Correio Braziliense
O que Bolsonaro fala não se escreve. Agora,
com a sua Mensagem à Nação, na qual se compromete a respeitar a
Constituição de 1988, veremos se cumpre o que escreve
Ex-banqueiro, ex-deputado, ex-governador de
Minas Gerais e então ministro das Relações Exteriores na época da publicação do
Ato Institucional no 5, em 13 de dezembro de 1968, Magalhães Pinto eram um
político conservador, que apoiou o golpe de 1964, como a maioria dos caciques
da antiga União Democrática Nacional (UDN). Para ele, a política era como uma
nuvem: “Você olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou”.
Signatário do histórico Manifesto dos Mineiros, lançado por setores liberais contra o Estado Novo (1937-1945), em outubro de 1943, mesmo assim Magalhães Pinto subscreveu o AI-5 na “esperança” de que o decreto tivesse vigência de seis ou oito meses, diria em entrevista, 16 anos depois. O regime militar só acabou em 1985, com a eleição de Tancredo Neves, seu adversário histórico do antigo PSD. O tempo fora suficiente para volatilizar seu projeto de chegar à Presidência da República, frustração que também ocorreu com outros políticos golpistas, como o ex-governador carioca Carlos Lacerda, que teve o mandato cassado pelos militares.
As nuvens da política no Planalto são
caprichosas e traiçoeiras. Nessa época do ano, em que a seca castiga o Distrito
Federal, elas aparecem e desaparecem ao sabor do vento. As chuvas, com raios e
trovões, são uma raridade, mas eventualmente ocorrem. Na terça-feira, Dia da
Independência, Brasília amanheceu sob um ameaçador cumulonimbus, uma formação
semelhante àquelas “Nuvens Negras” que intitularam o editorial do antigo
Correio da Manhã, a senha para a marcha das tropas do general Mourão Filho, de
Juiz de Fora para o Rio de janeiro, em 31 de março de 1964, o estopim da
destituição do presidente João Goulart.
Existem nuvens em camadas e nuvens
convectivas. Nuvens em camadas aparecem altas no céu, são as mais comuns nessa
época do ano em Brasília. As nuvens convectivas estão mais próximas da superfície
da Terra. Em 1802, o inglês Luke Howard criou quatro categorias
de nuvens usadas até hoje: cumulus, stratus, nimbus e cirrus. O nome
cumulus vem do latim e significa “pilha” ou “montão. Nimbus é a palavra
para “nuvem” em latim. Nuvens nimbus são produtoras de precipitação. A
categoria nimbus é frequentemente combinada com outras categorias para
indicar condições de tempestade.
Na gíria dos morros e subúrbios
cariocas, “CB” significa “sangue bom”. Na meteorologia, porém, a
sigla significa cumuloninbus, um terror para pilotos e navegantes. São nuvens
que podem ocorrer a qualquer momento, durante todo o ano. Na aviação,
limitam o espaço aéreo, pois o voo dentro delas é de extremo risco — também
afetam pousos e decolagem. No mar, nos rios e nos lagos, podem causar
naufrágios. Provocam turbulência, granizo, formação de gelo, saraiva (granizos
lançados para fora da nuvem, em ar claro), relâmpagos e, por vezes, tornados.
Há registros de ventos de 100 milhas/hora e tempestades de 8 mil toneladas de
água por minuto, que duram não muito mais do que meia-hora. Seus raios podem
chegar a 100 milhões de volts.
Dissipação
Terça e quarta-feira, parecia que um CB
levaria a Constituição de 1988 ao naufrágio e calcinaria os ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF). Mas era uma daquelas nuvens da nossa política.
No auge da tensão entre os manifestantes que ocupam a Esplanada e os ministros
do Supremo Tribunal Federal (STF), as tropas do Comando Militar do Planalto,
chefiadas pelo general de divisão Rui Yutaka Matsuda, estavam de prontidão,
para garantia da lei e da ordem, se assim fosse necessário. Não estavam
aquarteladas para dar um golpe de Estado, mas, sim, proteger o STF, se fossem
requisitadas pelo presidente da Corte, Luiz Fux. Por muito pouco, o presidente
Jair Bolsonaro não cometeu um grave crime de sedição ao incitar os
caminhoneiros contra o Supremo, o contrário do que deveria fazer como.
“comandante supremo” das Forças Armadas.
Enquanto as multidões que mobilizara
urravam, Bolsonaro se isolava politicamente. Na quar- ta-feira, as reações do
presidente do STF, Luiz Fux, e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), refletiram essa situação. Ontem, os
bloqueios de rodovias pelos caminhoneiros que apoiam Bolsonaro e querem fechar
o Supremo, e as reações do mercado financeiro, com ações em queda e dólar em
alta, reve- lavam que o presidente ainda estava dentro cumulonimbus, enquanto
os políticos e a magistratura o contornavam.
O antológico e duro discurso do ministro do
STF Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
durante a sessão da Corte, deixou muito claro que os ministros do Supremo não
se acovardariam. Coube ao ex-presidente Michel Temer, como se fosse um velho
controlador de voo, convencer o presidente a mudar de rota, enquanto as nuvens
se dissipavam. O que Bolsonaro fala não se escreve. Agora, com a sua Mensagem à
Nação, na qual se compromete a respeitar os demais Poderes e a Constituição de
1988, veremos se cumpre o que escreve.
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