sexta-feira, 10 de setembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A inflação em super V

O Estado de S. Paulo

Em vez da recuperação em V prometida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, os brasileiros estão vivendo uma inflação em super V

Em vez da recuperação em V prometida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, os brasileiros estão vivendo uma inflação em super V, complemento sinistro de um desemprego muito acima dos padrões observados no mundo capitalista. Logo depois do choque inicial da pandemia, as famílias trataram de se isolar, o consumo despencou e os preços caíram. Em maio do ano passado a inflação mensal foi negativa (-0,38%) e a acumulada em 12 meses chegou a 1,88%, a menor taxa num período anual desde janeiro de 1999 (1,65%). A inversão foi rápida. Com a alta de 0,87% em agosto, a maior para o mês desde o ano 2000, os preços no varejo subiram 9,68% em 12 meses, numa reprodução, embora imperfeita, do final do período da presidente Dilma Rousseff. Os dados são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Com o jogo perdido em 2021, resta ao Banco Central (BC) tentar conduzir a inflação do próximo ano à meta de 3,50% fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Nem esse número é hoje levado a sério pelos economistas do setor financeiro e das principais consultorias. Em 2022 o IPCA deverá subir 3,98%, segundo a mediana das projeções captadas na pesquisa Focus divulgada na última segunda-feira. Para este ano a estimativa já bateu em 7,58%, um número muito acima da meta oficial (3,75%) e do limite superior de tolerância (5,25%). Mas ainda é possível, pelo menos em tese, evitar esse desastre.

O compromisso de conter a alta de preços no próximo ano foi reafirmado na quarta-feira pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. O BC, disse ele, tem autonomia e usará seus instrumentos com independência para defender o poder de compra do real. Poderia ter acrescentado: para proteger, tanto quanto possível, o poder de consumo já muito reduzido da maior parte das famílias, acuadas pelo desemprego, pelo dinheiro curto e por uma inflação muito alta acumulada neste ano e ao longo de 12 meses.

É preciso levar em conta, em qualquer discussão séria sobre a inflação, os problemas já acumulados. Nos 12 meses até agosto a eletricidade encareceu 21,08%. O preço dos combustíveis domésticos, incluído o gás, subiu 30,22%. O das carnes aumentou 30,77%. O grupo cereais, leguminosas e oleaginosas (com destaque para arroz e feijão) ficou 25,39% mais caro. Cada novo aumento, grande ou pequeno, ocorre sobre uma base já muito alta. Mesmo com inflação zero em setembro, uma fantasia aritmética, muitos milhões de famílias continuariam muito apertadas.

Mas é preciso perguntar por que o presidente do BC, ao reafirmar a promessa de combater a alta de preços, mencionou a autonomia da instituição e prometeu usar de “maneira independente” os instrumentos de política. A resposta é simples: se as pressões inflacionárias persistirem, poderá ser necessário um aperto maior, com novas altas de juros, piores condições de crédito e maiores entraves ao crescimento, mesmo com eleições em 2022.

O risco de um choque entre as ações anti-inflacionárias e a agenda eleitoral do presidente da República foi mencionado em entrevista à Agência Estado pelo economista Gustavo Loyola, ex-presidente do BC e diretor-presidente da Tendências Consultoria. Os dirigentes do BC têm hoje mandato fixo, lembrou Loyola, mas o presidente Bolsonaro, acrescentou, já desafia até o Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, lembrou, os dirigentes tinham mandato quando a instituição foi criada, mas isso durou até o presidente Arthur da Costa e Silva dizer “o guardião da moeda sou eu”.

Antes de conhecido o IPCA de agosto, economistas do mercado já haviam elevado de 7,50% para 7,63% a taxa básica de juros prevista para o fim deste ano. A taxa esperada para o fim de 2022 já chegou a 7,75%. Diante dos novos dados da inflação, já se mencionou no mercado a hipótese de novo aumento da taxa projetada. Enquanto isso, o presidente continua a cuidar de seus interesses pessoais e a ampliar a insegurança política e econômica, com efeitos imediatos na bolsa e no câmbio e danos duradouros à produção, ao emprego e ao sustento de milhões.

