O Estado de S. Paulo
Com a aprovação pela Câmara das mudanças no
ICMS, Lira transferiu o problema para o Senado. Bolsonaro já fez isso antes
O presidente da Câmara, Arthur Lira, achou
que conseguiria com mão de ferro dar uma resposta rápida para conter a alta dos
combustíveis. Embalado pelas críticas generalizadas da população à escalada dos
preços, encampou o discurso do presidente Jair Bolsonaro de transferir a culpa
dos preços altos para os governadores.
Em seguida, apresentou uma cesta de
propostas “salvadoras”, que incluía não só mexer na cobrança do ICMS (tributo
recolhido pelos Estados), mas também criar um fundo estabilizador dos preços
com dividendos pagos pela Petrobras ao Tesouro e royalties de petróleo.
Não demorou muito tempo para ele perceber,
em conversas com especialistas de dentro e fora do governo, que o buraco era
mais embaixo.
Lira partiu, então, para pressionar a Petrobras mais uma vez. Numa ação com pouco ou quase nenhum efeito prático, perguntou se não seria o caso de privatizar a Petrobras.
A fala foi repetida pelo presidente
Bolsonaro com a estratégia de pressionar a empresa a dar uma resposta e abrir o
bolso para aumentar os recursos destinados ao vale-gás, já que os R$ 300
milhões aprovados pela estatal ficaram muito aquém dos R$ 3 bilhões anunciados
por ele mesmo.
Bolsonaro não quer e não vai propor a
privatização da Petrobras. Tampouco o mercado financeiro caiu nesse Conto da
Carochinha.
A pressão na Petrobras é praticamente um
reconhecimento tácito de que não há condições de garantir uma solução que mantenha
o preço mais baixo de uma hora para outra. Mesmo lançando mão da prática de uma
espécie de “canetada das votações” de projetos, negociados com moeda de troca
das emendas parlamentares.
E o que fez depois o presidente da Câmara?
Correu para votar mais uma vez, um projeto
mal feito e sem nenhum debate na Casa. Numa votação relâmpago, na noite de
quarta-feira, após o feriado, os parlamentares decidiram atropelar a legislação
do ICMS e fixaram um valor para a incidência do imposto.
Se o projeto for aprovado pelo Senado, é
certo que vai parar nos tribunais. A votação serviu para Lira transferir a
batata quente para o Senado e dizer: a Câmara fez a sua parte. Bolsonaro já
tinha feito o mesmo antes.
Pura enganação.
É necessário reconhecer que a “operação Lira”
mexeu com os Estados. Estão divididos. Eles ficaram assustadíssimos com a forma
rápida como a votação evoluiu sem apoio das suas bancadas na Câmara. Terão,
agora, que reforçar a articulação no Senado.
O secretário de Fazenda de Alagoas, George
Santoro, contou em entrevista ao Estadão a razão para os governadores não terem
sensibilizado os parlamentares: “Não dá para competir com as emendas”. Os
argumentos técnicos e o bom debate não têm espaço nesse ambiente.
Pressionados, os Estados terão de sair da
zona de conforto. Não serve mais a postura inflexível de insistir na versão de
que as alíquotas do ICMS não mudaram e que não têm a ver com o problema. De
fato, muitos Estados já viram que terão de ceder e sair dessa guerra de
narrativas.
Tanto é assim que a proposta de
congelamento do preço de referência usado para a cobrança do ICMS até o final
de dezembro, antes rejeitada por eles, está sendo vista agora como uma porta de
saída para ganharem tempo na votação no Senado.
Os Estados querem incluir a Petrobras e o
Ministério da Economia para buscar um caminho para minimizar o problema, e
também acenam em mudar o número de vezes em que o preço médio é atualizado.
Hoje, isso é feito a cada 15 dias.
A vantagem para os Estados é de que até os
técnicos do Ministério da Economia reconhecem que o projeto que saiu da Câmara
não tem como ser operacionalizado, mas avaliam que o modelo pode ser
reformulado para melhorar o sistema que faz com que o ICMS acabe entrando no
preço que vai levar depois ao aumento do próprio imposto.
A batata quente está agora no Senado.
Enquanto isso, o presidente Bolsonaro já escolheu outro alvo. Avisou que
determinará ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que mude a
bandeira tarifária de energia elétrica de vermelha para normal.
Depois o presidente dirá aos eleitores que
tentou e não conseguiu. A culpa não será dele. Tem método.
PS: a coluna segue com a contagem
regressiva. Faltam 15 dias para o fim do auxílio emergencial. Não há solução
anunciada até agora.
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