EDITORIAIS
Exploração de óleo não pode pôr santuários
em risco
O Globo
Os cenários paradisíacos de Fernando de
Noronha e do Atol das Rocas estão sob risco. Apesar dos reiterados apelos de
ambientalistas, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) decidiu manter, no leilão
marcado para quinta-feira, blocos de exploração de óleo e gás em regiões
próximas aos dois santuários, ambos entre os mais importantes do ecossistema de
recifes no Brasil. A 17ª rodada de concessão, que oferecerá 92 blocos em
diversas regiões, inclui áreas da Bacia Potiguar a cerca de 370 quilômetros do
Parque Marinho de Fernando de Noronha e a 260 quilômetros da Reserva Biológica
do Atol das Rocas.
O alerta sobre o desatino vem de dentro do
próprio governo. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio) publicou nota técnica na página da ANP afirmando que a decisão é
temerária, “considerando a propagação por longas distâncias de ondas sísmicas,
a grande mobilidade de algumas espécies marinhas, a ação das correntes
marítimas sobre a propagação do óleo e o histórico de invasão de espécies às
atividades de exploração de petróleo e gás”.
O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou fragilidades na análise ambiental do leilão e recomendou ao Ministério de Minas e Energia o aperfeiçoamento para futuros certames, que devem ter “dados primários dotados de melhor qualidade e robustez técnica”. Só faltou combinar com o imponderável.
O governo não deveria desprezar os riscos.
Os exemplos do que pode acontecer estão por toda parte. No último sábado, um
vazamento na costa da Califórnia, nos Estados Unidos, jogou no Oceano Pacífico
ao menos 126 mil barris de óleo, criando uma mancha de mais de 20 mil
quilômetros quadrados. A poluição levou ao fechamento de Huntington Beach,
conhecido destino de surfistas. Autoridades americanas suspeitam que o desastre
ambiental tenha tido origem numa plataforma de exploração de petróleo operada
pela empresa Beta Offshore.
Não é apenas o risco inerente à atividade
que preocupa, mas principalmente o desleixo do governo com a preservação
ambiental — para não falar no costumeiro despreparo, que, a bem da verdade, não
se restringe à área ambiental. Um exemplo é o misterioso vazamento de óleo que
atingiu a costa do Nordeste e de parte do Sudeste em 2019, causando prejuízos
incalculáveis ao meio ambiente, à pesca e ao turismo. Os planos de contingência
e as investigações sobre o desastre se tornaram uma comédia de erros. O então
ministro Ricardo Salles chegou a atribuir o acidente a uma ONG cujo intuito
seria prejudicar o governo. Patético. Dois anos depois, ainda não se sabe o que
aconteceu.
Os sinais do governo na questão ambiental
não inspiram confiança. As ações mais marcantes nestes quase três anos de
gestão Bolsonaro são as muitas “boiadas” passadas sobre a legislação, como a
flexibilização que praticamente acabou com o licenciamento para determinadas
atividades. Agora o Congresso, sob o incentivo do Planalto, prepara mais uma,
para permitir extração mineral e criação de gado nas Reservas Extrativistas
(Resex). Paralelamente, promoveu-se um desmantelamento sem precedentes dos
órgãos de fiscalização. Tudo isso deveria desaconselhar a exploração de óleo
próximo a santuários ecológicos. Independentemente dos ganhos, os prejuízos
podem ser irrecuperáveis.
Plano de Segurança deveria atentar também
para letalidade das polícias
O Globo
O governo Bolsonaro retirou do Plano
Nacional de Segurança Pública o acompanhamento das mortes em decorrência de
intervenções policiais. Como mostrou reportagem do GLOBO, os dados serão
somados a outros homicídios, e não classificados à parte, como acontece com
latrocínios, lesões corporais, assassinatos de mulheres ou mortes de policiais.
A revisão do plano, que estipula metas para os próximos dez anos, foi publicada
na última quarta-feira no Diário Oficial. O governo projeta redução de 2,8% por
ano nos homicídios até 2030.