Os desordeiros e seu líder

O Estado de S. Paulo

Bloqueios de estradas são resultado direto do comportamento de Jair Bolsonaro

Queira ou não Jair Bolsonaro, a Presidência da República tem enorme peso sobre o País. Quando o chefe do Executivo federal afronta os outros Poderes e flerta com a ideia de ruptura da ordem democrática, o problema já não é apenas institucional. A aposta no conflito produz consequências sobre toda a ordem social. As paralisações e bloqueios promovidos por caminhoneiros – no dia 8 de setembro, foram registrados distúrbios em ao menos 13 Estados – são resultado direto do comportamento de Jair Bolsonaro.

Destaca-se, em primeiro lugar, a contradição entre a realidade do governo Bolsonaro e suas promessas. O discurso bolsonarista, especialmente quando expressa saudosismo da ditadura militar, remete à ideia de ordem pública. Conforme esse discurso, depois de anos de confusões e balbúrdias criadas pela esquerda e seus movimentos sociais, Jair Bolsonaro viria impor o estrito cumprimento da lei e a mais rigorosa ordem no País. Não é o que se vê.

Os bloqueios das estradas começaram justamente no 7 de Setembro, data escolhida pelo bolsonarismo para afrontar o Supremo Tribunal Federal (STF). E não se trata de coincidência. A pauta dos caminhoneiros é a mesma pauta de Jair Bolsonaro.

Em um vídeo que circula nas redes sociais, Francisco Burgardt, um dos líderes do movimento Caminhoneiros Patriotas, prometeu entregar ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um documento exigindo a destituição de ministros do STF. “O povo não aguenta mais esse momento que o País está atravessando através da forma impositiva que o STF vem se posicionando. O povo está aqui (na Esplanada dos Ministérios) buscando solução e só vamos sair com solução na mão”, disse Francisco Burgardt. A fala de Chicão Caminhoneiro, como é conhecido, reflete fidedignamente o que o presidente Bolsonaro diz todos os dias.

Foi constrangedora a reação de Jair Bolsonaro aos bloqueios das estradas, revelando uma vez mais sua incapacidade de se portar em conformidade com o cargo que ocupa. O presidente enviou um áudio, em tom de súplica, aos caminhoneiros. “Dá um toque nos caras aí para liberar”, disse Jair Bolsonaro. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, confirmou a autenticidade da gravação.

Incapaz de exercer a autoridade que lhe compete na defesa da lei e da ordem, o presidente Bolsonaro trata os desordeiros como companheiros e aliados políticos. “Deixa com a gente em Brasília. Não é fácil negociar com outras autoridades, mas vamos fazer nossa parte. Vamos buscar uma solução para isso”, disse Bolsonaro no áudio.

A súplica do presidente não parece ter sido muito convincente. Há quem continue achando que o apoio a Jair Bolsonaro significa paralisar o País. “Vamos trancar todo o Brasil porque estamos do lado do senhor (presidente Bolsonaro)”, disse o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão, em vídeo divulgado nas redes sociais.

Trata-se de uma situação absolutamente disfuncional, mas que, a rigor, é a mais natural consequência do bolsonarismo. Ante um presidente da República que sai às ruas no 7 de Setembro para afrontar o Supremo e dizer que não cumprirá determinadas ordens judiciais, seria de estranhar que seus aliados políticos manifestassem alguma razoabilidade ou civilidade.

No dia 27 de agosto, o presidente Bolsonaro recomendou que a população comprasse fuzil. “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”, falou Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada. Perante essa recomendação, deve-se admitir que a insistência de Zé Trovão no bloqueio das estradas não está desalinhada com o bolsonarismo e seu líder. “Tem gente ligando aí, mandando desmobilizar as paralisações, mas não vamos aceitar. Fecha tudo”, pediu Zé Trovão.

