O Globo
No oitavo dia do governo de Jair Bolsonaro,
o ex-ministro Fernando Haddad deu um conselho aos adesistas de plantão: “Antes
de defender uma bozoideia, espere 24h. Poupa o esforço de defender o recuo”.
O capitão mal havia vestido a faixa e já
voltara atrás diversas vezes. Anunciou um aumento no IOF e foi desmentido.
Prometeu ampliar a isenção do Imposto de Renda e desistiu. Admitiu a instalação
de uma base americana e mudou de ideia.
O vaivém era previsível. Eleito sem um programa de governo, Bolsonaro nunca mostrou interesse nos problemas da gestão pública. Seu negócio é solenidade militar, agitação na internet e passeio de motocicleta.
O recuo encenado ontem é de outra natureza.
Não está ligado à ausência de planos ou à incompetência. Faz parte de uma
estratégia política.
Na terça-feira, o presidente engrossou a
voz contra o Supremo e ameaçou descumprir decisões judiciais. Na quinta, falou
manso e jurou que não teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”.
Na carta do capitão, as ameaças à
democracia, ensaiadas por meses a fio, viraram palavras ditas “no calor do
momento”. O ministro Alexandre de Moraes, que ele descreveu no palanque como um
“canalha”, foi promovido a “jurista e professor”.
“Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles”, afirmou o presidente. O mesmo que usou o 7 de Setembro para estimular ataques ao Judiciário e insinuar que decretaria estado de sítio.
O número de Bolsonaro é conhecido. Ele
ateia fogo na República e reaparece fantasiado de bombeiro. A cada incêndio
controlado, avança mais um pouco em sua escalada autoritária.
Desta vez, o teatro da moderação está
ligado ao instinto de sobrevivência. Em vez de se dobrar às ameaças golpistas,
o Supremo resolveu peitá-lo. Alvo de quatro inquéritos, o Cavalão refugou mais
uma vez.
Bolsonaro não vai mudar. Como aconteceu em
outras crises, vai simular uma trégua até farejar o momento de atacar
novamente. Entre idas e vindas, o presidente tenta negociar um acordão para
salvar a própria pele. Não foi por acaso que ele entregou a redação da carta a
um especialista.
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