O Globo
Num país campeão em assassinatos de
homossexuais, em que o presidente da República já declarou ter “imunidade para
afirmar que sou homofóbico, sim, com muito orgulho”, o momento mais emocionante
e exemplar da CPI da Covid, que está chegando ao fim, foi o que confrontou a
dignidade de um senador, o primeiro assumidamente gay, Fabiano Contarato, com o
obscurantismo de um empresário homofóbico e, claro, bolsonarista, Otávio
Fakhoury, apontado por membros da comissão como um dos principais financiadores
de uma rede de disseminação de mentiras de apoio a atos antidemocráticos
durante a pandemia.
Fakhoury também confirmou que pagou
material de campanha do presidente Jair Bolsonaro sem declarar os gastos à
Justiça Eleitoral. Durante as investigações, a Polícia Federal descobriu que o
empresário, presidente do PTB de São Paulo, bancou R$ 50 mil.
Sentado simbolicamente na cadeira de presidente que o senador Omar Aziz fez questão de lhe ceder, com o dedo em riste e cara a cara, Contarato disse em tom de desafio ao empresário que o ofendera com deboches grosseiros nas redes sociais:
— A mesma certidão de casamento que o
senhor tem, eu também tenho. Tenho minha vida modesta com orgulho, cuidando da
minha família, meu esposo, meus dois filhos (...). Orientação sexual não define
o caráter, cor da pele não define o caráter, poder aquisitivo não define o
caráter.
Contarato acrescentou que não era fácil se
expor e a sua família e disse que Fakhoury devia desculpas a toda a comunidade
LGBTQIA+.
Assim foi feito. Depois de alegar que foi
um “comentário infeliz em tom de brincadeira”, disse que podia voltar atrás:
—Não vejo problema em me retratar, não
insisto no erro. Uma das condições da pessoa cristã é reconhecer o erro e pedir
perdão —foi dizendo o empresário, com o moral tão baixo quanto a máscara caída
abaixo do nariz.
Mas pelo menos teve a coragem de admitir a
culpa, o que não impede que seja investigado.
Como o pastor americano Martin Luther King,
que admira, Contarato também tem um sonho:
— Sonho com o dia em que eu não serei
julgado por minha orientação sexual; que meus filhos não serão julgados por ser
negros; que minha irmã não será julgada por ser mulher; e que o meu pai não
será julgado por ser idoso.
Domingo, no “Fantástico”, ao ver Contarato
com o marido e o casal de filhos pequenos, como uma família alegre, brincando
feliz, fiquei imaginando a lição edificante que Bolsonaro poderia tirar daquela
cena bucólica, ele, que já fez a seguinte e deprimente afirmação:
— Prefiro que um filho meu morra num
acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim, ele vai ter morrido
mesmo.
Jair Bolsonaro não sabe que existe
felicidade além do que alcança sua pobre e vã filosofia de homofóbico. Mas,
como presidente, ele deve saber que, acima de tudo, está cometendo, sim, um
crime, de que nunca demonstra arrependimento.
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