Desde que assumiu a Presidência da República, Jair Bolsonaro dedica-se a criar conflitos, proferir ameaças e destruir possíveis pontes e canais de diálogo. Não é de estranhar, portanto, que seus aliados bloqueiem estradas, como tática para impor reivindicações. Eis o bolsonarismo e suas consequências.

Os órfãos da pandemia

O Estado de S. Paulo

Ao todo, cerca de 113 mil brasileiros com até 18 anos perderam ou o pai ou a mãe neste período

Com base num estudo divulgado pela conceituada revista científica The Lancet, que envolveu 21 países sob a coordenação dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, em colaboração com o Imperial College e a Universidade de Oxford, duas respeitadas instituições acadêmicas do Reino Unido, a revista Pesquisa, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), chamou a atenção para mais um importante problema trazido pela pandemia. 

Trata-se da desestruturação familiar que vem sendo causada pelo expressivo crescimento do número de crianças que ficaram órfãs, por causa da morte de seus pais, mães ou avós, em decorrência da covid-19. Segundo o estudo, entre março de 2020 e abril deste ano, mais de 1,5 milhão de crianças desses 21 países perderam os familiares dos quais dependiam por causa da pandemia. 

Os países estudados concentraram 77% das mortes por doenças provocadas pela covid-19. Segundo o estudo, em todos esses países morreram mais pais do que mães e, em alguns, a taxa foi cinco vezes mais alta entre os homens. Com base nesses dados, os autores do levantamento criaram modelos matemáticos para estimar as mortes de cuidadores, principais (pais e mães) ou secundários (avós e tios), decorrentes do coronavírus e monitorar o agravamento do problema. 

Os índices mais elevados de morte dos cuidadores primários foram registrados no Peru, com 10,2 órfãos por mil crianças, na África do Sul (5,1) e no México (3,5). Com uma taxa de 2,4 órfãos para cada mil crianças, o Brasil ficou em quarto lugar nesse ranking. Ao todo, cerca de 113 mil brasileiros com até 18 anos perderam ou o pai, ou a mãe, ou ambos. O problema é que muitas crianças e jovens vivem em famílias monoparentais, com baixa renda. Segundo o IBGE, 40% das famílias brasileiras são chefiadas por mães ou avós. 

“O crescimento da orfandade representa uma pandemia oculta associada à covid-19. Ao perder seus cuidadores, essas crianças e jovens podem enfrentar várias consequências adversas, como pobreza, violência e transferência para creches. Para mitigar os efeitos da situação, é necessário acelerar a distribuição equitativa de vacinas e oferecer apoio psicossocial e econômico para ajudar as famílias a criarem essas crianças sem cuidadores principais, evitando, desse modo, que elas acabem sendo enviadas para orfanatos”, afirma a médica epidemiologista Susan Hills, uma das autoras do estudo.

Além disso, nas famílias em que pai e mãe precisam trabalhar para compor a renda familiar, a perda de recursos decorrente da morte de um deles está levando crianças e jovens a abandonarem as salas de aula para ingressar no mercado de trabalho. Outro problema associado a esse é o fato de que, em 20,6% dos domicílios brasileiros, a renda de pessoas com mais de 60 anos corresponde a mais da metade do orçamento familiar. E em 18,1% dos lares do País a subsistência familiar depende exclusivamente da renda de idosos. “O apoio entre gerações por meio de arranjos familiares tem funcionado como estratégia de sobrevivência no País”, afirma Ana Amélia Camarano, economista e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). 

Como a incidência de mortes pela covid-19 é bastante alta nas faixas etárias acima de 60 anos, esse é mais um fator que está levando crianças e jovens a deixar de estudar para trabalhar. “A grande quantidade de órfãos da pandemia pode desarticular as possibilidades de o Brasil contar com uma população mais produtiva e qualificada, aprofundando as desigualdades de renda”, diz Juliana Inhasz, professora de economia do Insper.

O estudo do CDC mostra como os países desenvolvidos vêm se preparando para enfrentar os problemas sociais decorrentes da pandemia, como é o caso do crescimento da orfandade, quando ela passar. Já no Brasil, cujo governo é chefiado por um presidente inepto, negacionista e sem compaixão pelos mortos pela pandemia, pouca ou nenhuma atenção tem sido dada a esse problema. 

