terça-feira, 5 de outubro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Exploração de óleo não pode pôr santuários em risco

O Globo

Os cenários paradisíacos de Fernando de Noronha e do Atol das Rocas estão sob risco. Apesar dos reiterados apelos de ambientalistas, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) decidiu manter, no leilão marcado para quinta-feira, blocos de exploração de óleo e gás em regiões próximas aos dois santuários, ambos entre os mais importantes do ecossistema de recifes no Brasil. A 17ª rodada de concessão, que oferecerá 92 blocos em diversas regiões, inclui áreas da Bacia Potiguar a cerca de 370 quilômetros do Parque Marinho de Fernando de Noronha e a 260 quilômetros da Reserva Biológica do Atol das Rocas.

O alerta sobre o desatino vem de dentro do próprio governo. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicou nota técnica na página da ANP afirmando que a decisão é temerária, “considerando a propagação por longas distâncias de ondas sísmicas, a grande mobilidade de algumas espécies marinhas, a ação das correntes marítimas sobre a propagação do óleo e o histórico de invasão de espécies às atividades de exploração de petróleo e gás”.

O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou fragilidades na análise ambiental do leilão e recomendou ao Ministério de Minas e Energia o aperfeiçoamento para futuros certames, que devem ter “dados primários dotados de melhor qualidade e robustez técnica”. Só faltou combinar com o imponderável.

O governo não deveria desprezar os riscos. Os exemplos do que pode acontecer estão por toda parte. No último sábado, um vazamento na costa da Califórnia, nos Estados Unidos, jogou no Oceano Pacífico ao menos 126 mil barris de óleo, criando uma mancha de mais de 20 mil quilômetros quadrados. A poluição levou ao fechamento de Huntington Beach, conhecido destino de surfistas. Autoridades americanas suspeitam que o desastre ambiental tenha tido origem numa plataforma de exploração de petróleo operada pela empresa Beta Offshore.

Não é apenas o risco inerente à atividade que preocupa, mas principalmente o desleixo do governo com a preservação ambiental — para não falar no costumeiro despreparo, que, a bem da verdade, não se restringe à área ambiental. Um exemplo é o misterioso vazamento de óleo que atingiu a costa do Nordeste e de parte do Sudeste em 2019, causando prejuízos incalculáveis ao meio ambiente, à pesca e ao turismo. Os planos de contingência e as investigações sobre o desastre se tornaram uma comédia de erros. O então ministro Ricardo Salles chegou a atribuir o acidente a uma ONG cujo intuito seria prejudicar o governo. Patético. Dois anos depois, ainda não se sabe o que aconteceu.

Os sinais do governo na questão ambiental não inspiram confiança. As ações mais marcantes nestes quase três anos de gestão Bolsonaro são as muitas “boiadas” passadas sobre a legislação, como a flexibilização que praticamente acabou com o licenciamento para determinadas atividades. Agora o Congresso, sob o incentivo do Planalto, prepara mais uma, para permitir extração mineral e criação de gado nas Reservas Extrativistas (Resex). Paralelamente, promoveu-se um desmantelamento sem precedentes dos órgãos de fiscalização. Tudo isso deveria desaconselhar a exploração de óleo próximo a santuários ecológicos. Independentemente dos ganhos, os prejuízos podem ser irrecuperáveis.

Plano de Segurança deveria atentar também para letalidade das polícias

O Globo

O governo Bolsonaro retirou do Plano Nacional de Segurança Pública o acompanhamento das mortes em decorrência de intervenções policiais. Como mostrou reportagem do GLOBO, os dados serão somados a outros homicídios, e não classificados à parte, como acontece com latrocínios, lesões corporais, assassinatos de mulheres ou mortes de policiais. A revisão do plano, que estipula metas para os próximos dez anos, foi publicada na última quarta-feira no Diário Oficial. O governo projeta redução de 2,8% por ano nos homicídios até 2030.

Ao não dar ênfase às mortes causadas pela polícia, o governo despreza um dos graves problemas da segurança pública no país: a alta letalidade das ações policiais. É uma questão sobre a qual União e estados deveriam se debruçar para tentar reduzir o número de mortes de civis provocadas por agentes do Estado. De acordo com números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2019 o Brasil registrou 6.351 mortes decorrentes de intervenções policiais. Em 2020, foram 6.416. Em alguns estados, o aumento de um ano a outro foi expressivo, como em Mato Grosso (76%), Pernambuco (57%) e Rio Grande do Sul (49%).