Ao não dar ênfase às mortes causadas pela
polícia, o governo despreza um dos graves problemas da segurança pública no
país: a alta letalidade das ações policiais. É uma questão sobre a qual União e
estados deveriam se debruçar para tentar reduzir o número de mortes de civis
provocadas por agentes do Estado. De acordo com números do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, em 2019 o Brasil registrou 6.351 mortes decorrentes de
intervenções policiais. Em 2020, foram 6.416. Em alguns estados, o aumento de
um ano a outro foi expressivo, como em Mato Grosso (76%), Pernambuco (57%) e
Rio Grande do Sul (49%).
Claro que as ações policiais são
necessárias num cenário em que não param de crescer as áreas dominadas por
quadrilhas de narcotraficantes e milicianos, que subjugam as populações e
ameaçam o Estado Democrático de Direito. Mas essas operações precisam ser
cirúrgicas, amparadas na inteligência e em investigações criteriosas, e não
feitas de forma atabalhoada, levando a resultados desastrosos. Na sexta-feira,
o frentista Bruno Leonardo Vidal de Almeida morreu baleado durante uma operação
da PM em Tomás Coelho, Zona Norte do Rio. Um PM e um suspeito ficaram feridos
na mesma ação.
Na verdade, o Plano de Segurança Pública do
governo Bolsonaro é impregnado pela ideologia que toma conta dos demais setores
do governo, e não por uma intenção legítima de baixar os números vergonhosos da
criminalidade. A principal política de Bolsonaro na área de segurança tem sido
facilitar o acesso a armas e munições, que costuma levar a um aumento do número
de mortes. Evidentemente, o incentivo ao armamentismo não é o único fator com
impacto nos índices de violência, mas sem dúvida contribui para o morticínio
que toma conta do país.
Infelizmente, o governo Bolsonaro perde a
chance de fazer um Plano Nacional de Segurança que realmente contemple as
carências do país no setor. As quadrilhas estão cada vez mais bem armadas e
preparadas, como ficou patente no mega-assalto ocorrido no fim de agosto em
Araçatuba, que transformou a cidade do interior paulista numa terra de horror,
impondo aos moradores cenas de brutalidade, desespero e humilhação poucas vezes
vistas no sangrento prontuário do país. O governo acha que resolverá essa
tragédia armando a população e estimulando operações policiais letais, que
costumam produzir poucos resultados práticos além da morte de inocentes.
Em defesa do ‘passaporte da vacina’
O Estado de S. Paulo
Se os danos à saúde e à economia não bastam, que as restrições façam os não vacinados mudar de ideia
A discussão em torno do chamado “passaporte
da vacina” no Brasil, que há poucos dias chegou até o Supremo Tribunal Federal
(STF), é uma celeuma artificialmente criada com propósitos políticos. A
exigência do documento para entrada em shows, feiras, congressos, eventos
esportivos e prédios públicos, por exemplo, é apenas mais uma forma de
encorajar os brasileiros a receberem o imunizante contra a covid-19 – pois,
como já está suficientemente claro, somente a vacinação em massa será capaz de
permitir a tão desejada volta à normalidade.
Este jornal defende a obrigatoriedade da
apresentação do documento para que se possa frequentar determinados locais. Em
primeiro lugar, porque essa exigência se coaduna perfeitamente com as leis e a
Constituição do País. Não há qualquer controvérsia jurídica em relação à
legalidade do “passaporte da vacina”. No final de 2020, o STF decidiu que
União, Estados e municípios têm autonomia para determinar a vacinação
compulsória contra a covid-19. A Corte tomou essa decisão ao julgar a
constitucionalidade de um dispositivo da Lei n.º 13.979/2020, sancionada pelo
presidente Jair Bolsonaro, que, entre outras medidas de combate à emergência
sanitária, prevê a vacinação compulsória da população.
Isso não significa, obviamente, que agentes
públicos estão autorizados a aplicar vacinas à força nos cidadãos que não
querem recebê-las – a exceção é o caso dos menores de idade, cujos pais ou
responsáveis, mesmo que sejam contra a imunização, são obrigados a levar para
vacinar.
Os governantes, no entanto, têm o dever de
zelar pela saúde de seus governados, conforme o artigo 196 da Constituição, e
isso inclui a imposição de sanções administrativas a quem optar por não se
vacinar. A bem da verdade, tais sanções já existem há tempos.