O efeito desastroso de Bolsonaro na economia brasileira

O Globo

A reação dos empresários às manifestações do 7 de Setembro são o sinal mais contundente do efeito desastroso do governo Jair Bolsonaro na economia brasileira. Reportagem do GLOBO revelou a angústia de líderes dos setores automotivo, aéreo, químico, têxtil, varejista e turístico. Não se trata da chiadeira de investidores especulativos do mercado financeiro. A amostra traduz o sentimento de quem aposta seu capital na economia real — quem produz, gera emprego e riqueza no país.

O cenário é tétrico. Descontrole do dólar. Inflação recorde beirando os 10% nos últimos 12 meses. Disparada no preço dos combustíveis provocando revolta entre caminhoneiros. Novas variantes mostrando que a pandemia não dá sinal de trégua e adiando todo plano de investimento e a recuperação da atividade. E o mais importante: o desgoverno paralisando a política e emperrando todas as iniciativas do Parlamento, do Orçamento de 2022 à agenda de reformas e privatizações.

Depende do Congresso a solução para o buraco orçamentário aberto pela previsão de R$ 90 bilhões em dívidas judiciais a pagar em 2022 e pelo desejo do governo de criar um novo programa social com fins eleitoreiros, o Auxílio Brasil, ao custo de R$ 60 bilhões. Duas tentativas de parcelar o pagamento das dívidas — resposta absurda, que equivaleria a um calote — foram ensaiadas: uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) e a negociação capitaneada pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Luiz Fux. Mesmo que Bolsonaro tenha ontem tentado aliviar o clima de conflagração emitindo uma nota, continua difícil alguma dessas iniciativas prosperar.

Depende ainda do Congresso a aprovação das leis para permitir a privatização dos Correios e para estabelecer o novo marco regulatório capaz de destravar investimentos no setor ferroviário, tornando o transporte menos sujeito às rodovias e aos caminhoneiros. Dependem do Congresso, por fim, as reformas tributária e administrativa, que a inépcia do Executivo tratou de transformar em projetos descabidos ou, na melhor hipótese, tímidos diante do que o país precisa, merece e exige. Nada disso, rigorosamente nada, terá prioridade no curto prazo.

Como se não bastasse, o governo Bolsonaro dá de ombros para a crise hídrica e a ameaça à geração de energia, essencial ao crescimento. Também difunde a imagem do Brasil como uma espécie de piromaníaco a devastar a Amazônia — e não sem motivo. A consequência é sentida nas restrições crescentes às exportações do agronegócio e na estagnação de negociações comerciais. O Brasil também tem sido incapaz de formular e pôr em marcha uma estratégia coerente para a economia de baixas emissões, força do século XXI.

Diante de tanta incompetência, é natural o desespero e a reticência dos empresários. Para a economia avançar, Executivo e Legislativo precisariam ter a disposição e a energia necessárias para se dedicar à tarefa. Dá para acreditar na trégua no golpismo de Bolsonaro? As crises sucessivas que desencadeia ao menos têm despertado representantes do setor produtivo que apostaram nele como vetor de um projeto de modernização econômica. Muitos se dão conta agora do tamanho do equívoco que cometeram, de que nada se faz na economia sem instituições políticas sólidas e de que é, portanto, da preservação da democracia que o país precisa cuidar em primeiro lugar.

Bloqueio de rodovias por caminhões viola a lei e precisa ser reprimido

O Globo

É dever do Estado — portanto do presidente da República — garantir o direito de todos os brasileiros a transitar livremente pelo território nacional viajando pelas estradas do país. Sob o pretexto de protestar contra a alta no preço dos combustíveis, uma minoria entre os caminhoneiros bloqueou parcial ou totalmente rodovias em pelo menos 14 estados um dia após as manifestações antidemocráticas comandadas pelo presidente Jair Bolsonaro. Um grupo menor ocupou a Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Ainda na noite de quarta-feira, Bolsonaro e o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, gravaram mensagens de voz pedindo que as estradas fossem liberadas. Argumentaram que o protesto atrapalha a economia e provoca aumento da inflação. Ontem as interdições começaram a ser desfeitas ao longo do dia.

