EDITORIAIS
A inflação em super V
O Estado de S. Paulo
Em vez da recuperação em V prometida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, os brasileiros estão vivendo uma inflação em super V
Em vez da recuperação em V prometida pelo
ministro da Economia, Paulo Guedes, os brasileiros estão vivendo uma inflação
em super V, complemento sinistro de um desemprego muito acima dos padrões
observados no mundo capitalista. Logo depois do choque inicial da pandemia, as
famílias trataram de se isolar, o consumo despencou e os preços caíram. Em maio
do ano passado a inflação mensal foi negativa (-0,38%) e a acumulada em 12
meses chegou a 1,88%, a menor taxa num período anual desde janeiro de 1999
(1,65%). A inversão foi rápida. Com a alta de 0,87% em agosto, a maior para o mês desde o
ano 2000, os preços no varejo subiram 9,68% em 12 meses, numa reprodução,
embora imperfeita, do final do período da presidente Dilma Rousseff. Os dados
são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Com o jogo perdido em 2021, resta ao Banco Central (BC) tentar conduzir a inflação do próximo ano à meta de 3,50% fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Nem esse número é hoje levado a sério pelos economistas do setor financeiro e das principais consultorias. Em 2022 o IPCA deverá subir 3,98%, segundo a mediana das projeções captadas na pesquisa Focus divulgada na última segunda-feira. Para este ano a estimativa já bateu em 7,58%, um número muito acima da meta oficial (3,75%) e do limite superior de tolerância (5,25%). Mas ainda é possível, pelo menos em tese, evitar esse desastre.
O compromisso de conter a alta de preços no
próximo ano foi reafirmado na quarta-feira pelo presidente do BC, Roberto
Campos Neto. O BC, disse ele, tem autonomia e usará seus instrumentos com
independência para defender o poder de compra do real. Poderia ter
acrescentado: para proteger, tanto quanto possível, o poder de consumo já muito
reduzido da maior parte das famílias, acuadas pelo desemprego, pelo dinheiro
curto e por uma inflação muito alta acumulada neste ano e ao longo de 12 meses.
É preciso levar em conta, em qualquer
discussão séria sobre a inflação, os problemas já acumulados. Nos 12 meses até
agosto a eletricidade encareceu 21,08%. O preço dos combustíveis domésticos,
incluído o gás, subiu 30,22%. O das carnes aumentou 30,77%. O grupo cereais,
leguminosas e oleaginosas (com destaque para arroz e feijão) ficou 25,39% mais
caro. Cada novo aumento, grande ou pequeno, ocorre sobre uma base já muito
alta. Mesmo com inflação zero em setembro, uma fantasia aritmética, muitos
milhões de famílias continuariam muito apertadas.
Mas é preciso perguntar por que o
presidente do BC, ao reafirmar a promessa de combater a alta de preços,
mencionou a autonomia da instituição e prometeu usar de “maneira independente”
os instrumentos de política. A resposta é simples: se as pressões
inflacionárias persistirem, poderá ser necessário um aperto maior, com novas
altas de juros, piores condições de crédito e maiores entraves ao crescimento,
mesmo com eleições em 2022.
O risco de um choque entre as ações
anti-inflacionárias e a agenda eleitoral do presidente da República foi
mencionado em entrevista à Agência
Estado pelo economista Gustavo Loyola, ex-presidente do BC e
diretor-presidente da Tendências Consultoria. Os dirigentes do BC têm hoje
mandato fixo, lembrou Loyola, mas o presidente Bolsonaro, acrescentou, já
desafia até o Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, lembrou, os
dirigentes tinham mandato quando a instituição foi criada, mas isso durou até o
presidente Arthur da Costa e Silva dizer “o guardião da moeda sou eu”.
Antes de conhecido o IPCA de agosto,
economistas do mercado já haviam elevado de 7,50% para 7,63% a taxa básica de
juros prevista para o fim deste ano. A taxa esperada para o fim de 2022 já
chegou a 7,75%. Diante dos novos dados da inflação, já se mencionou no mercado
a hipótese de novo aumento da taxa projetada. Enquanto isso, o presidente
continua a cuidar de seus interesses pessoais e a ampliar a insegurança
política e econômica, com efeitos imediatos na bolsa e no câmbio e danos
duradouros à produção, ao emprego e ao sustento de milhões.
