O Estado de S. Paulo
Senado tende a rejeitar a PEC que reforça o
que há de mais nefasto no sistema proporcional
A essência das democracias representativas
é o sistema eleitoral, porque determina quem é cidadão e como se outorga, a seu
representante, o poder de decidir em seu nome. Também indispensável é
determinar como se dá o processo eleitoral, se em reuniões presenciais de
vizinhança ou por meio de um processo complexo, que vai do registro de
candidatos ao registro e contagem do voto.
A legislação eleitoral deveria, portanto,
ser isenta de mudanças que reflitam interesses de ocasião. O conflito entre as
prerrogativas do representante e os direitos fundamentais do eleitor é real e
deve ser contido.
O legislador exerce um poder que lhe é
outorgado pelo cidadão e, dessa forma, quanto mais autonomia obtiver para
decidir em favor de sua agenda pessoal, menor é a autonomia dos cidadãos para
implementar seus interesses e valores. Não há meio termo: tudo o que se acresce
de um lado é tirado do outro.
As revoluções liberais de meados do século
19, que conquistaram o direito de ser representado nas decisões relevantes,
proclamavam que não pode haver obrigação legal sem representação popular. As
conquistas desse período, por bem ou por mal, limitaram o arbítrio dos
detentores do poder de legislar. No Brasil, cada vez que surge um projeto de
“reforma política”, centrada em alterações no sistema eleitoral, provavelmente
os cidadãos só terão a perder, porque elas visam a restringir o direito de
aceitar ou não obrigações que lhes sejam impostas.
Culpa-se o eleitor por votar ao sabor do
vento e logo esquecer em quem votou. Contudo, o sistema proporcional vigente no
Brasil foi concebido com esse objetivo, já que não permite saber para quem vão
os votos da imensa maioria dos eleitores – algo entre 75% e 85% –, para os
quais não existe nenhum eleito obrigado a lhes prestar conta do mandato que lhe
foi outorgado.
Assim sendo, só cabe ao eleitor reivindicar ao vento, protestar contra a classe política ou queixar-se ao bispo. Pois bem, criou-se, numa das reformas passadas, uma jabuticaba podre: a coligação interpartidária nas eleições legislativas. Isso permite que um grupo de partidos some seus votos para eleger candidatos da coligação, sem que os partidos tenham votos suficientes, nem que haja qualquer grau de convergência programática entre as legendas.
Não surpreende que uma parte crescente do
eleitorado não se sinta representada pela elite política. Surge, com isso, um
fenômeno global, cuja consequência é a oferta generalizada de salvadores da
Pátria, aos quais os eleitores mais ressentidos e mais vulneráveis econômica e
socialmente se agarram como a uma tábua de salvação.
Todas as democracias representativas
modernas optam entre dois sistemas opostos: o majoritário e o proporcional. No
majoritário, em qualquer de suas variantes, vence o candidato que obtém mais
votos numa localidade predeterminada, regional ou de vizinhança, os chamados
distritos. No proporcional, são eleitos todos os candidatos dos partidos
votados numa ampla região (Estado ou Província), de acordo com a proporção de
votos no conjunto dos candidatos de seu partido.
No majoritário, todo eleito sabe quem são
seus eleitores, e lhes deve satisfação, portanto precisa equilibrar sua agenda
pessoal com as demandas dos eleitores de seu distrito. No proporcional, o
eleitor não sabe quem o representa nem a quem pode recorrer, e o eleito, não
sabendo quem o elegeu, torna-se livre para implementar apenas sua própria
agenda. A representação democrática é, portanto, ferida em sua própria
essência.
As mudanças incluídas na reforma aprovada
na Câmara dos Deputados reforçam o alheamento entre candidato e eleitor. É o
caso das coligações interpartidárias e da supressão do requisito de um número
mínimo de eleitos para que um partido seja reconhecido como tal, e goze de
benefícios oficiais. Ambas as medidas incentivam a fragmentação da
representação popular e as legendas de aluguel.
O sistema majoritário, por sua vez, limita
a representação partidária de pequenas minorias difusas, que dificilmente
venceriam em distritos populosos. Oferece, entretanto, duas saídas para essa
limitação. Uma é o sistema de maioria absoluta em dois turnos: no caso francês,
se ninguém for eleito no primeiro turno, os candidatos com ao menos 12,5% dos
votos podem disputar o segundo. Legendas convergentes podem fazer composições
mediante concessões mútuas, o que tem impedido que partidos extremistas
polarizem a eleição em proveito próprio.
Outra saída é o chamado distrital misto,
que proporciona ao eleitor votar duas vezes, uma vez no sistema proporcional
com lista partidária e outra no candidato de seu distrito. O sistema
majoritário possui, portanto, instrumentos para corrigir sua tendência a
desfavorecer minorias difusas, enquanto as variantes do proporcional exacerbam
a cisão entre eleitor e representante.
O Senado tende a rejeitar a Proposta de
Emenda Constitucional que reforça o que há de mais nefasto no sistema proporcional.
Será uma decisão correta e indispensável, que endosso desde já.
*Senador (PSDB-SP)
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