O resultado não significa que Bolsonaro e Freitas tenham acertado na resposta ao movimento. É verdade que bloqueios podem causar desabastecimento, elevar os preços e prejudicar a recuperação da economia, num momento em que o governo enfrenta indicadores tenebrosos. Também é certo que a frota nacional de quase 3 milhões de caminhões é responsável pela distribuição de quase tudo no Brasil — de alimentos a insumos para a indústria. O segmento responde por cerca de 60% da movimentação de cargas.

O motivo para liberar as rodovias, no entanto, é outro, bem mais óbvio: bloqueios são ilegais, independentemente de quem ocupe o Palácio do Planalto ou da conjuntura econômica. Em qualquer circunstância, é obrigação do governo federal tomar medidas enérgicas para garantir o direito básico de todos os brasileiros a ir e vir para onde quiserem no país.

Restrições ao deslocamento são justificáveis apenas em situações extremas —é o caso das medidas adotadas localmente para evitar aglomerações e o contágio durante a pandemia. Mesmo nesses casos extraordinários, é uma decisão que cabe às autoridades, não a um grupo de arruaceiros. O Estado deve, portanto, usar todos os instrumentos, de multas à força policial, para desobstruir as estradas. Vale agora. Vale também para eventuais protestos futuros.

Em 2018, a greve dos caminhoneiros tumultuou o país, com apoio do então deputado federal Jair Bolsonaro. Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro pouco fez pela categoria. Os investimentos da União em rodovias têm caído (de R$ 8,1 bilhões em 2018 para R$ 6,9 bilhões em 2019 e R$ 6,7 bilhões em 2020).

Pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostrou que o típico caminhoneiro tem 45 anos, dirige um veículo com 15 anos, trabalha 11 horas por dia e roda 8.500 quilômetros para ganhar R$ 4.600 líquidos todo mês. São profissionais que enfrentam assaltos e roubos, estradas esburacadas, sem falar nos acidentes. É obrigação do governo ouvir as demandas dessa importante categoria, mas sem deixar que uma minoria descumpra a lei para promover arruaça.

Golpismo no asfalto

Folha de S. Paulo

Açulados por Bolsonaro, caminhoneiros sabotam o país com pauta antidemocrática

Parlamentares e militantes bolsonaristas convocaram caminhoneiros para os atos golpistas do 7 de Setembro. Alguns dos engajados nessa causa do presidente da República são investigados no Supremo Tribunal Federal, entre eles um autointitulado líder dos motoristas e o presidente da Associação dos Produtores de Soja do Brasil.

Na véspera do feriado nacional, caminhões invadiram e ocuparam a oficialmente interditada Esplanada dos Ministérios, em Brasília, entre eles vários veículos ligados a empresas do setor agropecuário.

Depois, caminhões foram usados em bloqueios de estradas em ao menos 15 estados. Na noite de quarta (8), Jair Bolsonaro, ao que parece preocupado com a economia, pediu aos “caminhoneiros aí” que, “se for possível”, liberem as vias, como se ouve no áudio enviado a quem chama de “aliados”

Como fica evidente, o presidente e seus apoiadores estão envolvidos de um modo ou de outro na promoção de mais essa baderna.

Bolsonaro e algumas entidades empresariais estão ligados ao movimento sindical e político dos caminhoneiros desde a paralisação de maio de 2018, que quase levou o país ao colapso. O movimento teve o apoio do hoje presidente, à época deputado, e de associações como a Aprosoja e a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas.

Segundo integrantes do governo Michel Temer (MDB), inclusive, tratou-se também de um locaute, com o envolvimento de empresários do setor de transporte.

Caminhoneiros se articularam desde então, em particular por redes sociais, mas diversos representantes dos motoristas autônomos negaram participação nas manifestações do Dia da Independência. Ao que parece, os bloqueios são liderados por voluntários engajados na ofensiva autoritária e bolsonaristas como Marcos Pereira.