Claro que as ações policiais são necessárias num cenário em que não param de crescer as áreas dominadas por quadrilhas de narcotraficantes e milicianos, que subjugam as populações e ameaçam o Estado Democrático de Direito. Mas essas operações precisam ser cirúrgicas, amparadas na inteligência e em investigações criteriosas, e não feitas de forma atabalhoada, levando a resultados desastrosos. Na sexta-feira, o frentista Bruno Leonardo Vidal de Almeida morreu baleado durante uma operação da PM em Tomás Coelho, Zona Norte do Rio. Um PM e um suspeito ficaram feridos na mesma ação.

Na verdade, o Plano de Segurança Pública do governo Bolsonaro é impregnado pela ideologia que toma conta dos demais setores do governo, e não por uma intenção legítima de baixar os números vergonhosos da criminalidade. A principal política de Bolsonaro na área de segurança tem sido facilitar o acesso a armas e munições, que costuma levar a um aumento do número de mortes. Evidentemente, o incentivo ao armamentismo não é o único fator com impacto nos índices de violência, mas sem dúvida contribui para o morticínio que toma conta do país.

Infelizmente, o governo Bolsonaro perde a chance de fazer um Plano Nacional de Segurança que realmente contemple as carências do país no setor. As quadrilhas estão cada vez mais bem armadas e preparadas, como ficou patente no mega-assalto ocorrido no fim de agosto em Araçatuba, que transformou a cidade do interior paulista numa terra de horror, impondo aos moradores cenas de brutalidade, desespero e humilhação poucas vezes vistas no sangrento prontuário do país. O governo acha que resolverá essa tragédia armando a população e estimulando operações policiais letais, que costumam produzir poucos resultados práticos além da morte de inocentes.

Em defesa do ‘passaporte da vacina’

O Estado de S. Paulo

Se os danos à saúde e à economia não bastam, que as restrições façam os não vacinados mudar de ideia

A discussão em torno do chamado “passaporte da vacina” no Brasil, que há poucos dias chegou até o Supremo Tribunal Federal (STF), é uma celeuma artificialmente criada com propósitos políticos. A exigência do documento para entrada em shows, feiras, congressos, eventos esportivos e prédios públicos, por exemplo, é apenas mais uma forma de encorajar os brasileiros a receberem o imunizante contra a covid-19 – pois, como já está suficientemente claro, somente a vacinação em massa será capaz de permitir a tão desejada volta à normalidade. 

Este jornal defende a obrigatoriedade da apresentação do documento para que se possa frequentar determinados locais. Em primeiro lugar, porque essa exigência se coaduna perfeitamente com as leis e a Constituição do País. Não há qualquer controvérsia jurídica em relação à legalidade do “passaporte da vacina”. No final de 2020, o STF decidiu que União, Estados e municípios têm autonomia para determinar a vacinação compulsória contra a covid-19. A Corte tomou essa decisão ao julgar a constitucionalidade de um dispositivo da Lei n.º 13.979/2020, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, que, entre outras medidas de combate à emergência sanitária, prevê a vacinação compulsória da população. 

Isso não significa, obviamente, que agentes públicos estão autorizados a aplicar vacinas à força nos cidadãos que não querem recebê-las – a exceção é o caso dos menores de idade, cujos pais ou responsáveis, mesmo que sejam contra a imunização, são obrigados a levar para vacinar. 

Os governantes, no entanto, têm o dever de zelar pela saúde de seus governados, conforme o artigo 196 da Constituição, e isso inclui a imposição de sanções administrativas a quem optar por não se vacinar. A bem da verdade, tais sanções já existem há tempos.

O “passaporte da vacina” não é uma mirabolância inventada na pandemia. A apresentação de um certificado de vacinação é exigência corriqueira em uma série de atos da vida civil, como matricular crianças nas escolas, viajar para determinados lugares ou inscrever-se em programas sociais, por exemplo. A ninguém de bom senso ocorre denunciar que tais situações configuram qualquer ataque às liberdades individuais, pois nesses casos está claro que deve prevalecer a saúde coletiva. É o mesmo princípio que torna perfeitamente legítimo proibir o fumo em locais fechados e obrigar o uso de cinto de segurança – medidas destinadas a preservar vidas.