Os desordeiros e seu líder
O Estado de S. Paulo
Bloqueios de estradas são resultado direto do comportamento de Jair Bolsonaro
Queira ou não Jair Bolsonaro, a Presidência
da República tem enorme peso sobre o País. Quando o chefe do Executivo federal
afronta os outros Poderes e flerta com a ideia de ruptura da ordem democrática,
o problema já não é apenas institucional. A aposta no conflito produz
consequências sobre toda a ordem social. As paralisações e bloqueios promovidos
por caminhoneiros – no dia 8 de setembro, foram registrados distúrbios em ao
menos 13 Estados – são resultado direto do comportamento de Jair Bolsonaro.
Destaca-se, em primeiro lugar, a
contradição entre a realidade do governo Bolsonaro e suas promessas. O discurso
bolsonarista, especialmente quando expressa saudosismo da ditadura militar,
remete à ideia de ordem pública. Conforme esse discurso, depois de anos de
confusões e balbúrdias criadas pela esquerda e seus movimentos sociais, Jair
Bolsonaro viria impor o estrito cumprimento da lei e a mais rigorosa ordem no
País. Não é o que se vê.
Os bloqueios das estradas começaram
justamente no 7 de Setembro, data escolhida pelo bolsonarismo para afrontar o Supremo
Tribunal Federal (STF). E não se trata de coincidência. A pauta dos
caminhoneiros é a mesma pauta de Jair Bolsonaro.
Em um vídeo que circula nas redes sociais,
Francisco Burgardt, um dos líderes do movimento Caminhoneiros Patriotas,
prometeu entregar ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um documento
exigindo a destituição de ministros do STF. “O povo não aguenta mais esse
momento que o País está atravessando através da forma impositiva que o STF vem
se posicionando. O povo está aqui (na
Esplanada dos Ministérios) buscando solução e só vamos sair com
solução na mão”, disse Francisco Burgardt. A fala de Chicão Caminhoneiro, como
é conhecido, reflete fidedignamente o que o presidente Bolsonaro diz todos os
dias.
Foi constrangedora a reação de Jair Bolsonaro
aos bloqueios das estradas, revelando uma vez mais sua incapacidade de se
portar em conformidade com o cargo que ocupa. O presidente enviou um áudio, em
tom de súplica, aos caminhoneiros. “Dá um toque nos caras aí para liberar”,
disse Jair Bolsonaro. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas,
confirmou a autenticidade da gravação.
Incapaz de exercer a autoridade que lhe
compete na defesa da lei e da ordem, o presidente Bolsonaro trata os
desordeiros como companheiros e aliados políticos. “Deixa com a gente em
Brasília. Não é fácil negociar com outras autoridades, mas vamos fazer nossa
parte. Vamos buscar uma solução para isso”, disse Bolsonaro no áudio.
A súplica do presidente não parece ter sido
muito convincente. Há quem continue achando que o apoio a Jair Bolsonaro
significa paralisar o País. “Vamos trancar todo o Brasil porque estamos do lado
do senhor (presidente Bolsonaro)”,
disse o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão, em
vídeo divulgado nas redes sociais.
Trata-se de uma situação absolutamente
disfuncional, mas que, a rigor, é a mais natural consequência do bolsonarismo.
Ante um presidente da República que sai às ruas no 7 de Setembro para afrontar
o Supremo e dizer que não cumprirá determinadas ordens judiciais, seria de
estranhar que seus aliados políticos manifestassem alguma razoabilidade ou
civilidade.
No dia 27 de agosto, o presidente Bolsonaro
recomendou que a população comprasse fuzil. “Tem que todo mundo comprar fuzil,
pô. Povo armado jamais será escravizado”, falou Bolsonaro, em frente ao Palácio
da Alvorada. Perante essa recomendação, deve-se admitir que a insistência de Zé
Trovão no bloqueio das estradas não está desalinhada com o bolsonarismo e seu
líder. “Tem gente ligando aí, mandando desmobilizar as paralisações, mas não
vamos aceitar. Fecha tudo”, pediu Zé Trovão.