Conhecido como Zé Trovão, esse militante é investigado por incentivar atos golpistas e diz estar ao lado de Bolsonaro, a quem pede ajuda. Afirma ser vítima de perseguição política, como outros ativistas presos ou suspeitos de promoverem ataques à ordem constitucional, entre outros crimes.

Os caminhoneiros bolsonaristas acreditaram nas palavras do presidente da República, que insuflou ataques ao Supremo Tribunal Federal e pregou a desobediência a decisões judiciais —a ocupação da Esplanada e os bloqueios de estradas são um subproduto do ataque às instituições democráticas promovido desde o Planalto.

O descaramento avançou nesta quinta (9), quando líderes da sabotagem motorizada se encontraram com Bolsonaro —por si só, um escândalo— e disseram que a liberação das vias será condicionada a uma audiência com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para debater a ação do STF.

A pretensão seria um desplante digno de risos, não tivessem os chantagistas já sido recebidos pela mais elevada autoridade do país.

Fiasco sem remédio

Folha de S. Paulo

Aviltada, Saúde desperdiça R$ 240 mi em medicamentos sem explicação razoável

Com menos de seis meses no Ministério da Saúde e três antecessores no mesmo governo, Marcelo Queiroga sem dúvida enfrenta problemas para se explicar diante dos múltiplos fiascos da pasta —e o caso dos medicamentos vencidos é só o mais recente deles.

Folha revelou na segunda-feira (6) que o governo federal deixara expirar o prazo de validade de um estoque farmacológico avaliado em R$ 240 milhões. Com a quantia desperdiçada seria possível comprar 4,5 milhões de doses da vacina da Pfizer contra a Covid.

Perderam-se 820 mil canetas de insulina e 12 milhões de doses de vacina contra gripe, hepatite B e varicela, por exemplo. Os demais remédios aliviariam pacientes com hepatite C, câncer, Parkinson, Alzheimer, tuberculose, doenças raras, esquizofrenia, artrite reumatoide e problemas renais, entre outros padecimentos.

Os 3,7 milhões de itens na central logística em Guarulhos (SP) serão agora incinerados, embora muitos deles faltem em unidades básicas de saúde do país. Só em medicamentos de alto custo adquiridos pelo SUS por ordens da Justiça, R$ 32 milhões virarão fumaça.

Queiroga tentou explicar-se na quarta-feira (8), durante reunião da Comissão Temporária da Covid-19 no Senado. Buscou transferir a culpa para governos passados, alegando que produtos vencidos haviam sido comprados nas gestões de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

Dados obtidos por este jornal deixam claro que a maioria dos produtos teve as datas de validade ultrapassadas já no governo Jair Bolsonaro. Tal desastre não chega a surpreender, pois o presidente tem feito de tudo para tumultuar o ministério, trocando sucessivamente de ministro na pior emergência sanitária enfrentada pelo país.

É ironia amarga Queiroga ter sido precedido por um militar tido como especialista em logística. O general Eduardo Pazuello, contudo, esteve mais ocupado em acolher atravessadores de vacinas do que em gerir paióis de remédios —e terminou promovido a cargo na intimidade do Palácio do Planalto.

A ineficiência no setor decerto não começou com Bolsonaro, mas será difícil encontrar descaso e inépcia comparáveis na história.

Inflação não dá trégua e testa políticas monetária e fiscal

Valor Econômico

O presidente tentará se reeleger com a economia jogando contra, o que é meio caminho (ou mais) andado para a derrota

A inflação deu um alívio momentâneo às contas públicas no primeiro semestre, mas como segue em um embalo ainda forte colocará sérios problemas para o orçamento de 2022, já enviado ao Congresso - como peça de ficção - e que terá de ser revisto em novembro. A alta do INPC em agosto, de 0,88%, e de 10,42% em 12 meses, retrospectivamente fazem dos R$ 124 bilhões de margens extras de gastos para o ano que vem, ambicionada pelo governo, um sonho de uma noite de verão. Na verdade, o risco cada vez mais presente é de não haver margem alguma.