No Brasil, poucas questões de interesse público são tão consensuais como a importância da vacinação. Superada a Revolta da Vacina, no início do século 20, os brasileiros, independentemente de filiações políticas ou religiosas, passaram a entender que vacinas são seguras e salvam vidas. Prova disso é o sucesso do Programa Nacional de Imunizações (PNI), referência internacional em políticas públicas de saúde desde 1975. A maciça adesão da população ao PNI foi responsável por erradicar do País uma série de doenças que no passado causaram a morte de milhões de pessoas.

A pandemia de covid-19 não abalou a confiança que a ampla maioria dos brasileiros deposita nas vacinas. Ao contrário, gerou enorme expectativa na população pela aquisição e aplicação de um imunizante seguro e eficaz contra o coronavírus tão logo fosse possível.

É forçoso reconhecer, contudo, que ainda há muitas pessoas que se negam a receber a vacina pelas mais variadas – e não raro respeitáveis – razões, seja por convicções religiosas, seja por entender que se trata de intromissão indevida do Estado na vida privada. Não se pretende, aqui, convencer ninguém a abrir mão de suas convicções, mas é preciso deixar claro que a recalcitrância em relação à vacina, se generalizada, pode atrasar a retomada da economia e, mais importante, custar vidas. É por esse motivo que a adoção de um “passaporte da vacina”, malgrado inspirar antipatia, é um imperativo. Se os argumentos sobre os danos à saúde pública e à economia não bastam para dobrar os relutantes, que as restrições impostas pelo poder público aos não vacinados sirvam para fazê-los mudar de ideia. 

Cativeiro eleitoral

O Estado de S. Paulo

Troca de comando do BNB se presta a favorecer o Centrão e Bolsonaro na eleição de 2022

O episódio da demissão de Romildo Carneiro Rolim da presidência do Banco do Nordeste (BNB) revela como o presidente Jair Bolsonaro é figura acessória em um governo de facto exercido pelo Centrão. Por sua vez, a razão que motivou a troca do presidente do banco de economia mista exemplifica como políticas públicas, como o programa de microcrédito do BNB, o Crediamigo, são corriqueiramente instrumentalizadas a fim de produzir uma espécie de cativeiro eleitoral em todo o País, particularmente na Região Nordeste, historicamente a mais dependente dessas políticas por concentrar os piores indicadores de pobreza do País.

Desde a redemocratização, todos os presidentes da República tiveram que governar com o Centrão, dividindo mais ou menos poder com o Legislativo, a depender da força política do mandatário. Com Bolsonaro na Presidência, o notório bloco parlamentar vislumbrou a oportunidade de atingir um grau de protagonismo que, até então, jamais experimentara. Bolsonaro, não é de hoje, já não dá um passo sem a anuência do grupo a quem diz ter entregado a “alma” de seu governo. Contribuem para esse novo arranjo, em que é o Centrão quem dá a palavra final, a aversão do presidente ao trabalho, a falta de uma agenda programática a ser defendida pelo Executivo no Congresso, a incapacidade de Bolsonaro para construir uma sólida base parlamentar e a fraqueza política do presidente em virtude do aumento consistente de seus índices de impopularidade. Tudo isso somado torna Bolsonaro vulnerável como nenhum outro antes dele às pressões de um grupo político cujo atributo mais notável é a enorme capacidade de parasitar cada célula de um governante fraco.

Em vídeo divulgado pelas redes sociais, o presidente nacional do PL, o multicondenado Valdemar Costa Neto, prócer do Centrão, mostrou-se “surpreendido” com uma mensagem de Bolsonaro questionando-o a respeito de “irregularidades” no contrato firmado em 2003 entre o BNB e uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) para gerir o programa Crediamigo, no valor de cerca de R$ 600 milhões por ano. Costa Neto foi “cobrado” por Bolsonaro porque a indicação dos presidentes do banco de desenvolvimento regional cabe ao PL no arranjo entre os partidos para nomeações para cargos em estatais e bancos públicos.