Desde que assumiu a Presidência da
República, Jair Bolsonaro dedica-se a criar conflitos, proferir ameaças e
destruir possíveis pontes e canais de diálogo. Não é de estranhar, portanto,
que seus aliados bloqueiem estradas, como tática para impor reivindicações. Eis
o bolsonarismo e suas consequências.
Os órfãos da pandemia
O Estado de S. Paulo
Ao todo, cerca de 113 mil brasileiros com até 18 anos perderam ou o pai ou a mãe neste período
Com base num estudo divulgado pela
conceituada revista científica The
Lancet, que envolveu 21 países sob a coordenação dos Centros de
Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, em colaboração com o
Imperial College e a Universidade de Oxford, duas respeitadas instituições
acadêmicas do Reino Unido, a revista Pesquisa,
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), chamou a
atenção para mais um importante problema trazido pela pandemia.
Trata-se da desestruturação familiar que
vem sendo causada pelo expressivo crescimento do número de crianças que ficaram
órfãs, por causa da morte de seus pais, mães ou avós, em decorrência da
covid-19. Segundo o estudo, entre março de 2020 e abril deste ano, mais de 1,5
milhão de crianças desses 21 países perderam os familiares dos quais dependiam
por causa da pandemia.
Os países estudados concentraram 77% das
mortes por doenças provocadas pela covid-19. Segundo o estudo, em todos esses
países morreram mais pais do que mães e, em alguns, a taxa foi cinco vezes mais
alta entre os homens. Com base nesses dados, os autores do levantamento criaram
modelos matemáticos para estimar as mortes de cuidadores, principais (pais e
mães) ou secundários (avós e tios), decorrentes do coronavírus e monitorar o
agravamento do problema.
Os índices mais elevados de morte dos
cuidadores primários foram registrados no Peru, com 10,2 órfãos por mil
crianças, na África do Sul (5,1) e no México (3,5). Com uma taxa de 2,4 órfãos
para cada mil crianças, o Brasil ficou em quarto lugar nesse ranking. Ao todo,
cerca de 113 mil brasileiros com até 18 anos perderam ou o pai, ou a mãe, ou
ambos. O problema é que muitas crianças e jovens vivem em famílias
monoparentais, com baixa renda. Segundo o IBGE, 40% das famílias brasileiras
são chefiadas por mães ou avós.
“O crescimento da orfandade representa uma
pandemia oculta associada à covid-19. Ao perder seus cuidadores, essas crianças
e jovens podem enfrentar várias consequências adversas, como pobreza, violência
e transferência para creches. Para mitigar os efeitos da situação, é necessário
acelerar a distribuição equitativa de vacinas e oferecer apoio psicossocial e
econômico para ajudar as famílias a criarem essas crianças sem cuidadores
principais, evitando, desse modo, que elas acabem sendo enviadas para
orfanatos”, afirma a médica epidemiologista Susan Hills, uma das autoras do
estudo.
Além disso, nas famílias em que pai e mãe
precisam trabalhar para compor a renda familiar, a perda de recursos decorrente
da morte de um deles está levando crianças e jovens a abandonarem as salas de
aula para ingressar no mercado de trabalho. Outro problema associado a esse é o
fato de que, em 20,6% dos domicílios brasileiros, a renda de pessoas com mais
de 60 anos corresponde a mais da metade do orçamento familiar. E em 18,1% dos
lares do País a subsistência familiar depende exclusivamente da renda de
idosos. “O apoio entre gerações por meio de arranjos familiares tem funcionado
como estratégia de sobrevivência no País”, afirma Ana Amélia Camarano,
economista e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea).
Como a incidência de mortes pela covid-19 é
bastante alta nas faixas etárias acima de 60 anos, esse é mais um fator que
está levando crianças e jovens a deixar de estudar para trabalhar. “A grande
quantidade de órfãos da pandemia pode desarticular as possibilidades de o
Brasil contar com uma população mais produtiva e qualificada, aprofundando as
desigualdades de renda”, diz Juliana Inhasz, professora de economia do Insper.