O “passaporte da vacina” não é uma
mirabolância inventada na pandemia. A apresentação de um certificado de
vacinação é exigência corriqueira em uma série de atos da vida civil, como
matricular crianças nas escolas, viajar para determinados lugares ou
inscrever-se em programas sociais, por exemplo. A ninguém de bom senso ocorre
denunciar que tais situações configuram qualquer ataque às liberdades
individuais, pois nesses casos está claro que deve prevalecer a saúde coletiva.
É o mesmo princípio que torna perfeitamente legítimo proibir o fumo em locais
fechados e obrigar o uso de cinto de segurança – medidas destinadas a preservar
vidas.
No Brasil, poucas questões de interesse
público são tão consensuais como a importância da vacinação. Superada a Revolta
da Vacina, no início do século 20, os brasileiros, independentemente de
filiações políticas ou religiosas, passaram a entender que vacinas são seguras
e salvam vidas. Prova disso é o sucesso do Programa Nacional de Imunizações
(PNI), referência internacional em políticas públicas de saúde desde 1975. A
maciça adesão da população ao PNI foi responsável por erradicar do País uma
série de doenças que no passado causaram a morte de milhões de pessoas.
A pandemia de covid-19 não abalou a
confiança que a ampla maioria dos brasileiros deposita nas vacinas. Ao
contrário, gerou enorme expectativa na população pela aquisição e aplicação de
um imunizante seguro e eficaz contra o coronavírus tão logo fosse possível.
É forçoso reconhecer, contudo, que ainda há
muitas pessoas que se negam a receber a vacina pelas mais variadas – e não raro
respeitáveis – razões, seja por convicções religiosas, seja por entender que se
trata de intromissão indevida do Estado na vida privada. Não se pretende, aqui,
convencer ninguém a abrir mão de suas convicções, mas é preciso deixar claro
que a recalcitrância em relação à vacina, se generalizada, pode atrasar a
retomada da economia e, mais importante, custar vidas. É por esse motivo que a
adoção de um “passaporte da vacina”, malgrado inspirar antipatia, é um
imperativo. Se os argumentos sobre os danos à saúde pública e à economia não
bastam para dobrar os relutantes, que as restrições impostas pelo poder público
aos não vacinados sirvam para fazê-los mudar de ideia.
Cativeiro eleitoral
O Estado de S. Paulo
Troca de comando do BNB se presta a favorecer o Centrão e Bolsonaro na eleição de 2022
O episódio da demissão de Romildo Carneiro
Rolim da presidência do Banco do Nordeste (BNB) revela como o presidente Jair
Bolsonaro é figura acessória em um governo de facto exercido pelo Centrão. Por sua vez, a
razão que motivou a troca do presidente do banco de economia mista exemplifica
como políticas públicas, como o programa de microcrédito do BNB, o Crediamigo,
são corriqueiramente instrumentalizadas a fim de produzir uma espécie de
cativeiro eleitoral em todo o País, particularmente na Região Nordeste,
historicamente a mais dependente dessas políticas por concentrar os piores
indicadores de pobreza do País.
Desde a redemocratização, todos os
presidentes da República tiveram que governar com o Centrão, dividindo mais ou
menos poder com o Legislativo, a depender da força política do mandatário. Com
Bolsonaro na Presidência, o notório bloco parlamentar vislumbrou a oportunidade
de atingir um grau de protagonismo que, até então, jamais experimentara.
Bolsonaro, não é de hoje, já não dá um passo sem a anuência do grupo a quem diz
ter entregado a “alma” de seu governo. Contribuem para esse novo arranjo, em
que é o Centrão quem dá a palavra final, a aversão do presidente ao trabalho, a
falta de uma agenda programática a ser defendida pelo Executivo no Congresso, a
incapacidade de Bolsonaro para construir uma sólida base parlamentar e a
fraqueza política do presidente em virtude do aumento consistente de seus
índices de impopularidade. Tudo isso somado torna Bolsonaro vulnerável como
nenhum outro antes dele às pressões de um grupo político cujo atributo mais
notável é a enorme capacidade de parasitar cada célula de um governante fraco.
