Folha de S. Paulo
Economia avançaria com Bolsonaro na camisa
de força, mas seu poder depende de loucura
O estrago social, econômico e político da
inflação está dado e vai durar até bem entrado o ano de 2023, pelo menos, isso
se tudo der muito certo. A taxa de
inflação, o ritmo do aumento médio de preços, pode até diminuir, mas
o nível de preços ficará nas alturas; os salários, ao menos dos mais pobres,
metade do país, não vão subir a ponto de compensar a carestia. Pode até ser que
o rendimento de remediados e mais ricos, com emprego formal etc., volte a
subir, mas a curto prazo isso realimenta a inflação, afora milagres.
Como ficam a eleição e o governo de Jair Bolsonaro, dada essa situação? Se ele deixasse de ser o que é, haveria uns esparadrapos possíveis. Mas é difícil de acreditar nessa ficção, em chifre em cabeça de cavalo, imaginar que Bolsonaro vá abandonar adeptos, sectários e falangistas, que ainda lhe dão chance de ficar no poder. Ou seja, o projeto de tirano teria de trocar o certo (seus adeptos) por uma melhora difícil e de efeito político incerto na economia.
Se a política monetária funcionar (a alta dos
“juros do Banco Central”), o ritmo da economia tende a desacelerar
antes da inflação, afora milagres, o que deve ficar claro ao longo de 2022.
Além dos fatores que estão fora do alcance de qualquer governo brasileiro, a
dúvida política maior é saber o que pode piorar a situação ou compensar os
danos causados pela carestia e por uma recuperação econômica (despiora) que
será desigual por fatores conjunturais e estruturais.
O governo poderia contribuir para frear a
inflação se a fervura do dólar baixasse. Para tanto, Bolsonaro teria de
interromper seu projeto golpista. Mais do que isso, teria de fazer uma política
econômica feijão-com-arroz e, de resto, esperar que Paulo Guedes não aprontasse
nenhuma nova incompetência.
Feijão-com-arroz quer dizer não inventar
modas com as contas do governo, pois os credores, os donos do dinheiro, “o
mercado”, estão inquietos. Ou seja, não fazer gambiarras
excessivas com os precatórios e coisas assim; evitar um “Auxílio
Brasil” gordo. Em resumo, teria de se limitar a fazer um pacote
eleitoral miudinho, o que custa uns pontos eleitorais, no entanto.
Suponha-se que Bolsonaro continue a
fazer a pose desta
quinta-feira (quando faz a cena de que “vai melhorar”, finge
imitar o governo de Michel Temer): que não dê um tiro na cabeça do zumbi de sua
política econômica. Daqui em diante haverá mais gente com algum trabalho (o
salário dos pobres não recupera perdas, mas alguns deles passam a ter alguma
renda), como se observa nestas colunas desde maio. A vacinação progredirá e, se
continuar esta recente e relativa sorte virológica, a epidemia regredirá, com o
que o setor de
serviços tende a retornar com um tanto mais de força, entre outros
possíveis benefícios (a não ser que o luto nacional seja furibundo).
Pouco mais se pode fazer a respeito da
inflação e dos efeitos na produção que resultam de choques mundiais de preços
(commodities, insumos escassos) ou falta de chuva; dos que podem resultar da
alta de juros nos EUA.
Bolsonaro é motivo de incertezas que chutam
o dólar para cima, tolhem investimentos e provocam aumento de preços
preventivos. Quanto mais durem as incertezas, como as fiscais, mais difícil
conter a deterioração por inércia: inércia da inflação, de contenção de consumo
e investimento por precaução, das condições financeiras ruins.
Dado o estrago que já foi feito, quem sabe
a atitude “racional” de Bolsonaro seja mesmo barbarizar. Se por mais não fosse,
tem ainda o impulso essencial da imbecilidade desvairada e de seu projeto de
fundo (tirania e escapar da cadeia).
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