O Estado de S. Paulo / O Globo
Nada do que estamos vivendo ocorreria se aprendêssemos algo com o passado
Esta coluna tem tema — o impacto das
transformações digitais no mundo. Mas esta não é uma semana qualquer. Na
terça-feira, logo um 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro juntou uma
pequena multidão na avenida Paulista e ameaçou violar o artigo 85 da
Constituição. É aquele que obriga alguém em seu cargo a cumprir decisões
judiciais sob a pena de impeachment. Durante aquele dia, a PM do Distrito
Federal resistiu a sete ofensivas contra o Palácio do Supremo. Foi uma
tentativa de golpe de Estado, que se frustraria, o que não faz disso menos
grave. Dois dias depois, na quinta, perante um impeachment posto no radar,
Bolsonaro se acovardou. Tenta recuar do desastre com uma carta escrita pelo
ex-presidente Michel Temer. Peço licença, pois, aos leitores habituais da
coluna para vestir só nesta semana meu outro chapéu profissional — o do
jornalista que escreve sobre história. Porque nada do que estamos vivendo ocorreria
se aprendêssemos algo com o passado.
A primeira lição: existe um germe militar autoritário na cultura política brasileira. Sempre que o País se desorganiza, um grupo grande o suficiente de brasileiros bate à porta dos quartéis. Por algum motivo, acreditamos que os militares representam ordem, disciplina e competência. Foi assim em 1889, quando Deodoro pôs abaixo o Império. Também foi assim em 1937, quando Getúlio se apoiou em dois marechais para cercar o Congresso e encerrar o período da melhor Constituição que tivemos até 1988. A eleição de Eurico Gaspar Dutra foi isso. Ia sendo assim em 1954, quando o mesmo Getúlio — agora na outra ponta — meteu um tiro no peito evitando um golpe. Em 1964. E, em 2018, perante o caos deixado pela instabilidade da década de 10, com a eleição de Bolsonaro.
Nunca dá certo. Os governos militares foram
uniformemente incompetentes, ineptos, desordeiros, corruptos e desorganizados.
A única promessa que militares cumprem no poder é que, ora, autoritários eles
são mesmo. Por que não aprendemos que é um desastre? É um mistério. Mas o
resultado é sempre o mesmo.
A segunda lição é uma que a centro-esquerda
não consegue aprender. É incapaz de pactuar com o Centro democrático. Para a
Esquerda brasileira, é como se o Centro não existisse. Tudo para além é a
‘Direita’. Com a Direita fisiológica tem conversa — Getúlio fez muito disso. A
Centro-Esquerda então transforma sua vertente radical em massa de manobra.
Jango fez muito disso. Pactuar com o Centro? Nunca. Sequer reconhecer a existência
de tal coisa. É assim que Fernando Henrique Cardoso passou sua presidência
sendo chamado de fascista.
Se tivesse havido um diálogo cordial e
democrático em cima da extensa interseção de objetivos de Centro-Esquerda e
Centro, a história da Nova República teria sido outra.
Mas este Centro, do qual fazem parte os
Liberais, também tem culpa no cartório. Mesmo alguns de nossos melhores
Liberais, dentro os mais convictos democratas como Ruy Barbosa e Afonso Arinos,
sempre existe esta ilusão do atalho autoritário. Uma ditadura curta vai
promover reformas tão difíceis de realizar na Democracia. Um autoritário de
pulso firme fará o que é preciso para o Brasil entrar nos trilhos.
Como pode um Liberal apoiar um autoritário?
Está entre nossas jabuticabas brasileiras. Sempre dá errado.
A mais cruel das lições é outra. Assim como a Frente Ampla que juntou Carlos Lacerda, João Goulart e Juscelino Kubitschek demorou três anos de ditadura para enfim sair, os democratas são incapazes de caminhar juntos perante uma ameaça à democracia. A gente não aprende.
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