Em vídeo divulgado pelas redes sociais, o
presidente nacional do PL, o multicondenado Valdemar Costa Neto, prócer do
Centrão, mostrou-se “surpreendido” com uma mensagem de Bolsonaro questionando-o
a respeito de “irregularidades” no contrato firmado em 2003 entre o BNB e uma
organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) para gerir o
programa Crediamigo, no valor de cerca de R$ 600 milhões por ano. Costa Neto
foi “cobrado” por Bolsonaro porque a indicação dos presidentes do banco de
desenvolvimento regional cabe ao PL no arranjo entre os partidos para nomeações
para cargos em estatais e bancos públicos.
Ao que tudo indica, essa “cobrança” de
Bolsonaro ao chefão do PL foi o pretexto para que Costa Neto pedisse a demissão
de Romildo Rolim, que se mostrava avesso à ideia de uma nova licitação para a
administração do contrato de gestão do programa Crediamigo. Com ele, caiu toda
a cúpula do BNB. Um novo contrato para gestão do bilionário programa de
microcrédito atende tanto o PL, de olho nas eleições de 2022, como Bolsonaro,
que enfrenta forte resistência à sua reeleição nos Estados da Região Nordeste.
Ademais, a ONG que hoje administra o programa, o Instituto Nordeste Cidadania
(Inec), é ligada ao PT, o que alimenta os temores de Bolsonaro de que a
manutenção da parceria fortaleça seu principal adversário na eleição
presidencial do ano que vem até o momento, o ex-presidente Lula da Silva.
A reportagem do Estado ouviu diferentes
fontes políticas e econômicas com experiência na administração do BNB. Todas
afirmaram que nada há de concreto a indicar que haja corrupção, desvios ou má
gestão na execução do contrato, mesmo passando por escrutínios os mais diversos
ao longo dos 18 anos da parceria entre BNB e Inec.
Fica claro, portanto, que a ligação do Inec
com o PT foi o argumento usado para convencer Bolsonaro a trocar o comando do
BNB e, assim, permitir ao PL e ao Centrão instalar no banco uma diretoria
favorável a uma nova licitação do programa de microcrédito, que tem enorme
potencial eleitoral. O primeiro ato do presidente interino do banco, Anderson
Possa, foi abrir a licitação à qual seu antecessor se opunha. Possa recebeu um
telefonema de Bolsonaro no fim de semana. “Bota moral aí”, determinou o
presidente.
Um guia para a reconstrução
O Estado de S. Paulo
Relatório da ONU traz subsídios a uma agenda de desenvolvimento nacional
Em todo o mundo a pandemia despertou
sentimentos de solidariedade e o desejo de “reconstruir melhor” a sociedade.
Nesse contexto, as eleições no Brasil em 2022 oferecem uma janela de
oportunidades que podem definir o destino de uma geração. Os dois candidatos à
Presidência que lideram as pesquisas têm também altos índices de rejeição. Após
quatro mandatos do PT e um de Jair Bolsonaro, parte substancial do eleitorado
repudia ambos como projetos de poder perniciosos e retrógrados. Esses eleitores
não esperam nada de Bolsonaro senão mais desgoverno e agressões às
instituições, e sabem que a única proposta do PT é repetir os erros do passado
que mergulharam o País na recessão, ampliaram a corrupção endêmica e acirraram
a polarização política – que, entre outros danos, catapultou Bolsonaro ao
poder.
Mas, mais do que críticas, os eleitores
esperam dos candidatos à “terceira via” propostas inovadoras. Um
relatório da ONU elaborado por agências voltadas ao desenvolvimento
(Pnud), infância (Unicef), educação, ciência e cultura (Unesco) e saúde (Opas)
oferece subsídios aos eleitores e candidatos interessados em construir uma nova
agenda de desenvolvimento.
Os pesquisadores apontam que para enfrentar
uma crise sistêmica é essencial preservar a lente do desenvolvimento humano
integral, destacando três focos: na equidade, no desenvolvimento de capacidades
de longo prazo e em uma abordagem multidimensional. Sobre essas bases, os
pesquisadores identificam cinco pilares de recuperação socioeconômica.
O primeiro trata da governança. A
construção de um novo contrato social “que reflita a participação popular,
construa confiança nas instituições e feche a lacuna entre as pessoas e o
Estado” depende do fortalecimento de instituições aptas a gerenciar crises; do
apoio à criação de espaço fiscal; de investimentos em mercados prioritários e
engajamento com o setor privado; e do fortalecimento do capital social e do
engajamento da sociedade civil.
No Brasil, um dos países mais desiguais do
mundo, o pilar da proteção social é chave não só para mitigar choques
imediatos, mas para erradicar disparidades estruturais. Isso implica viabilizar
opções de transferência de renda, como uma renda básica temporária ou
universal; estimular a inclusão de grupos vulneráveis, como trabalhadores
informais, deficientes ou migrantes; e enfrentar deficiências sistêmicas que
limitam o acesso universal à saúde.
O terceiro pilar trata do futuro dos jovens.
De pronto, é preciso priorizar a reabertura segura das escolas e promover
massivamente a conectividade de alunos e professores. A geração de
oportunidades exige currículos diversificados, capazes de atender à pluralidade
de aspirações dos jovens e de demandas do mercado de trabalho.
Instrumental para todos os pilares é a
inclusão digital, que, simultaneamente, impulsiona uma resposta à pandemia e
define o caminho para além da recuperação pós-pandêmica. Os governos precisam
estar aptos a prestar serviços remotamente, fomentar a integração de dados,
subsidiar a conexão dos mais vulneráveis e promover a capacitação tecnológica.
O último pilar é a economia verde. No longo
prazo, não há conflito entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental.
Mas, no curto, é preciso um cálculo criterioso de perdas e ganhos de parte a
parte. Nesse cálculo é preciso contabilizar os benefícios da descarbonização
para a saúde e o desenvolvimento humano. Parcerias público-privadas serão a
chave para estimular práticas sustentáveis no turismo, no transporte e no
planejamento urbano. Fundamental é transformar a agricultura em aliada do meio
ambiente.
Tais pilares são cruciais para “uma nova
geração de políticas públicas e transformações sociais que facilitem a
transição para uma sociedade menos desigual, mais resiliente e com impactos
controlados sobre a natureza”. Espera-se dos candidatos a postos de liderança
no poder público, nos âmbitos nacional e estadual, que saibam traduzir essas
diretrizes em propostas concretas, e dos eleitores, que saibam avaliá-los por
isso.
Paradoxo das ruas
Folha de S. Paulo
Protestos contra Bolsonaro se sucedem, mas
líderes contam com ele onde está
A relativa falta
de público vista na avenida Paulista no sábado (2), por ocasião do
terceiro protesto contra Jair Bolsonaro desde a jornada golpista do presidente
no 7 de Setembro, revela um paradoxo.
O mandatário máximo colhe seu maior índice
de reprovação, de 53% segundo a mais recente pesquisa do Datafolha, mas
consegue no embate com seus opositores uma fotografia mais favorável das ruas.
Já o líder em intenção de voto, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não usa sua posição para
galvanizar apoios à campanha pelo impedimento de Bolsonaro.
Apesar de já ter defendido de modo
protocolar o impeachment, o petista nunca foi a ato em prol da iniciativa
apoiada por 56% dos brasileiros. Há cálculo, obviamente.
Noves fora a compreensão política de que as
chances de tal processo ser aberto são remotas, o que colocaria em sua conta
uma derrota, para Lula interessa mais um Bolsonaro desossado para a disputa em
outubro de 2022.
O petista se move pela mesma lógica do
presidente. Lula vê a tragédia administrativa presidida por Bolsonaro como um
passaporte para derrotá-lo no segundo turno.
Bolsonaro, de sua parte, se agarra à sua
base mais fiel, de cerca de 20% do eleitorado, na esperança de que o
antipetismo traga de volta os votos conservadores que aderiram à sua aventura
em 2018.
Os bolsonaristas que foram às ruas em
setembro são mais mobilizáveis, enquanto são muitas as divisões nas hostes
oposicionistas.
