EDITORIAIS
Os pressupostos da independência
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro tenta usar o 7 de Setembro para acirrar tensões e conflitos entre os Poderes, um comportamento ilegal e imoral
Hoje se comemora a Independência do Brasil.
Trata-se de marco cívico importante, que registra o momento em que o País
obteve sua soberania como Nação. Mais do que simplesmente recordar um
acontecimento do passado, o feriado de 7 de Setembro é oportunidade de refletir
sobre os pressupostos e as condições para manter e fortalecer a independência
conquistada há exatos 199 anos.
A tarefa de reflexão é especialmente
necessária neste ano. Sob o pretexto de mobilizar sua base de apoio, o
presidente Jair Bolsonaro vem tentando, nas últimas semanas, utilizar o 7 de
Setembro não apenas para acirrar tensões e conflitos entre os Poderes, mas para
atribuir uma conotação de ruptura institucional. Além de irresponsável, esse
comportamento é ilegal e imoral. No dia 1.º de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro
jurou cumprir e defender a Constituição.
A situação exige atenção. Deve-se
reconhecer, no entanto, que, no mesmo período em que o bolsonarismo promoveu
sua escalada de ameaças, houve abundantes respostas de maturidade e responsabilidade,
advindas dos mais variados âmbitos. “A democracia não pode ser ameaçada; antes,
deve ser fortalecida e aperfeiçoada”, lembrou um manifesto de empresários
mineiros.
Este talvez seja um dos principais pontos de reflexão a respeito da independência do Brasil. Não há autonomia, não há liberdade, sem responsabilidade. Nenhum desses elementos – a anarquia, o caos, o medo, a afronta, a desordem ou a violência – é capaz de gerar desenvolvimento social ou econômico. Nenhum deles promove soberania. Nenhum deles fortalece o princípio constitucional de que “todo o poder emana do povo”. Ao contrário, a bagunça e a confusão favorecem os liberticidas e usurpadores do poder.
O caminho para o fortalecimento da
independência não é, portanto, o do confronto ou o da paralisia das
instituições democráticas. Como lembrou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(DEM-MG), a responsabilidade exige a “construção de um ambiente de estabilidade
política”.
De forma muito especial, a defesa da
independência inclui também a convivência pacífica. “Num ambiente democrático,
manifestações públicas são pacíficas; por sua vez, a liberdade de expressão não
comporta violências e ameaças. O exercício de nossa cidadania pressupõe
respeito à integridade das instituições democráticas e de seus membros”, disse
o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, na semana passada.
A esse respeito, vale lembrar o alerta
feito pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), um dos
principais aliados de Jair Bolsonaro no momento. “O presidente (Bolsonaro) sabe da responsabilidade
dele com relação a isso (eventual
agressão às instituições) e sabe que é o único a perder se por
acaso houver tumulto na manifestação”, disse Arthur Lira na quinta-feira
passada.
Mais do que um recado circunstancial, o
alerta sobre a responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro – que também pode
ser estendido para cada autoridade, em suas respectivas atribuições – é de
fundamental importância para a maturidade institucional do País. A
independência não é conceito abstrato ou mera categoria jurídica. É, deve ser,
uma realidade construída todos os dias, a partir do exercício responsável do
poder, que num Estado Democrático de Direito é sempre limitado pela lei e
sujeito a uma série de controles independentes entre si.
“Seja nos momentos de tormenta, seja nos
momentos de calmaria, o bem do País se garante com o estrito cumprimento da
Constituição”, disse Luiz Fux, no dia 2. O caminho de independência e liberdade
passa necessariamente pelo respeito à Carta de 1988, que lista, entre os
fundamentos da República, a soberania, a cidadania e o pluralismo político.
Os adversários políticos não são inimigos a
serem abatidos. As instituições democráticas não são obstáculos a serem
removidos. Os limites constitucionais de cada Poder não são empecilhos a serem
eliminados. Na verdade, os três elementos são a garantia da vigência de um
regime de liberdade e de independência.
A Anvisa, o futebol e a lei
O Estado de S. Paulo
O futebol se sujeita às leis, não é universo à parte, regido por normas e costumes próprios
Ao interromper a partida de futebol entre
Brasil e Argentina no domingo passado, válida pelas Eliminatórias da Copa do
Mundo de 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) transmitiu
três potentes mensagens. Primeiro, há leis no País e elas devem ser cumpridas,
seja por nacionais, seja por estrangeiros. Segundo, o futebol não é um universo
à parte, como se fosse regido por normas e costumes próprios, consubstanciados
pela suposta soberania das emoções que provoca nas multidões – e das cifras bilionárias
que movimenta. O futebol está tão sujeito ao ordenamento jurídico pátrio como
estão outras atividades esportivas, econômicas e culturais. Por fim, mas não
menos importante, ao impedir a realização do grande clássico sul-americano a
Anvisa fez lembrar que a pandemia de covid-19 ainda não acabou, ao contrário do
que muitos querem crer, e uma variante do coronavírus mais contagiosa, a
variante Delta, circula entre nós e precisa ser contida.
Com cerca de cinco minutos de jogo,
servidores da Anvisa, acompanhados por agentes da Polícia Federal (PF),
entraram em campo para interromper a partida porque quatro jogadores da
Argentina nem sequer deveriam estar no estádio do Corinthians, em Itaquera, quanto
menos em campo. Os quatro atletas – Emiliano Martinez, Emiliano Buendía,
Giovani Lo Celso e Cristian Romero – deveriam estar resguardados em quarentena.
Eles entraram no Brasil a partir do Reino Unido e, desde junho passado,
passageiros que chegam ao País oriundos do Reino Unido, da África do Sul, da
Irlanda do Norte e da Índia devem obedecer à quarentena de 14 dias para evitar
a disseminação das variantes do coronavírus identificadas nestes países,
sobretudo a Delta.
É o que determina a Portaria n.º 655,
coassinada pelos ministros da Casa Civil, da Justiça e da Segurança Pública e
da Saúde, e que faz referência à Lei n.º 13.979/2020. Os estrangeiros de
qualquer nacionalidade que chegam ao Brasil oriundos daqueles países devem ter
a entrada “restringida” de forma “excepcional e temporária”, considerando o
“impacto epidemiológico” das variantes do coronavírus identificadas no Reino
Unido, na Irlanda do Norte, na África do Sul e na Índia. Os viajantes devem
realizar testes RT-PCR com 72 horas de antecedência ao embarque e, uma vez
admitidos no País, têm de respeitar a quarentena de 14 dias. Embora a Portaria
n.º 655 se aplique exclusivamente aos estrangeiros, a entrada de brasileiros
que partem daquele grupo de países também é regulamentada por outras normas da
Anvisa, que impõem aos nacionais, basicamente, as mesmas restrições sanitárias.
Não obstante o acerto do poder público ao
interromper a partida após tentativas frustradas de evitar que os jogadores da
Argentina deixassem o vestiário, é evidente que houve erros até o desfecho mais
dramático. Os quatro jogadores argentinos não deveriam ter entrado no País da
forma como entraram. Suspeita-se que eles preencheram um documento afirmando
que não provinham dos países sobre os quais pesam as restrições sanitárias, o
que, em tese, configura crime de falsidade. Mas, certamente, há os registros de
origem nos seus passaportes. Como a PF não verificou esta informação com mais
cuidado no controle alfandegário? Como os deixou entrar no País 48 horas antes
da partida, tempo mais que suficiente para, caso contaminados, infectarem
outras pessoas?
Da Anvisa, espera-se o mesmo rigor na
aplicação das normas sanitárias em outras situações que não tenham a mesma
visibilidade gerada por uma partida de futebol da importância de um jogo Brasil
x Argentina. Sob a ameaça de um vírus mortal, ainda não debelada, o controle
sanitário deve ser rigoroso em quaisquer circunstâncias.
Por fim, as entidades privadas responsáveis
pela partida – Fifa, CBF e Conmebol – não podem simplesmente alegar que
desconheciam a situação irregular dos atletas argentinos. Ao que parece,
deixaram a bola correr porque acreditaram na força simbólica do futebol e no
sucesso de eventuais arranjos de bastidor nas esferas de poder, que, em boa
hora, não prosperaram, para triunfo da lei.
Um país violento
O Estado de S. Paulo
‘Atlas da Violência’ revela a grande distância que separa o Brasil dos países civilizados
O Atlas
da Violência 2021, estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que o
Brasil ainda é um país muito perigoso no que concerne às mortes violentas. Em
2019, ano-base do estudo publicado na terça-feira passada, houve 45.503
homicídios no País, o que representa uma taxa de 21,7 assassinatos por cada
grupo de 100 mil habitantes.
O resultado representa um recuo de 21,4% em
relação às 57.956 vítimas de assassinato registradas no ano anterior. No
entanto, os pesquisadores responsáveis pelo estudo alertam para a queda da
qualidade da base de dados que o consubstancia a partir de 2018, ano em que
começou a ser notado um expressivo aumento de registros de mortes violentas
“com causa indeterminada”. O Atlas da Violência é baseado em dados
extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da
Saúde.
A bem da verdade, tanto o número como a
taxa de homicídios registrados desde 2009 no País têm apresentado uma tendência
de queda, com alguns picos pontuais, como em 2014, 2016 e 2017. A variação do
número e da taxa de homicídios entre 2009 e 2019 foi de -12,6% e -20,3%, respectivamente.
Porém, um país que ainda hoje perde anualmente tantos milhares de cidadãos para
a violência, sobretudo os mais jovens, não pode ser considerado um país
pacífico sob nenhuma perspectiva racional. Ainda há enormes esforços a serem
empreendidos pelo Estado e pela sociedade para que o Brasil atinja não um
patamar “aceitável” de homicídios por 100 mil habitantes, mas ao menos se
aproxime dos indicadores de violência das nações mais civilizadas.
O Atlas da Violência 2021 também
confirmou que o Brasil é um país particularmente perigoso para os negros.
Segundo o estudo, a chance de uma pessoa negra morrer assassinada no País é 2,6
vezes maior do que pessoas não negras serem vítimas de homicídio. Em 2019,
houve 29,2 assassinatos de negros para cada grupo de 100 mil habitantes. Entre
não negros, a taxa foi de 11,2 assassinatos por 100 mil habitantes.
O Atlas também revelou que a
vulnerabilidade das mulheres negras permanece praticamente estável, em patamar
muito ruim, desde 2009. Entre aquele ano e 2019, o total de mulheres negras
vítimas de homicídio cresceu 2%, passando de 2.419 vítimas em 2009 para 2.468
em 2019. Já o número de mulheres não negras assassinadas no mesmo período
despencou quase 27%, saindo de 1.636 mulheres assassinadas em 2009 para 1.196
em 2019. Ou seja, no mesmo período de 11 anos, os avanços das políticas
públicas visando à proteção das mulheres contra a violência no País se
refletiram apenas sobre a população de mulheres não negras, e de forma
substancial. Em 2019, dois terços das mulheres assassinadas no Brasil eram
negras. “Como explicar a melhoria dos índices de violência entre mulheres não
negras e o agravamento, no mesmo período, dos números de violência letal entre
mulheres negras?”, questionam os responsáveis pelo Atlas. É uma pergunta
sobre a qual a sociedade deve refletir.
De acordo com o Atlas, São Paulo é o
Estado mais seguro do País. Há 7,3 homicídios a cada grupo de 100 mil
habitantes no Estado, índice muito abaixo do indicador nacional (21,7). São
Paulo também tem os menores indicadores de violência contra as mulheres, os
negros e os jovens. Em 2019, houve 1,7 assassinato de mulheres por 100 mil
habitantes, metade do indicador nacional (3,5). A taxa de homicídio de negros
em território paulista foi de 9,1 mortos por cada 100 mil habitantes, enquanto
a média nacional ficou em 29,2 homicídios por 100 mil habitantes. Já entre os
jovens de 15 a 29 anos, a taxa paulista foi de 12,5 assassinatos por grupo de
100 mil habitantes, em face da média nacional de 45,8 assassinatos por 100 mil
habitantes. Os dados refletem ações que o governo do Estado, não de hoje, tem
tomado para coibir a violência e que, pelo que indicam os números, têm sido bem
implementadas.
Essa talvez seja a principal informação a
ser extraída do Atlas, a enorme desigualdade do País. É imperiosa a
coordenação nacional de boas políticas de segurança pública. Nesta seara, como
em muitas outras, as promessas de Jair Bolsonaro são o que sempre foram: apenas
promessas.
Bolsonaro é o perdedor
Folha de S. Paulo
Nenhuma imagem do feriado mudará o apoio da
imensa maioria do país à democracia
Paira no ar um frisson, de certa forma
compartilhado por bolsonaristas e antibolsonaristas, sobre qual será a imagem
de maior impacto no período de 7 a 12 de setembro —vale dizer, a foto com mais
manifestantes, como se isso retratasse a maioria dos brasileiros.
Trata-se de um equívoco flagrante.
A ciência da pesquisa, como no levantamento
conduzido pelo Datafolha em junho de 2020, mostra que a maioria esmagadora de
75% dos brasileiros é favorável à democracia —e que para 78% o regime militar
foi uma ditadura da qual não há saudades.
Não importa o quão fanaticamente os
bolsonaristas apoiem seu chefe e o quanto os opositores estejam menos
mobilizados ainda em respeito à crise sanitária; nada muda o fato de que Jair
Bolsonaro erra, mais uma vez, ao apoiar atos golpistas repudiados pela imensa
maioria que não irá às ruas.
Repudiados também pelos setores organizados
da sociedade que, a despeito de preferências e interesses heterogêneos,
compreendem que só o ambiente de livre manifestação do pensamento e respeito ao
Estado de Direito permite a apresentação de demandas e a busca por justiça e
prosperidade.
Tal entendimento se espelha na
representação política. Entre governadores, prefeitos e parlamentares inexiste
massa crítica a encorajar ensaios de ruptura. A sustentação fisiológica ao
governo no Congresso não faz mais do que levar adiante projetos econômicos e
evitar o impeachment.
As instituições, ainda que imperfeitas, se
encontram amadurecidas por mais de três décadas de democracia —o período mais
longo de normalidade na história republicana— e consolidação dos freios e
contrapesos a serem respeitados por todos os Poderes.
Está claro para todos que o alarido
provocado por Bolsonaro deriva de sua incapacidade de governar e da perspectiva
de ser mandado para casa pelos brasileiros em uma eleição livre e justa, como
têm sido todos os pleitos realizados no país.
O mandatário usa a data nacional para uma
demonstração de suposta força. Conta, não é novidade, com o apoio de parcela
minoritária, mas ainda expressiva, do eleitorado. Mas só aprofundará seu fracasso
ao insistir na arruaça e na truculência golpista.
Brasil, 199
Folha de S. Paulo
Em quadra pouco iluminada da história
nacional, elite precisa reagir com vigor
O Brasil completa nesta terça (7) uma
trajetória de 199 anos como país independente. Nesses quase dois séculos, uma
colônia agrícola escravocrata transformou-se em país de sociedade complexa e
economia diversificada, sem que isso fosse suficiente para sanar suas imensas
desigualdades e injustiças.
É pouco iluminado, porém, o horizonte
próximo ao bicentenário.
Perdido em um devaneio autoritário, o
Brasil tem hoje um governo que fracassa em prover a melhoria das condições de
vida para 213 milhões de habitantes. Revive fantasmas que só fazem promover
insegurança econômica e medo em toda uma geração que aprendeu a grandeza da
democracia, reconquistada com esforço.
Seria despejar demasiada expectativa na
suposta liderança em Brasília pedir que se notasse o encolhimento da
importância relativa do país, num mundo em que o centro do poder mais e mais se
desloca para a Ásia. Nem mesmo o papel de locomotiva regional cabe com nitidez
no Brasil atual.
Para uma nota mais positiva, convém evitar
o fatalismo. O país não está fadado ao sucesso, tampouco a perpetuar essa má
quadra.
Possui capital humano qualificado para superar
a tormenta. Congrega dimensões que lhe dão lugar de destaque no planeta, seja
pelo porte econômico (o oitavo maior Produto Interno Bruto pelo critério de
paridade de poder de compra), pelo físico (a quinta maior área) ou pelo
populacional (o sexto maior contingente, ainda que esse fator seja declinante,
dado que o país caminha para ficar fora do grupo dos dez mais habitados).
As aspirações de qualquer conjunto de
pessoas razoáveis passam muito longe do choque contracivilizacional ora vivido
no Brasil. Este em algum momento cessará. Infelizmente, os traumas dele
decorrentes devem se fazer notar por mais tempo, e sua cura não ocorrerá apenas
pelo passar dos anos.
Nessa reconstrução, existe um papel do qual
a elite não poderá fugir. O topo da íngreme pirâmide social brasileira apenas
recentemente começa a dar sinais, ainda desconexos, de que não está disposto a
aceitar os descalabros em curso. Será necessário fazê-lo com muito mais vigor.
Desse estamento espera-se ainda compromisso
bem mais firme com o avanço educacional e com a preservação ambiental.
Também da elite política agrupada nas
principais instituições deseja-se mais. Seu trabalho não é apenas manter
sólidos os pilares da democracia. Deveria ser mais ativa no avanço do arcabouço
legal e na diminuição de incertezas jurídicas que atrasam o país.
Decerto não é por descrença dos brasileiros
que o país chegou a esse ponto. Como detectou pesquisa do Datafolha, 90% deles
acreditam que o país é viável, e 70% dizem sentir orgulho de sua pátria. É
preciso dar materialidade a esse sentimento, e efemérides são momentos
propícios à reflexão. Que o aniversário desta construção chamada Brasil seja
útil nesse sentido.
Vexame em campo
Folha de S. Paulo
Alegações contra argentinos são graves;
ação de autoridades ainda gera dúvidas
Ainda estão por ser esclarecidas todas as
circunstâncias da vexaminosa paralisação
do jogo entre Brasil e Argentina, ocorrida no domingo (5), em São Paulo.
De certo, sabe-se que, aos 6 minutos de
jogo, agentes da Polícia Federal e da Anvisa adentraram o campo da Neo Química
Arena para retirar quatro jogadores argentinos que haviam descumprido normas
sanitárias contra a disseminação do Sars-CoV-2.
Diante da situação, a seleção visitante
optou por se retirar de campo, e o jogo, válido pelas Eliminatórias da Copa do
Mundo de 2022, terminou suspenso.
A trapalhada teve início no dia anterior.
Numa reunião entre a delegação do país vizinho e autoridades sanitárias
estaduais e federais constatou-se, segundo a Anvisa, que os jogadores Emiliano
Martínez, Buendía, Cristian Romero e Giovani Lo Celso haviam prestado
informações falsas acerca dos locais em que estiveram nos dias anteriores à
entrada no Brasil.
Os quatro teriam ocultado uma passagem pelo
Reino Unido nos últimos 14 dias. Assim, de acordo com portaria interministerial
de 23 de junho, eles só poderiam ter ingressado no Brasil com autorização
específica fornecida pelo governo brasileiro. Nesse caso, os jogadores ainda
teriam de cumprir quarentena de 14 dias.
Trata-se de atitude deplorável, e a PF já
apura um possível crime de falsidade ideológica por parte dos desportistas argentinos.
Quanto à portaria, válida também para viajantes estrangeiros oriundos de Índia,
Irlanda do Norte e África do Sul, pode-se discutir o mérito, mas o fato é que
está em vigor.
Ainda no sábado, segundo o presidente da
Anvisa, Antonio Barra Torres, o quarteto foi orientado a ficar isolado para
aguardar a deportação, mas há versões conflitantes. Seja qual for a verdade,
indubitável é que os jogadores se dirigiram ao estádio no domingo.
Cerca de três horas antes da partida, a agência sanitária divulgou nota classificando o episódio como “risco sanitário grave”, na qual afirma haver contatado a PF para que as providências fossem adotadas. Lamenta-se que isso tenha sido feito a tempo de evitar o vexame.
Senado tem de barrar a volta das coligações
O Globo
Numa amostra de 31 países, o Brasil é o segundo com maior fragmentação
partidária no Parlamento, segundo levantamento publicado ontem pelo GLOBO com
base em dados da União Interparlamentar. Nada menos do que 30 partidos elegeram
representantes para a Câmara dos Deputados brasileira em 2018, resultado que
coloca o país atrás apenas da congênere indiana, a Casa do Povo, onde 36 agremiações
obtiveram cadeiras.
Em virtude de fusões e migrações, os 30
partidos caíram para os atuais 24. Mesmo assim, muito acima da média de 11
eleitos para as Câmaras Baixas mundo afora. Metade dos países da amostra elegeu
menos de oito partidos. Foram 16 na Assembleia Nacional francesa, 13 no Knesset
israelense, dez no Parlamento britânico, nove na Assembleia da República
portuguesa, oito na Câmara de Deputados mexicana, sete no Bundestag alemão,
seis na Duma russa, cinco na Câmara dos Comuns canadense e apenas dois na
Câmara dos Representantes americana.
A profusão de partidos é uma das principais
causas de disfunção na democracia brasileira. Parcela significativa são
agremiações sem a menor consistência ideológica, transformadas em negócios
comandados por caciques a mercadejar apoio político em troca de verbas e cargos
na máquina pública. Reduzir a quantidade de partidos com representação é
fundamental para combater o fisiologismo que macula as negociações no
Congresso.
O caminho para a redução gradual começou a
ser trilhado pela minirreforma política de 2017. Em agosto, porém, a Câmara,
movida pelo interesse de pequenas legendas ameaçadas pelas novas regras que
passarão a vigorar a partir do ano que vem, deu marcha a ré nesse caminho ao
aprovar uma espécie de “contrarreforma” .
Dois dispositivos introduzidos em 2017
contribuem para reduzir a fragmentação. O primeiro é o percentual mínimo de
votos para que as legendas obtenham acesso ao fundo partidário ou a tempo de
propaganda, conhecido como “cláusula de barreira” ou “desempenho”. A reforma
estipulou que esse percentual aumentará aos poucos até 3% dos votos válidos na
eleição de 2030 (com 2% — ou, alternativamente, 15 deputados — em pelo menos um
terço das unidades federativas).
O segundo dispositivo é a proibição de
coligações partidárias em eleições proporcionais, para evitar os casos bizarros
(e comuns) em que o voto em candidatos de esquerda ajuda a eleger deputados de
direita e vice-versa. A nova regra começou a valer em 2020 e já reduziu a
fragmentação nas Câmaras municipais. O pleito de 2022 é o primeiro em que os
dois dispositivos passarão a valer simultaneamente, exercendo força depuradora
na Câmara e nas Assembleias Legislativas.
A contrarreforma aprovada em agosto tenta
ressuscitar as absurdas coligações nas eleições proporcionais. Outra
alternativa, menos escandalosa, urdida para dar sobrevida às pequenas legendas
foi a aprovação das federações partidárias, coligações mantidas também durante
a legislatura. O presidente Jair Bolsonaro afirmou que vetaria as federações.
No Senado, as coligações proporcionais enfrentam resistência. Os senadores
deveriam mesmo barrá-las. Não faz sentido qualquer mudança nas regras aprovadas
em 2017 antes de ao menos testá-las. O Brasil precisa prosseguir no caminho da
depuração partidária, que só tem a contribuir para aperfeiçoar nossa
democracia.
Casos do ‘mal da vaca louca’ provam que
país tem mantido vigilância
O Globo
O Ministério da Agricultura confirmou dois casos “atípicos” de encefalopatia
espongiforme bovina (EEB), conhecida popularmente como “mal da vaca louca”. Um
deles foi registrado num frigorífico de Mato Grosso, estado líder em abates no
Brasil, o outro em Minas Gerais. A doença, causada por um agente infeccioso
conhecido como “príon”, afeta o sistema nervoso dos animais. Um de seus tipos —
ao que tudo indica, distinto do detectado no Brasil — pode ser transmitido a
humanos e, em casos raros, causar uma variedade da doença de Creutzfeldt-Jakob,
que provoca degeneração cerebral e morte.
A EEB também recebe diferentes
classificações. Na “clássica”, a infecção se dá pela ingestão de ração feita a
partir de restos de animais contaminados, como aconteceu no Reino Unido nos
anos 80 e 90. A EEB não é contagiosa, mas, como o gado foi alimentado com
rações comprometidas, as exportações britânicas tiveram de ser banidas por
vários anos, causando danos astronômicos ao país. Milhões de cabeças de gado
foram sacrificadas.
Na forma “atípica”, como os dois casos
brasileiros, a causa é uma mutação espontânea sem relação com a dieta dos
animais. É um evento que ocorre em vários países, não é motivo para medo entre
os consumidores nem para boicote. De acordo com a Organização Mundial de Saúde
Animal (OIE), o Brasil, assim como Austrália, Estados Unidos e outros 49
países, está na lista de locais onde o risco de EEB é insignificante.
Independentemente disso, o governo acertou ao ser transparente. Em 23 anos de
vigilância contra a doença, o Brasil registrou cinco casos da EEB atípica e
nenhum da clássica.
Numa medida preventiva, as exportações para
a China foram suspensas, como prevê o protocolo sanitário entre os dois países.
As vendas deverão ser retomadas depois que os chineses se certificarem de que
não há risco de o problema ter uma extensão maior que a detectada pelas autoridades
brasileiras.
Todos os cuidados são bem-vindos. A
pecuária é uma das forças das exportações brasileiras. O país tem o maior
rebanho bovino do mundo, com 217 milhões de cabeças, mais que o dobro do
americano. Quando se examinam as exportações, o Brasil é também o primeiro, com
vendas de 2,2 milhões de toneladas em 2020, de acordo com dados da Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
A pecuária bovina teve grande peso para que
o Brasil fechasse o ano passado mantendo o segundo lugar entre os maiores
exportadores de carnes, incluindo aves e suínos, num total de US$ 15 bilhões. É
isso que está em risco quando se fala em controlar doenças como a EEB. Para que
o Brasil se mantenha no topo do ranking global, como grande fonte de carne e
gado para o mercado internacional, e para que também passe a ser um dos maiores
exportadores de material genético, é crucial manter o rebanho sob escrutínio
constante e revelar toda ocorrência, como foi feito.
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