sábado, 16 de outubro de 2021

Carlos Alberto Sardenberg - Fora da realidade

O Globo

Que o presidente Bolsonaro não tem a menor noção dos principais assuntos nacionais, já se sabia. Mas a ignorância revelada no comentário sobre as bandeiras tarifárias na conta de luz é avassaladora. Deveria ter causado uma confusão enorme nos meios econômicos e políticos, mas está passando batido. O pessoal sabe que é ignorância, apenas uma bobagem.

Foi o seguinte: o presidente se queixou das agruras de governar — como se ele pegasse no batente — e comentou que havia sido muito duro colocar a conta de luz na bandeira vermelha, que aumenta o custo.

Errado. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está aplicando uma espécie de bandeira extraordinária, de “escassez hídrica”, desde 1º de setembro, com vigência até 30 de abril de 2022. Aumenta R$ 14,20 por 100 kWh, sendo a mais alta.

O objetivo: financiar a energia mais cara fornecida pelas usinas termelétricas, hoje utilizadas intensamente devido à falta de água nos reservatórios das hidrelétricas.

Reparem que a vigência foi estendida até abril do ano que vem, justamente porque é preciso esperar todo o próximo período de chuva para verificar se o nível dos reservatórios se normaliza.

Mas o presidente Bolsonaro entendeu, mal, que as recentes chuvas, esparsas, bastavam. Assim, ele disse que determinaria ao ministro da Energia, Bento Albuquerque, que voltasse à “bandeira normal”.

Primeiro, não existe bandeira normal. Existem as verde, amarela, vermelha patamar 1 e vermelha patamar 2. Só a primeira, verde, não inclui acréscimos na conta do consumidor e é aplicada quando as condições hídricas são totalmente favoráveis. As demais somam valores crescentes à conta.

Segundo, não é o ministro quem determina isso, mas a Aneel, uma agência reguladora que deveria ser independente. Mas, com o governo aparelhado, digamos que a palavra do presidente pesa mais.

O que faria a agência? Desceria da bandeira “escassez hídrica” para a verde, que parece o mais próximo do normal?

Isso seria desmentir tudo o que os órgãos técnicos do setor, governamentais e privados, têm dito: que a falta de água é severa e duradoura. E que, por isso, a conta de luz tem de ser mais cara para financiar as térmicas.

Voltar para a verde faria com que geradoras e distribuidoras vendessem energia abaixo do custo, sofrendo enorme prejuízo — exatamente como aconteceu com a tal Nova Matriz Energética de Dilma Rousseff.

O que acontecerá? Provavelmente o que já aconteceu outras vezes: esquecerão o que o presidente falou.

Assim como não se levou a sério a declaração de Bolsonaro de que estava “com vontade” de privatizar a Petrobras. Não por razões de política econômica liberal, mas para se livrar da “culpa” pelos aumentos seguidos dos combustíveis.

Outra bobagem. Mesmo que o setor fosse totalmente privado, as pessoas cobrariam do governo o controle de preços dos combustíveis.

Além disso, privatizar não é assim por vontade. Trata-se de um longo e complexo processo jurídico e econômico, que leva mais de ano, e isso se houver vontade política.

Mas faz bem a vontade do presidente: livrar-se de todas as estatais e outros órgãos para não ter a chateação de governar.

Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, acha que está governando — e bem. Disse ontem mesmo que a recuperação brasileira está em V — subida forte depois da queda causada pela pandemia.

No mesmo dia, o Banco Central informou que o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) caiu 0,15% em agosto. Na comparação anual, há uma recuperação, já que a base de comparação é a paradeira de 2020. Mas, olhando os gráficos, claramente não é um V, e sim o símbolo da raiz quadrada — um achado do economista André Perfeito. Indica uma volta depois da queda, mas em seguida “andando de lado” — e desacelerando conforme dados recentes.

O que está subindo mesmo como um foguete é a inflação de 12 meses medida pelo IPCA. Foi de 1,90% em maio de 2020 para os atuais 10,25%. Em consequência, a taxa de juros sobe na mesma direção.

Os fatos são desagradáveis, não é mesmo?

 

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