Símbolo disso foram os ataques covardes a
Ciro Gomes (PDT) na Paulista por ativistas de agremiações à esquerda. O
presidenciável é um ácido crítico de Lula, e isso é pecado naquele palanque.
Depois do ato, Ciro pediu uma trégua com esses setores lulistas em nome da
destituição de Bolsonaro.
Parece um tanto tarde para isso, em
especial quando não é essa a real agenda: o pedetista tem a inglória missão de
suplantar o petista como nome da esquerda e, ao mesmo tempo, ganhar votos ao
centro —ele procura sair dos seus usuais 10% das intenções de voto.
Para os postulantes a candidatos da
terceira via, o caminho do impeachment já foi mais interessante.
João Doria (PSDB), por exemplo, chegou a ir
ao malogrado ato dos remanescentes das ruas que ajudaram a derrubar Dilma
Rousseff (PT). Pediu o impedimento, mas não falou mais nisso e centrou fogo em
Lula. Seu objetivo mais realista é um Bolsonaro fraco que lhe abra a vaga no
segundo turno.
Os protestos vieram para ficar no cenário
político, ainda que com graus variados de desidratação. Enquanto multidões
gritam “Fora, Bolsonaro”, porém, presidenciáveis e líderes partidários se
posicionam para o cenário oposto.
Ainda em reforma
Folha de S. Paulo
É desejável compatibilizar normas
previdenciárias paulistanas com as nacionais
Reformas previdenciárias nunca são
populares, mas se fazem necessárias para evitar o descontrole das contas
públicas e garantir a solvência do próprio sistema de aposentadorias e pensões
por morte.
Na cidade de São Paulo, o então prefeito
Bruno Covas (PSDB) conseguiu aprovar em 2018 mudanças como um aumento da
alíquota de contribuição paga pelos funcionários e a criação de um sistema
complementar para aqueles que ganham acima do teto do Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS).
O atual mandatário, Ricardo Nunes
(MDB), propõe
agora atualizações corretas. Em especial, equiparar a idade mínima para
aposentadoria dos servidores municipais à dos federais —65 anos para homens e
62 para mulheres (para professores, são cinco anos a menos).
Como já foi exaustivamente exposto na
reforma da Previdência nacional, a fixação do piso etário é prática usual em
todo o mundo diante das novas expectativas de sobrevida após a saída do mercado
de trabalho. Não se justifica que funcionário da prefeitura estejam submetidos
a normas diferentes.
O caminho para aprovar tais alterações não
será fácil: Nunes precisa de votos de 37 de 55 vereadores. Ainda que a oposição
tenha apenas 14 representantes, já se desenha pressão intensa dos servidores
sobre os governistas. Uma das principais queixas é a taxação dos inativos com
benefícios acima de um salário mínimo (R$ 1.100).
Para os cofres municipais, vale o mesmo
raciocínio da reforma federal: sem deter a expansão contínua das despesas com
aposentados, haverá cada vez menos recursos para prioridades como educação,
saúde e segurança pública.
O prefeito propôs
também benefícios a servidores, como o aumento de gratificação para professores,
médicos e guardas-civis que trabalham em regiões de difícil acesso ou com alta
rotatividade de profissionais. O incentivo é meritório, dado que a troca
constante de funcionários dificulta a implantação de políticas públicas.
Merece debate mais cuidadoso, porém, a
intenção de elevar o salário de cargos comissionados, chegando a R$ 10.800 (o
maior valor hoje é pouco superior a R$ 5.000).
Ainda que seja razoável o argumento de que
os valores se encontram defasados ante a necessidade de atrair quadros
qualificados, cumpre avaliar se a administração precisa mesmo de 5.000 cargos
do gênero, que proliferam no setor público brasileiro.
O desafio de manter o emprego em
recuperação
Valor Econômico
Governo precisa avançar nos desafios de
melhorar a produtividade e a capacitação da mão de obra
Depois de alguns meses de reclamações do
ministro da Economia, Paulo Guedes, as duas principais pesquisas sobre o
emprego do país se alinharam na sinalização de uma melhora do mercado de
trabalho. Tanto o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de
agosto, do Ministério do Trabalho e Previdência, quanto a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) referente ao trimestre terminado
em julho, do IBGE, apresentaram resultados mais positivos do que os esperados.
