O Globo
A radicalização de Bolsonaro não está
condicionada ao tamanho das manifestações. Serão grandes, representativas de
sua base social sectária. Ainda, porém, que reunisse apenas os fantasmas
pendurados em gabinetes da família, ali estaria — não mais que cem peculatos —
o povo; o povo que o autoriza a radicalizar.
Radicalizará sempre. Bolsonaro é o dono
deste 7 de Setembro. Tem orientado a agenda do governo à insuflação dos atos, a
que convoca explicando a tendência à ruptura. Continuará amanhã.
Sei que há um déficit de valores
democráticos nos setores produtivo e financeiro brasileiros, mas — que se pense
no business — não há meios de a atividade econômica prosperar sob um
presidente cuja geração de instabilidades abarca a alternativa ruptura. A não
ser que se seja um Ciro Nogueira, ou que se tenha a estabilidade de um general
Ramos, um ambiente nocivo aos negócios.
Falemos de linguagem. A violência — substrato do golpismo — está implantada. Pode ser física. Cedo ou tarde será. Pode dar em barbárie hoje. Ou amanhã. Certamente em 2022. Falamos de linguagem. A violência é formal. E vai normalizada — no corpo da incitação ao choque — como ferramenta de campanha eleitoral. Claro que sangraremos. O golpismo de Bolsonaro é como pede votos.
A radicalização é tudo o que tem para
existir competitivamente. De modo que radicalizará. Ponto. Essa é premissa
fundamental, da qual se desdobra o que deveria ser obviedade: ele não modera, o
que equivaleria a sua inexistência.
Ele ataca. Ataca o Supremo. Atacará. Não
deveria haver surpresas. Mas o que fez o STF, talvez para soprar as mordidas de
Alexandre de Moraes? Com Luiz Fux à frente, mobilizando TCU e CNJ, meteu-se no
terreno legislativo para propor solução ao imbróglio dos precatórios. Uma solução
que daria o presente — o espaço fiscal — de que a gastança pela reeleição de
Bolsonaro precisará e que Guedes não soubera empacotar. Aí, oh!, o presidente —
como se novidade — dispara ultimato contra o STF, que reage, tal qual um
partido de Valdemar da Costa Neto, ameaçando encerrar as negociações.
A Corte constitucional não é um partido.
Não negocia nem brinca de policial mau/bom. E não faz chantagem. Violar
prerrogativa do Parlamento, formular saída que assegure a fartura eleitoral e
depois condicionar o puxadinho inconstitucional a uma baixada de bola daquele
que nunca parará. É inadmissível que o Supremo se coloque numa posição em que,
pautado pelo 7 de Setembro, conjugue a linguagem bolsonarista.
Falamos de linguagem. Né? A do bolsonarismo
se infiltra para minar. Processo de longo prazo. Que, parece, resulta.
Considero um equívoco analisar os atos
desta terça sob a expectativa da materialização de um golpe; uma ruptura que
fundaria a ditadura. Não digo que não se quisesse tomar o STF e fechar o
Congresso. Mas o mundo real se impõe. E isso não é — por absoluta falta de
instrumentos — possibilidade agora. Há uma armadilha posta para os democratas,
contudo: esperar um golpe, o gesto rompedor objetivo, que não virá, e então,
ante a frustração da perspectiva, não ocorrido o impossível, avaliar que as manifestações
fracassaram.
Manifestações assim não fracassam. São
manipuladas. Não fracassam também porque contínuas, obras de discurso, para
acúmulo narrativo, difundindo medo e pautando, definindo, covardes. O 7 de
Setembro é permanente. Tratamos de uma mentalidade totalitária. Não importa
quanta gente haja nos atos — repito: será o povo, o soberano, o poder
moderador, a quem o líder populista se entrega em nome de um desejo que ele, o
autocrata, atribui ao rebanho. Falamos de um universo à parte, cuja conta Fux —
presidente do Poder contra o qual se gostaria de acionar a leitura doente do
artigo 142 da Constituição — esforça-se para pagar.
O golpismo bolsonarista é permanente. É um
estado. Regime por meio do qual — sob pregação constante antissistema — alimentam-se
radicalizados. Regime que — sob pregação antissistema constante — é blindado,
no entanto, pelo sistema, por Aras e Lira. Um lento cozimento de crentes num
mundo paralelo — daí por que Bolsonaro não quer os sócios do Centrão nos
palanques, expressões que são da realidade — e que produzem um gradual
esfacelamento da fibra republicana. Tem a ver mais com a dilapidação
progressiva das instituições, que não atrapalha o PP, do que com um golpe
conforme estabelecido no século XX. O populismo autoritário tem outra natureza
— a que articula arrebanhar ressentidos/oportunistas e corroer a musculatura da
democracia liberal.
Falamos de linguagem. O 7 de Setembro
factual, o de hoje, como composição — elemento — do 7 de Setembro permanente. O
país ora paralisado em função de um horizonte que só chega até esta terça, como
se daqui fosse haver um desenlace. Não. O que será do amanhã? Nada. Como será o
8 de setembro? Igual. Um novo 7 de Setembro. E também o dia 9. E o 10... Este é
o norte de Bolsonaro — e do governo — até a eleição de 2022: sustentar
artificialmente o 7 de Setembro. A agenda do Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário