terça-feira, 7 de setembro de 2021

Zuenir Ventura - Que a paz seja conosco

O Globo

Não faltam motivos para a preocupação com o dia de hoje. Ele foi tão politizado que o “7 de Setembro” deixou de ser o festivo ato cívico de comemoração de um de nossos maiores feitos históricos para se transformar em apoio às belicosas intenções do presidente.

Enquanto instituições da República, líderes políticos, empresários e banqueiros se uniram em favor da pacificação do tenso ambiente político, Jair Bolsonaro atiça suas milícias em sentido contrário com provocações e ameaças, como classificar as manifestações de “ultimato” a dois membros do STF.

Em vez de revidar, a Corte está respondendo com uma atuação de bastidores, dialogando com emissários do Congresso para reduzir o clima de tensão instalado. Há PMs apoiando e até pastor evangélico recorrendo ao Apocalipse, ao fim do mundo, para convocar os fiéis a comparecer aos atos bolsonaristas.

Autoridades mais precavidas se prepararam contra uma possibilidade de golpe, embora as agitações de agora não devam passar de um ensaio, não de uma tentativa, o que não impedirá o efeito demonstração, isto é, a baderna. Dos governadores, só dois autorizaram a participação de PMs — os do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul. Pelo menos oito ameaçam punir.

Bolsonaro pretende “usar da palavra na Esplanada e, logo depois, ocupar um carro de som na Paulista, onde deve ter umas 2 milhões de pessoas”. E completou: “Nunca uma oportunidade para o povo brasileiro será tão importante quanto o dia 7”, disse, sem esclarecer: “oportunidade” para quê?

A dúvida desaparece quando se recorda que há pouco, diante de uma cerimônia de entrega de medalhas a atletas olímpicos militares, ele voltou a defender que a população seja armada. “Se você quer paz, se prepare para a guerra”, repetiu uma famosa recomendação da Roma Antiga que alguém traduziu para ele: si vis pacem, para bellum.

Ele acha que entende “o que o povo está querendo”, apesar da crescente queda nas pesquisas de opinião. No Datafolha, Lula ampliou sua vantagem, com 58% contra 31%. Num segundo turno, Bolsonaro perderia ainda para Ciro Gomes e João Doria. O percentual dos que não votariam nele de “jeito nenhum” chega a 59%.

Se isso não bastasse para azedar o humor do presidente, há as novas revelações sobre o famoso escândalo das rachadinhas. Um ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro admitiu, em entrevista ao site Metrópoles, que era obrigado a devolver mais de 80% da remuneração que recebia como funcionário do gabinete do ex-deputado estadual. E que a maior parte dessa devolução era para a advogada Ana Cristina Valle, então mulher de Jair Bolsonaro. Os filhos Carlos e Jair Renan também estão sendo investigados.

A campanha de mobilização pela internet, o financiamento de ônibus transportando apoiadores a Brasília, o empenho do governo, tudo isso deve levar muita gente às manifestações. Tomara que isso funcione como calmante. Isolado e acuado, Bolsonaro parte para os desvarios. Ele deve usar as manifestações de hoje como cortina de fumaça para encobrir os problemas políticos e familiares que o atormentam.

Haja fumaça.

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