Ao que tudo indica, essa “cobrança” de Bolsonaro ao chefão do PL foi o pretexto para que Costa Neto pedisse a demissão de Romildo Rolim, que se mostrava avesso à ideia de uma nova licitação para a administração do contrato de gestão do programa Crediamigo. Com ele, caiu toda a cúpula do BNB. Um novo contrato para gestão do bilionário programa de microcrédito atende tanto o PL, de olho nas eleições de 2022, como Bolsonaro, que enfrenta forte resistência à sua reeleição nos Estados da Região Nordeste. Ademais, a ONG que hoje administra o programa, o Instituto Nordeste Cidadania (Inec), é ligada ao PT, o que alimenta os temores de Bolsonaro de que a manutenção da parceria fortaleça seu principal adversário na eleição presidencial do ano que vem até o momento, o ex-presidente Lula da Silva.

A reportagem do Estado ouviu diferentes fontes políticas e econômicas com experiência na administração do BNB. Todas afirmaram que nada há de concreto a indicar que haja corrupção, desvios ou má gestão na execução do contrato, mesmo passando por escrutínios os mais diversos ao longo dos 18 anos da parceria entre BNB e Inec.

Fica claro, portanto, que a ligação do Inec com o PT foi o argumento usado para convencer Bolsonaro a trocar o comando do BNB e, assim, permitir ao PL e ao Centrão instalar no banco uma diretoria favorável a uma nova licitação do programa de microcrédito, que tem enorme potencial eleitoral. O primeiro ato do presidente interino do banco, Anderson Possa, foi abrir a licitação à qual seu antecessor se opunha. Possa recebeu um telefonema de Bolsonaro no fim de semana. “Bota moral aí”, determinou o presidente.

Um guia para a reconstrução

O Estado de S. Paulo

Relatório da ONU traz subsídios a uma agenda de desenvolvimento nacional

Em todo o mundo a pandemia despertou sentimentos de solidariedade e o desejo de “reconstruir melhor” a sociedade. Nesse contexto, as eleições no Brasil em 2022 oferecem uma janela de oportunidades que podem definir o destino de uma geração. Os dois candidatos à Presidência que lideram as pesquisas têm também altos índices de rejeição. Após quatro mandatos do PT e um de Jair Bolsonaro, parte substancial do eleitorado repudia ambos como projetos de poder perniciosos e retrógrados. Esses eleitores não esperam nada de Bolsonaro senão mais desgoverno e agressões às instituições, e sabem que a única proposta do PT é repetir os erros do passado que mergulharam o País na recessão, ampliaram a corrupção endêmica e acirraram a polarização política – que, entre outros danos, catapultou Bolsonaro ao poder.

Mas, mais do que críticas, os eleitores esperam dos candidatos à “terceira via” propostas inovadoras. Um relatório da ONU elaborado por agências voltadas ao desenvolvimento (Pnud), infância (Unicef), educação, ciência e cultura (Unesco) e saúde (Opas) oferece subsídios aos eleitores e candidatos interessados em construir uma nova agenda de desenvolvimento.

Os pesquisadores apontam que para enfrentar uma crise sistêmica é essencial preservar a lente do desenvolvimento humano integral, destacando três focos: na equidade, no desenvolvimento de capacidades de longo prazo e em uma abordagem multidimensional. Sobre essas bases, os pesquisadores identificam cinco pilares de recuperação socioeconômica.

O primeiro trata da governança. A construção de um novo contrato social “que reflita a participação popular, construa confiança nas instituições e feche a lacuna entre as pessoas e o Estado” depende do fortalecimento de instituições aptas a gerenciar crises; do apoio à criação de espaço fiscal; de investimentos em mercados prioritários e engajamento com o setor privado; e do fortalecimento do capital social e do engajamento da sociedade civil.

No Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, o pilar da proteção social é chave não só para mitigar choques imediatos, mas para erradicar disparidades estruturais. Isso implica viabilizar opções de transferência de renda, como uma renda básica temporária ou universal; estimular a inclusão de grupos vulneráveis, como trabalhadores informais, deficientes ou migrantes; e enfrentar deficiências sistêmicas que limitam o acesso universal à saúde.

O terceiro pilar trata do futuro dos jovens. De pronto, é preciso priorizar a reabertura segura das escolas e promover massivamente a conectividade de alunos e professores. A geração de oportunidades exige currículos diversificados, capazes de atender à pluralidade de aspirações dos jovens e de demandas do mercado de trabalho.

Instrumental para todos os pilares é a inclusão digital, que, simultaneamente, impulsiona uma resposta à pandemia e define o caminho para além da recuperação pós-pandêmica. Os governos precisam estar aptos a prestar serviços remotamente, fomentar a integração de dados, subsidiar a conexão dos mais vulneráveis e promover a capacitação tecnológica.