O estudo do CDC mostra como os países desenvolvidos vêm se preparando para enfrentar os problemas sociais decorrentes da pandemia, como é o caso do crescimento da orfandade, quando ela passar. Já no Brasil, cujo governo é chefiado por um presidente inepto, negacionista e sem compaixão pelos mortos pela pandemia, pouca ou nenhuma atenção tem sido dada a esse problema.
O efeito desastroso de Bolsonaro na
economia brasileira
O Globo
A reação dos empresários às manifestações do 7 de Setembro são o sinal mais
contundente do efeito desastroso do governo Jair Bolsonaro na economia
brasileira. Reportagem do GLOBO revelou a angústia de líderes dos setores
automotivo, aéreo, químico, têxtil, varejista e turístico. Não se trata da
chiadeira de investidores especulativos do mercado financeiro. A amostra traduz
o sentimento de quem aposta seu capital na economia real — quem produz, gera
emprego e riqueza no país.
O cenário é tétrico. Descontrole do dólar.
Inflação recorde beirando os 10% nos últimos 12 meses. Disparada no preço dos
combustíveis provocando revolta entre caminhoneiros. Novas variantes mostrando
que a pandemia não dá sinal de trégua e adiando todo plano de investimento e a
recuperação da atividade. E o mais importante: o desgoverno paralisando a
política e emperrando todas as iniciativas do Parlamento, do Orçamento de 2022
à agenda de reformas e privatizações.
Depende do Congresso a solução para o
buraco orçamentário aberto pela previsão de R$ 90 bilhões em dívidas judiciais
a pagar em 2022 e pelo desejo do governo de criar um novo programa social com
fins eleitoreiros, o Auxílio Brasil, ao custo de R$ 60 bilhões. Duas tentativas
de parcelar o pagamento das dívidas — resposta absurda, que equivaleria a um
calote — foram ensaiadas: uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) e a
negociação capitaneada pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o
ministro Luiz Fux. Mesmo que Bolsonaro tenha ontem tentado aliviar o clima de
conflagração emitindo uma nota, continua difícil alguma dessas iniciativas
prosperar.
Depende ainda do Congresso a aprovação das
leis para permitir a privatização dos Correios e para estabelecer o novo marco
regulatório capaz de destravar investimentos no setor ferroviário, tornando o
transporte menos sujeito às rodovias e aos caminhoneiros. Dependem do
Congresso, por fim, as reformas tributária e administrativa, que a inépcia do
Executivo tratou de transformar em projetos descabidos ou, na melhor hipótese,
tímidos diante do que o país precisa, merece e exige. Nada disso, rigorosamente
nada, terá prioridade no curto prazo.
Como se não bastasse, o governo Bolsonaro
dá de ombros para a crise hídrica e a ameaça à geração de energia, essencial ao
crescimento. Também difunde a imagem do Brasil como uma espécie de piromaníaco
a devastar a Amazônia — e não sem motivo. A consequência é sentida nas
restrições crescentes às exportações do agronegócio e na estagnação de
negociações comerciais. O Brasil também tem sido incapaz de formular e pôr em
marcha uma estratégia coerente para a economia de baixas emissões, força do
século XXI.
Diante de tanta incompetência, é natural o
desespero e a reticência dos empresários. Para a economia avançar, Executivo e
Legislativo precisariam ter a disposição e a energia necessárias para se
dedicar à tarefa. Dá para acreditar na trégua no golpismo de Bolsonaro? As
crises sucessivas que desencadeia ao menos têm despertado representantes do
setor produtivo que apostaram nele como vetor de um projeto de modernização
econômica. Muitos se dão conta agora do tamanho do equívoco que cometeram, de
que nada se faz na economia sem instituições políticas sólidas e de que é,
portanto, da preservação da democracia que o país precisa cuidar em primeiro lugar.
Bloqueio de rodovias por caminhões viola a
lei e precisa ser reprimido
O Globo
É dever do Estado — portanto do presidente da República — garantir o direito de
todos os brasileiros a transitar livremente pelo território nacional viajando
pelas estradas do país. Sob o pretexto de protestar contra a alta no preço dos
combustíveis, uma minoria entre os caminhoneiros bloqueou parcial ou totalmente
rodovias em pelo menos 14 estados um dia após as manifestações antidemocráticas
comandadas pelo presidente Jair Bolsonaro. Um grupo menor ocupou a Esplanada
dos Ministérios, em Brasília.
