma
lógica de Bolsonaro contra o sistema eleitoral — em desacreditar, desde dentro,
órgãos do seu ministério, como o IBGE. É perverso. Ou haverá outra maneira de
classificar o ato de um ministro — aquele que raspou o orçamento do instituto
para a realização do censo — que semeia a descrença na cultura da pesquisa?)
Bolsonaro
é um presidente da República que investe — sem cessar — contra a República.
Contra o sistema por meio do qual se elegeu. Não está sequer minimamente
preocupado com a forma como serão contados os votos. A carga pelo voto impresso
serve-lhe somente de escada influente para atacar a confiança nos fundamentos
da democracia liberal. Fará seu movimento — acusando fraude no processo —,
ainda que consiga apurar urnas no espaço gourmet da mansão do senador Flávio.
É
um destruidor, agente reacionário que se alimenta dos confrontos que forja
artificialmente, mas a cujos assaltos, segundo o líder do governo na Câmara,
Ricardo Barros, precisamos nos acostumar. Barros, também sócio, é um
dilapidador. Se o golpismo húngaro de Bolsonaro não atrapalha os negócios, que
a República se ajuste. Terá o amortecedor Ciro Nogueira a ajudar; aquele para
quem “a política muitas vezes provoca choques, tremores e abalos”. A política?
Provoca? Provoca choques? Não. Bolsonaro provoca — e deliberadamente. A
política contempla negociação, dissenso, acordo — abarca conflitos. É um meio.
Não um agente. (A política não coloca a mãe como suplente no Senado.) Mas a
forma genérica — covarde — como o ora ministro responsabiliza a atividade política
(pelo que são atos de Bolsonaro) está na origem da infecção que a criminalizou
e que concorreu para a eleição de seu atual chefe. E que concorre para a
reeleição.
Vejamos.
Lira, sócio de Ciro, todos sócios de Bolsonaro, plantou — a respeito do voto
impresso — que sua estratégia é enterrar o assunto com a rejeição da emenda
pelo plenário da Câmara. Uma equação que não fecha. O presidente não moderará.
E continuará a agredir, qualquer que seja a decisão do Parlamento. De modo que
o que Lira faz — desqualificando a instância da Comissão Especial — é sustentar
palanque institucional para que Bolsonaro prolongue e amplie a sopração de seu
apito; é legitimar a mensagem conspiracionista do presidente.
Ah!
Mas Lira falou com Bolsonaro e lhe disse que, se a PEC for rejeitada, não
aceitará ruptura institucional — com o que se teria comprometido o presidente.
Ok. Convém, entretanto, questionar o que será ruptura institucional para essa
galera. Porque o homem está barbarizando, afirmando que não haverá eleição se
não for do seu jeito. E Lira topa; talvez porque a fim de enfraquecer a Justiça
Eleitoral, enquanto lhe arma reforma supressora de prerrogativas. Sócios.
Lira
plantou também que, se Bolsonaro não cumprir a palavra, perderá o aliado; sendo
o caso de perguntar no que isso consistiria. Devolverá cargos? Abrirá mão de
gerir destinos do orçamento secreto? Pautará o impeachment?
Podem fazer desfilar os tanques velhos pela esplanada. Tudo certo. Sócios e dilapidadores.
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