terça-feira, 7 de setembro de 2021

Míriam Leitão - Bolsonaro foge para a sua bolha

O Globo

O recado de Gilberto Kassab foi claro. Ele disse na entrevista que me concedeu ontem que o PSD pode apoiar o impeachment do presidente Bolsonaro, se ele continuar a atual escalada contra a democracia. O que leva o líder de um partido de centro a fazer tal ameaça a um presidente em momento em que ele enche as ruas de apoiadores? É que no evento que Bolsonaro convocou para hoje ele parecerá forte, porque a manifestação será grande, mas estará, na verdade, mais isolado. Bolsonaro fugiu para a sua bolha, porque a sua popularidade está em queda. “Ele não vencerá nas urnas porque está mal avaliado e está mal avaliado porque faz um mau governo”, resume Kassab.

— Não tenho o menor constrangimento de defender o impeachment, o presidente está chegando no limite com essas manifestações que atentam contra a democracia. Se ele subir mais alguns degraus, defenderei o impeachment e entendo que ele está subindo esses degraus —disse Kassab em entrevista no meu programa na Globonews.

Na semana passada, em longa conversa com um político do centro, ouvi o mesmo diagnóstico: Bolsonaro pode não chegar no segundo turno, pela má gestão da pandemia, pela crise econômica, pela queda da sua aprovação.

— Eu acho que ele não estará (no segundo turno). Comparando o resultado da eleição cidade por cidade, conversando com analistas, e eu mesmo analisando os dados, o que vejo é que ele cai a cada dia — afirmou Kassab.

Na opinião do presidente do PSD, o evento deste 7 de setembro, a maneira como foi organizado diretamente pelo presidente, decorre do seu declínio nas pesquisas. Bolsonaro radicaliza porque está acuado diante da possibilidade de perda nas urnas ou de enfrentar um processo de impeachment. O problema é que para se defender ele acabou ameaçando ainda mais a democracia. Hoje ele fará seu espetáculo, mas contraditoriamente vai se isolar um pouco mais. Até porque à mortandade na pandemia se soma agora a inflação e a crise hídrica. Ele tentará culpar governadores pelo preço da gasolina, culpará o STF pelo seu mau desempenho, procura culpado pela falta de chuvas, mas a inflação corrói renda, e o eleitor sempre conclui, com razão, que é culpa do governo. Já falei aqui do efeito bumerangue: sua histeria autoritária afeta a economia, o que agrava a crise, que tira popularidade do seu governo.

Bolsonaro ontem atacou diretamente o arcabouço legal do país ao baixar uma Medida Provisória que altera o Marco Civil da Internet, que levou sete anos sendo discutido. A MP limita o combate às fake news. O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que foi relator do marco civil, disse em entrevista a Alvaro Gribel, no meu blog, que os advogados do partido já estavam preparando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para entrar no STF. A MP é inconstitucional. Outro caminho pode ser a devolução da MP por não atender aos critérios de relevância e urgência. O doutor em Direito Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, disse que “se as redes não puderem tirar do ar spam, discurso de ódio, assédio, bullying, desinformação, elas serão só ruído e não espaço de liberdade”. Para proteger seus seguidores, fortalecer sua máquina de mentiras e estimular atos contra a democracia, Bolsonaro fez uma MP inconstitucional e arbitrária. Fechou-se mais em sua bolha.

— É lamentável. O Brasil é o único país do mundo em que o governo não dá importância aos temas mais relevantes, a pandemia e a crise econômica. O presidente só se preocupa com motociatas. Gasta energia, a equipe de governo e o custo de transporte para isso. Nas últimas semanas, concentrou-se na organização e na mobilização para esse verdadeiro comício. A democracia pressupõe manifestação, mas não é isso que ele quer. O que está por trás é uma mobilização com outros interesses, ele está ameaçando as eleições. Nunca pensei que eu estaria em 2021 discutindo a sobrevivência da democracia, por conta de uma postura totalmente equivocada de um governo. Ele questiona esta eleição porque sabe que corre sério risco — disse Kassab.

Será um triste 7 de setembro. Em vez de data nacional a ser celebrada por todos, será o dia em que Bolsonaro tentará amedrontar o país convocando os seus radicais para as ruas e usando o aparato do Estado brasileiro, inclusive policiais militares. Isso para parecer forte, quando sabe que está cada vez mais fraco.

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