A variação dos preços dos combustíveis, em primeiro lugar, e da energia elétrica, em segundo, se espalha por toda a economia e os juros, que estão subindo rapidamente, têm pouco poder sobre ela. Os aumentos já observados em 12 meses são compatíveis com a megadesvalorização do real, para a qual boa parte das causas tem relação com a balbúrdia e a falta de rumos do governo de Jair Bolsonaro. A gasolina subiu 39% no período, o gás de botijão 31,7% e o diesel só neste ano, até agosto, 28%. Fora dos preços monitorados, mas também refletindo a depreciação do real, as carnes aumentaram 30,7% em um ano.

A persistência e a disseminação da alta dos preços traz problemas sérios para as políticas monetária e fiscal por si só, e ainda mais sérios se conjugados a um previsível crescimento raquítico em 2022, ao risco de um agravamento da crise hídrica, à continuidade dos distúrbios nas cadeias produtivas, que encarecem os bens industriais, e às arruaças antidemocráticas do presidente da República, que minam os componentes das expectativas e da previsibilidade que afetam a economia como um todo. Adicionalmente, a recuperação do setor de serviços trará uma recuperação de seus preços. A inflação subjacente dos serviços (exclui turismo, serviços domésticos e comunicação, entre outros), subiu para 4,97% em um ano.

O Banco Central poderá aumentar os juros mais rápida e fortemente, mas seu efeito sobre o IPCA neste ano é marginal. O BC está de olho na meta de inflação de 2022, de 3,5%, da qual as expectativas do mercado estão se afastando progressivamente. As estimativas para o IPCA em 2021 já se aproximam de 8%. Recolocar a inflação na meta e derrubá-la a mais da metade em um exercício é uma tarefa muito difícil, ainda mais em um ano eleitoral. Por isso, as expectativas apontam para um aumento do juro real já razoavelmente acima do neutro (3%) por um tempo maior do que se poderia esperar antes, com custos significativos sobre a atividade econômica.

A alta dos preços tem fôlego para continuar. Em agosto, o índice de difusão foi de 77% - elevação de 3 em cada 4 produtos - e a média dos núcleos calculados pelo BC avançou de 5,49% para 6,09% em 12 meses, pelos cálculos da MCM Consultoria. Em agosto, o aumento dos alimentos, da habitação (onde se inclui a energia elétrica) e transportes somaram 0,71% dos 0,87% do IPCA. Os resultados poderiam ser piores? Sim e já o são no INPC, que reajusta as maiores despesas obrigatórias do orçamento, como os gastos da previdência, e que mede a variação dos preços na faixa de até 5 salários mínimos. Apesar de queda em agosto em relação a julho, tanto o índice no ano (5,94%) quanto em 12 meses (10,42%) são piores que os do IPCA.

A expectativa para o INPC se desloca para a casa dos 8% no ano e pode ultrapassar esta marca. O orçamento de 2022 foi concebido com um INPC de 6,2%, enquanto o teto de gastos foi reajustado em 8,35%. Se forem iguais os dois indexadores, não haverá folga orçamentária alguma. Se o INPC for maior, o orçamento terá de ser mais contracionista nas despesas discricionárias, que se aproximam do limite de garantia do funcionamento da máquina pública. Por outro lado, mesmo com a ajuda inflacionária nas receitas, um PIB abaixo de 2,5% em 2022 derrubará a arrecadação.

Ainda que seja possível manter o déficit primário perto do previsto (R$ 49,6 bilhões, ou 0,5% do PIB), o déficit nominal, que inclui a carga de juros, terá deterioração importante. O cenário favorável vislumbrado pelo governo, de aumento do crescimento, espaço orçamentário para elevar dotações e amplitude de programas sociais, redução do desemprego e normalização rápida dos juros faz água por todos os lados. O presidente tentará se reeleger com a economia jogando contra, o que é meio caminho (ou mais) andado para a derrota. Bolsonaro consegue a proeza de, sem qualquer oposição influente, arruinar por conta própria suas perspectivas políticas

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