Mas a recuperação ainda é frágil e não há certeza de que vai prosseguir em um
ambiente econômico e político instável
Desde o início do ano, o Caged vem
apresentando resultados mensais positivos indicando a criação de vagas formais,
comemoradas por Guedes e, agora, pelo ministro do Trabalho e Previdência, Onyx
Lorenzoni. Em fevereiro foi o pico, com 397,4 mil postos novos criados. Agosto
chegou perto, com 372, 3 mil, acumulando 2,2 milhões de vagas no ano. Lorenzoni
mantém a promessa de fechar o ano com 2,5 milhões de novos postos. Se isso se
confirmar será um resultado bem distante do registrado em 2020, quando foram
criadas apenas 142,7 mil vagas sob o forte impacto do primeiro ano da pandemia.
A informação da Pnad Contínua sobre o
mercado de trabalho também foi positiva: a taxa de desemprego caiu um ponto
para 13,7% no trimestre terminado em julho, em comparação com o pico de 14,7%
registrado no trimestre móvel terminado em abril. A população exercendo algum
tipo de trabalho aumentou em 3,1 milhões na comparação com o trimestre anterior
e pouco mais de 1 milhão conseguiram emprego com carteira assinada. É o maior
aumento no emprego formal registrado pela Pnad, desde o início da série
histórica, em 2012.
Apesar de, pela primeira vez desde maio de
2020, metade da população com idade de trabalhar estar com alguma ocupação, o
número de desempregados ainda é muito alto - 14,1 milhões de pessoas. O emprego
informal segue importante e foi responsável por dois terços (66,8%) das
posições criadas. Na comparação com igual período do ano passado, 7 milhões de
pessoas conseguiram uma ocupação, 1,246 milhão delas numa posição formal. A
população que trabalha menos horas do que gostaria bateu recorde e soma 7,73
milhões. Outro recorde foi o do número de trabalhadores por conta própria, de
25,172 milhões.
A população ocupada soma 89 milhões de
pessoas, e ainda cerca de 5% abaixo da registrada antes da pandemia, em
fevereiro de 2020, enquanto a força de trabalho, de 103,1 milhões, é 2% menor.
Segundo estimativas, se a força de trabalho estivesse no mesmo patamar de
fevereiro de 2020, a taxa de desemprego seria de 15,3% (Valor 1/10).
O rendimento médio e a massa de renda
efetiva real também não se recuperaram totalmente, e estão 1,2% e 5,2% abaixo
do nível pré-pandemia, respectivamente. Inflação alta, ociosidade no mercado de
trabalho e mudanças na composição da população ocupada são as razões por trás
do fraco desempenho do rendimento real.
Para alguns setores do governo, os dados do
IBGE refletem melhor a realidade captada pelo Caged porque a coleta de dados
voltou a ter entrevistas pessoais. Desde o recrudescimento da pandemia, o IBGE
restringiu o levantamento de informações aos contatos por telefone, o que
estaria contribuindo para subestimar a melhora no mercado de trabalho, segundo
críticos do governo. O Caged, por outro lado, teve mudança na metodologia de
apuração em janeiro de 2020, passando a incluir mais fontes de informação, como
o eSocial, que registra os vínculos temporários, subdeclarados no sistema
antigo. Tecnicamente, o Caged nem pode ser comparado com as estatísticas de
anos anteriores.
O Caged revela outra vulnerabilidade, que é
a influência nos dados do mercado de trabalho do Programa Emergencial de
Manutenção do Emprego e da Renda (BEm). Segundo o governo, o BEm evitou a
demissão de cerca de 10 milhões de pessoas durante o ano passado e, de abril a
agosto deste ano, beneficiou 2,6 milhões de trabalhadores.
Em vez de perder tempo com debate sobre questões metodológicas importantes, mas paralelas, o governo precisa se preocupar em superar a meta de abrir 2,5 milhões postos de trabalho neste ano, e, principalmente, em criar condições para avançar em postos e renda no futuro, diante de um cenário econômico incerto e dos desafios de melhorar a produtividade e a capacitação da mão de obra.
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