Ainda na noite de quarta-feira, Bolsonaro e
o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, gravaram mensagens de voz
pedindo que as estradas fossem liberadas. Argumentaram que o protesto atrapalha
a economia e provoca aumento da inflação. Ontem as interdições começaram a ser
desfeitas ao longo do dia.
O resultado não significa que Bolsonaro e
Freitas tenham acertado na resposta ao movimento. É verdade que bloqueios podem
causar desabastecimento, elevar os preços e prejudicar a recuperação da
economia, num momento em que o governo enfrenta indicadores tenebrosos. Também
é certo que a frota nacional de quase 3 milhões de caminhões é responsável pela
distribuição de quase tudo no Brasil — de alimentos a insumos para a indústria.
O segmento responde por cerca de 60% da movimentação de cargas.
O motivo para liberar as rodovias, no
entanto, é outro, bem mais óbvio: bloqueios são ilegais, independentemente de
quem ocupe o Palácio do Planalto ou da conjuntura econômica. Em qualquer
circunstância, é obrigação do governo federal tomar medidas enérgicas para
garantir o direito básico de todos os brasileiros a ir e vir para onde quiserem
no país.
Restrições ao deslocamento são
justificáveis apenas em situações extremas —é o caso das medidas adotadas
localmente para evitar aglomerações e o contágio durante a pandemia. Mesmo
nesses casos extraordinários, é uma decisão que cabe às autoridades, não a um
grupo de arruaceiros. O Estado deve, portanto, usar todos os instrumentos, de
multas à força policial, para desobstruir as estradas. Vale agora. Vale também
para eventuais protestos futuros.
Em 2018, a greve dos caminhoneiros
tumultuou o país, com apoio do então deputado federal Jair Bolsonaro. Desde que
assumiu a Presidência, Bolsonaro pouco fez pela categoria. Os investimentos da
União em rodovias têm caído (de R$ 8,1 bilhões em 2018 para R$ 6,9 bilhões em
2019 e R$ 6,7 bilhões em 2020).
Pesquisa da Confederação Nacional do
Transporte (CNT) mostrou que o típico caminhoneiro tem 45 anos, dirige um
veículo com 15 anos, trabalha 11 horas por dia e roda 8.500 quilômetros para
ganhar R$ 4.600 líquidos todo mês. São profissionais que enfrentam assaltos e
roubos, estradas esburacadas, sem falar nos acidentes. É obrigação do governo
ouvir as demandas dessa importante categoria, mas sem deixar que uma minoria
descumpra a lei para promover arruaça.
Golpismo no asfalto
Folha de S. Paulo
Açulados por Bolsonaro, caminhoneiros
sabotam o país com pauta antidemocrática
Parlamentares e militantes bolsonaristas
convocaram caminhoneiros para os atos golpistas do 7 de Setembro. Alguns dos
engajados nessa causa do presidente da República são investigados no Supremo
Tribunal Federal, entre eles um autointitulado líder dos motoristas e o
presidente da Associação dos Produtores de Soja do Brasil.
Na véspera do feriado nacional, caminhões
invadiram e ocuparam a oficialmente interditada Esplanada dos Ministérios, em
Brasília, entre eles vários veículos ligados a empresas do setor agropecuário.
Depois, caminhões foram usados em bloqueios
de estradas em ao menos 15 estados. Na noite de quarta (8), Jair Bolsonaro,
ao que parece preocupado com a economia, pediu aos “caminhoneiros aí” que, “se
for possível”, liberem as vias, como se ouve no áudio enviado a quem chama de
“aliados”
Como fica evidente, o presidente e seus
apoiadores estão envolvidos de um modo ou de outro na promoção de mais essa
baderna.
Bolsonaro e algumas entidades empresariais
estão ligados ao movimento sindical e político dos caminhoneiros desde a
paralisação de maio de 2018, que quase levou o país ao colapso. O movimento
teve o apoio do hoje presidente, à época deputado, e de associações como a
Aprosoja e a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas.
