O Globo
Que o presidente Bolsonaro não tem a menor
noção dos principais assuntos nacionais, já se sabia. Mas a ignorância revelada
no comentário sobre as bandeiras tarifárias na conta de luz é avassaladora.
Deveria ter causado uma confusão enorme nos meios econômicos e políticos, mas
está passando batido. O pessoal sabe que é ignorância, apenas uma bobagem.
Foi o seguinte: o presidente se queixou das
agruras de governar — como se ele pegasse no batente — e comentou que havia
sido muito duro colocar a conta de luz na bandeira vermelha, que aumenta o
custo.
Errado. A Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) está aplicando uma espécie de bandeira extraordinária, de
“escassez hídrica”, desde 1º de setembro, com vigência até 30 de abril de 2022.
Aumenta R$ 14,20 por 100 kWh, sendo a mais alta.
O objetivo: financiar a energia mais cara
fornecida pelas usinas termelétricas, hoje utilizadas intensamente devido à
falta de água nos reservatórios das hidrelétricas.
Reparem que a vigência foi estendida até
abril do ano que vem, justamente porque é preciso esperar todo o próximo
período de chuva para verificar se o nível dos reservatórios se normaliza.
Mas o presidente Bolsonaro entendeu, mal, que as recentes chuvas, esparsas, bastavam. Assim, ele disse que determinaria ao ministro da Energia, Bento Albuquerque, que voltasse à “bandeira normal”.
Primeiro, não existe bandeira normal.
Existem as verde, amarela, vermelha patamar 1 e vermelha patamar 2. Só a
primeira, verde, não inclui acréscimos na conta do consumidor e é aplicada
quando as condições hídricas são totalmente favoráveis. As demais somam valores
crescentes à conta.
Segundo, não é o ministro quem determina
isso, mas a Aneel, uma agência reguladora que deveria ser independente. Mas,
com o governo aparelhado, digamos que a palavra do presidente pesa mais.
O que faria a agência? Desceria da bandeira
“escassez hídrica” para a verde, que parece o mais próximo do normal?
Isso seria desmentir tudo o que os órgãos
técnicos do setor, governamentais e privados, têm dito: que a falta de água é
severa e duradoura. E que, por isso, a conta de luz tem de ser mais cara para
financiar as térmicas.
Voltar para a verde faria com que geradoras
e distribuidoras vendessem energia abaixo do custo, sofrendo enorme prejuízo —
exatamente como aconteceu com a tal Nova Matriz Energética de Dilma Rousseff.
O que acontecerá? Provavelmente o que já
aconteceu outras vezes: esquecerão o que o presidente falou.
Assim como não se levou a sério a
declaração de Bolsonaro de que estava “com vontade” de privatizar a Petrobras.
Não por razões de política econômica liberal, mas para se livrar da “culpa”
pelos aumentos seguidos dos combustíveis.
Outra bobagem. Mesmo que o setor fosse
totalmente privado, as pessoas cobrariam do governo o controle de preços dos
combustíveis.
Além disso, privatizar não é assim por
vontade. Trata-se de um longo e complexo processo jurídico e econômico, que
leva mais de ano, e isso se houver vontade política.
Mas faz bem a vontade do presidente:
livrar-se de todas as estatais e outros órgãos para não ter a chateação de
governar.
Já o ministro da Economia, Paulo Guedes,
acha que está governando — e bem. Disse ontem mesmo que a recuperação
brasileira está em V — subida forte depois da queda causada pela pandemia.
No mesmo dia, o Banco Central informou que
o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) caiu 0,15% em agosto. Na comparação
anual, há uma recuperação, já que a base de comparação é a paradeira de 2020.
Mas, olhando os gráficos, claramente não é um V, e sim o símbolo da raiz
quadrada — um achado do economista André Perfeito. Indica uma volta depois da
queda, mas em seguida “andando de lado” — e desacelerando conforme dados
recentes.
O que está subindo mesmo como um foguete é
a inflação de 12 meses medida pelo IPCA. Foi de 1,90% em maio de 2020 para os
atuais 10,25%. Em consequência, a taxa de juros sobe na mesma direção.
Os fatos são desagradáveis, não é mesmo?
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