quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Vinicius Torres Freire - O peru de Natal podre de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Acidentes e baderna do presidente ameaçam até recuperação do PIB deste ano

Lá no final de maio, pareceu possível que a economia recuperasse ao menos o que havia perdido no paradão da epidemia de 2020 e que houvesse vacinas bastantes para que todo o mundo recebesse as injeções antes do fim do ano.

Um governante incapaz, mas mentiroso, cínico e oportunista, tentaria tirar proveito da situação e também colocar na sua conta a melhora relativa do país, por interesse próprio. Ainda habitaria o universo da razão, mesmo que meramente instrumental e no seu nível mais baixo. Jair Bolsonaro está abaixo disso. Talvez consiga implodir até a despiora prevista para este 2021.

Jamais é uma boa ideia prestar atenção demasiada a paniquitos dos mercados financeiros, como o desta quarta-feira, o dia depois do 7 de Setembro golpista. Além do mais, a finança do centro do mundo andou alvoroçada, o que explica parte do afundamento do mercado brasileiro. No entanto, a cada tombo mundial ou emergente, o Brasil rola vários degraus e quebra costelas. O dólar foi a R$ 5,33, quase 3% de alta, a maior desde meados do ano passado, dando mais lenha para a inflação queimar. A Bolsa perdeu 3,8%.

Menos pop e comentada foi a corrida das taxas de juros no atacadão do mercado de dinheiro. A taxa de dois anos foi a 9,4%, por exemplo, mas a disparada foi geral (em maio, o juro futuro de dois anos estava na casa de 7%). Isso vai chegar ao crédito bancário, ao capital de giro das empresas médias, talvez ao financiamento de casas.

O aperto nas condições financeiras é contínuo, com uns solavancos feios para cima, como os desta quarta-feira. Isso se deve ao fato de o país ter dívida grande, crescente, política econômica desgovernada. Um país que pode viver tumultos graves de rua e vive sob ameaça de tirania. Bolsonaro colocou no forno um peru podre de Natal.

Há riscos de outros acidentes e uns imprevistos preocupantes além da conta. Se não começar a chover no Dia de Finados, haverá apagões ou racionamento estrito. A partir de novembro, o banco central do EUA (o Fed) pode mudar a política monetária. Mesmo que o faça de modo suave, costuma dar tumulto ou besteira. A escassez de matérias-primas para a indústria é maior e dura mais do que o previsto, no mundo inteiro. A produção de veículos em agosto no Brasil foi horrível por falta de componentes eletrônicos. Agora, só falta um paradão dos caminhoneiros bolsonaristas, que já começa.

É razoável esperar que a volta das atividades de serviços, arruinadas pelas restrições sanitárias da epidemia, compense inclusive os tropeços da indústria. De resto, a fim de recuperar o PIB perdido no ano passado, a economia precisa crescer 4,3% neste 2021 (a previsão ainda está pela casa dos 5,2%). Mas apenas recuperar o que se perdeu significa que 2021 terá sido igual a 2019. Precisamos obviamente de mais, até para ganhar impulso para 2022.

A mola do impulso para o ano que vem, porém, derrete com a baderna, com a inflação e com a alta de juros. Daqui a menos de duas semanas, o Banco Central pode elevar a Selic em 1,25 ponto, para 6,5% ao ano —e subindo.

Bolsonaro não tem limite. Ontem, chefetes e chefes de Poderes fizeram pronunciamentos que foram de passar pano para o golpista a indignações inócuas, como dizer que, se Bolsonaro desrespeita decisão do Supremo, comete crime de responsabilidade. Bidu. Ameaçar desobedecer, como fez ontem pela enésima vez, já é crime.

Não há oposição de fato. A elite do poder e do dinheiro ceva o projeto de destruição de Bolsonaro, que não tem limite. Vão esperar o Natal da desgraça?

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