sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro não vai mudar

O Globo

No oitavo dia do governo de Jair Bolsonaro, o ex-ministro Fernando Haddad deu um conselho aos adesistas de plantão: “Antes de defender uma bozoideia, espere 24h. Poupa o esforço de defender o recuo”.

O capitão mal havia vestido a faixa e já voltara atrás diversas vezes. Anunciou um aumento no IOF e foi desmentido. Prometeu ampliar a isenção do Imposto de Renda e desistiu. Admitiu a instalação de uma base americana e mudou de ideia.

O vaivém era previsível. Eleito sem um programa de governo, Bolsonaro nunca mostrou interesse nos problemas da gestão pública. Seu negócio é solenidade militar, agitação na internet e passeio de motocicleta.

O recuo encenado ontem é de outra natureza. Não está ligado à ausência de planos ou à incompetência. Faz parte de uma estratégia política.

Na terça-feira, o presidente engrossou a voz contra o Supremo e ameaçou descumprir decisões judiciais. Na quinta, falou manso e jurou que não teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”.

Na carta do capitão, as ameaças à democracia, ensaiadas por meses a fio, viraram palavras ditas “no calor do momento”. O ministro Alexandre de Moraes, que ele descreveu no palanque como um “canalha”, foi promovido a “jurista e professor”.

“Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles”, afirmou o presidente. O mesmo que usou o 7 de Setembro para estimular ataques ao Judiciário e insinuar que decretaria estado de sítio.

O número de Bolsonaro é conhecido. Ele ateia fogo na República e reaparece fantasiado de bombeiro. A cada incêndio controlado, avança mais um pouco em sua escalada autoritária.

Desta vez, o teatro da moderação está ligado ao instinto de sobrevivência. Em vez de se dobrar às ameaças golpistas, o Supremo resolveu peitá-lo. Alvo de quatro inquéritos, o Cavalão refugou mais uma vez.

Bolsonaro não vai mudar. Como aconteceu em outras crises, vai simular uma trégua até farejar o momento de atacar novamente. Entre idas e vindas, o presidente tenta negociar um acordão para salvar a própria pele. Não foi por acaso que ele entregou a redação da carta a um especialista.

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