Segundo integrantes do governo Michel Temer
(MDB), inclusive, tratou-se também de um locaute, com o envolvimento de
empresários do setor de transporte.
Caminhoneiros se articularam desde então,
em particular por redes sociais, mas diversos representantes dos motoristas
autônomos negaram participação nas manifestações do Dia da Independência. Ao
que parece, os bloqueios são liderados por voluntários engajados na ofensiva
autoritária e bolsonaristas como Marcos Pereira.
Conhecido como Zé Trovão, esse militante é
investigado por incentivar atos golpistas e diz estar ao lado de Bolsonaro, a
quem pede ajuda. Afirma ser vítima de perseguição política, como outros
ativistas presos ou suspeitos de promoverem ataques à ordem constitucional,
entre outros crimes.
Os caminhoneiros bolsonaristas acreditaram
nas palavras do presidente da República, que insuflou ataques ao Supremo
Tribunal Federal e pregou a desobediência a decisões judiciais —a ocupação da
Esplanada e os bloqueios de estradas são um subproduto do ataque às
instituições democráticas promovido desde o Planalto.
O descaramento avançou nesta quinta (9),
quando líderes
da sabotagem motorizada se encontraram com Bolsonaro —por si só,
um escândalo— e disseram que a liberação das vias será condicionada a uma
audiência com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para debater a
ação do STF.
A pretensão seria um desplante digno de
risos, não tivessem os chantagistas já sido recebidos pela mais elevada
autoridade do país.
Fiasco sem remédio
Folha de S. Paulo
Aviltada, Saúde desperdiça R$ 240 mi em
medicamentos sem explicação razoável
Com menos de seis meses no Ministério da
Saúde e três antecessores no mesmo governo, Marcelo Queiroga sem dúvida
enfrenta problemas para se explicar diante dos múltiplos fiascos da pasta —e o
caso dos medicamentos vencidos é só o mais recente deles.
A Folha revelou na segunda-feira (6)
que o governo federal deixara expirar o prazo de validade de um estoque
farmacológico avaliado em R$ 240 milhões. Com a quantia desperdiçada seria
possível comprar 4,5 milhões de doses da vacina da Pfizer contra a Covid.
Perderam-se 820 mil canetas de insulina e
12 milhões de doses de vacina contra gripe, hepatite B e varicela, por exemplo.
Os demais remédios aliviariam pacientes com hepatite C, câncer, Parkinson,
Alzheimer, tuberculose, doenças raras, esquizofrenia, artrite reumatoide e
problemas renais, entre outros padecimentos.
Os 3,7 milhões de itens na central
logística em Guarulhos (SP) serão agora incinerados, embora muitos deles faltem
em unidades básicas de saúde do país. Só em medicamentos de alto custo
adquiridos pelo SUS por ordens da Justiça, R$ 32 milhões virarão fumaça.
Queiroga tentou explicar-se na quarta-feira
(8), durante reunião da Comissão Temporária da Covid-19 no Senado. Buscou
transferir a culpa para governos passados, alegando que produtos
vencidos haviam sido comprados nas gestões de Dilma Rousseff (PT) e Michel
Temer (MDB).
Dados obtidos por este jornal deixam claro
que a maioria dos produtos teve as datas de validade ultrapassadas já no
governo Jair Bolsonaro. Tal desastre não chega a surpreender, pois o presidente
tem feito de tudo para tumultuar o ministério, trocando sucessivamente de
ministro na pior emergência sanitária enfrentada pelo país.
É ironia amarga Queiroga ter sido precedido
por um militar tido como especialista em logística. O general Eduardo Pazuello,
contudo, esteve mais ocupado em acolher atravessadores de vacinas do que em
gerir paióis de remédios —e terminou promovido a cargo na intimidade do Palácio
do Planalto.
A ineficiência no setor decerto não começou
com Bolsonaro, mas será difícil encontrar descaso e inépcia comparáveis na
história.
Inflação não dá trégua e testa políticas
monetária e fiscal
Valor Econômico
O presidente tentará se reeleger com a
economia jogando contra, o que é meio caminho (ou mais) andado para a derrota
A inflação deu um alívio momentâneo às
contas públicas no primeiro semestre, mas como segue em um embalo ainda forte
colocará sérios problemas para o orçamento de 2022, já enviado ao Congresso -
como peça de ficção - e que terá de ser revisto em novembro. A alta do INPC em
agosto, de 0,88%, e de 10,42% em 12 meses, retrospectivamente fazem dos R$ 124
bilhões de margens extras de gastos para o ano que vem, ambicionada pelo
governo, um sonho de uma noite de verão. Na verdade, o risco cada vez mais
presente é de não haver margem alguma.
A variação dos preços dos combustíveis, em
primeiro lugar, e da energia elétrica, em segundo, se espalha por toda a
economia e os juros, que estão subindo rapidamente, têm pouco poder sobre ela.
Os aumentos já observados em 12 meses são compatíveis com a megadesvalorização
do real, para a qual boa parte das causas tem relação com a balbúrdia e a falta
de rumos do governo de Jair Bolsonaro. A gasolina subiu 39% no período, o gás
de botijão 31,7% e o diesel só neste ano, até agosto, 28%. Fora dos preços
monitorados, mas também refletindo a depreciação do real, as carnes aumentaram
30,7% em um ano.
A persistência e a disseminação da alta dos
preços traz problemas sérios para as políticas monetária e fiscal por si só, e
ainda mais sérios se conjugados a um previsível crescimento raquítico em 2022,
ao risco de um agravamento da crise hídrica, à continuidade dos distúrbios nas
cadeias produtivas, que encarecem os bens industriais, e às arruaças
antidemocráticas do presidente da República, que minam os componentes das
expectativas e da previsibilidade que afetam a economia como um todo. Adicionalmente,
a recuperação do setor de serviços trará uma recuperação de seus preços. A
inflação subjacente dos serviços (exclui turismo, serviços domésticos e
comunicação, entre outros), subiu para 4,97% em um ano.
O Banco Central poderá aumentar os juros
mais rápida e fortemente, mas seu efeito sobre o IPCA neste ano é marginal. O
BC está de olho na meta de inflação de 2022, de 3,5%, da qual as expectativas
do mercado estão se afastando progressivamente. As estimativas para o IPCA em
2021 já se aproximam de 8%. Recolocar a inflação na meta e derrubá-la a mais da
metade em um exercício é uma tarefa muito difícil, ainda mais em um ano
eleitoral. Por isso, as expectativas apontam para um aumento do juro real já
razoavelmente acima do neutro (3%) por um tempo maior do que se poderia esperar
antes, com custos significativos sobre a atividade econômica.
A alta dos preços tem fôlego para
continuar. Em agosto, o índice de difusão foi de 77% - elevação de 3 em cada 4
produtos - e a média dos núcleos calculados pelo BC avançou de 5,49% para 6,09%
em 12 meses, pelos cálculos da MCM Consultoria. Em agosto, o aumento dos
alimentos, da habitação (onde se inclui a energia elétrica) e transportes
somaram 0,71% dos 0,87% do IPCA. Os resultados poderiam ser piores? Sim e já o
são no INPC, que reajusta as maiores despesas obrigatórias do orçamento, como
os gastos da previdência, e que mede a variação dos preços na faixa de até 5
salários mínimos. Apesar de queda em agosto em relação a julho, tanto o índice
no ano (5,94%) quanto em 12 meses (10,42%) são piores que os do IPCA.
A expectativa para o INPC se desloca para a
casa dos 8% no ano e pode ultrapassar esta marca. O orçamento de 2022 foi
concebido com um INPC de 6,2%, enquanto o teto de gastos foi reajustado em
8,35%. Se forem iguais os dois indexadores, não haverá folga orçamentária
alguma. Se o INPC for maior, o orçamento terá de ser mais contracionista nas
despesas discricionárias, que se aproximam do limite de garantia do
funcionamento da máquina pública. Por outro lado, mesmo com a ajuda
inflacionária nas receitas, um PIB abaixo de 2,5% em 2022 derrubará a
arrecadação.
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