O último pilar é a economia verde. No longo prazo, não há conflito entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental. Mas, no curto, é preciso um cálculo criterioso de perdas e ganhos de parte a parte. Nesse cálculo é preciso contabilizar os benefícios da descarbonização para a saúde e o desenvolvimento humano. Parcerias público-privadas serão a chave para estimular práticas sustentáveis no turismo, no transporte e no planejamento urbano. Fundamental é transformar a agricultura em aliada do meio ambiente.

Tais pilares são cruciais para “uma nova geração de políticas públicas e transformações sociais que facilitem a transição para uma sociedade menos desigual, mais resiliente e com impactos controlados sobre a natureza”. Espera-se dos candidatos a postos de liderança no poder público, nos âmbitos nacional e estadual, que saibam traduzir essas diretrizes em propostas concretas, e dos eleitores, que saibam avaliá-los por isso. 

Paradoxo das ruas

Folha de S. Paulo

Protestos contra Bolsonaro se sucedem, mas líderes contam com ele onde está

A relativa falta de público vista na avenida Paulista no sábado (2), por ocasião do terceiro protesto contra Jair Bolsonaro desde a jornada golpista do presidente no 7 de Setembro, revela um paradoxo.

O mandatário máximo colhe seu maior índice de reprovação, de 53% segundo a mais recente pesquisa do Datafolha, mas consegue no embate com seus opositores uma fotografia mais favorável das ruas.

Já o líder em intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não usa sua posição para galvanizar apoios à campanha pelo impedimento de Bolsonaro.

Apesar de já ter defendido de modo protocolar o impeachment, o petista nunca foi a ato em prol da iniciativa apoiada por 56% dos brasileiros. Há cálculo, obviamente.

Noves fora a compreensão política de que as chances de tal processo ser aberto são remotas, o que colocaria em sua conta uma derrota, para Lula interessa mais um Bolsonaro desossado para a disputa em outubro de 2022.

O petista se move pela mesma lógica do presidente. Lula vê a tragédia administrativa presidida por Bolsonaro como um passaporte para derrotá-lo no segundo turno.

Bolsonaro, de sua parte, se agarra à sua base mais fiel, de cerca de 20% do eleitorado, na esperança de que o antipetismo traga de volta os votos conservadores que aderiram à sua aventura em 2018.

Os bolsonaristas que foram às ruas em setembro são mais mobilizáveis, enquanto são muitas as divisões nas hostes oposicionistas.

Símbolo disso foram os ataques covardes a Ciro Gomes (PDT) na Paulista por ativistas de agremiações à esquerda. O presidenciável é um ácido crítico de Lula, e isso é pecado naquele palanque. Depois do ato, Ciro pediu uma trégua com esses setores lulistas em nome da destituição de Bolsonaro.

Parece um tanto tarde para isso, em especial quando não é essa a real agenda: o pedetista tem a inglória missão de suplantar o petista como nome da esquerda e, ao mesmo tempo, ganhar votos ao centro —ele procura sair dos seus usuais 10% das intenções de voto.

Para os postulantes a candidatos da terceira via, o caminho do impeachment já foi mais interessante.

João Doria (PSDB), por exemplo, chegou a ir ao malogrado ato dos remanescentes das ruas que ajudaram a derrubar Dilma Rousseff (PT). Pediu o impedimento, mas não falou mais nisso e centrou fogo em Lula. Seu objetivo mais realista é um Bolsonaro fraco que lhe abra a vaga no segundo turno.

Os protestos vieram para ficar no cenário político, ainda que com graus variados de desidratação. Enquanto multidões gritam “Fora, Bolsonaro”, porém, presidenciáveis e líderes partidários se posicionam para o cenário oposto.

Ainda em reforma

Folha de S. Paulo

É desejável compatibilizar normas previdenciárias paulistanas com as nacionais

Reformas previdenciárias nunca são populares, mas se fazem necessárias para evitar o descontrole das contas públicas e garantir a solvência do próprio sistema de aposentadorias e pensões por morte.

Na cidade de São Paulo, o então prefeito Bruno Covas (PSDB) conseguiu aprovar em 2018 mudanças como um aumento da alíquota de contribuição paga pelos funcionários e a criação de um sistema complementar para aqueles que ganham acima do teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

O atual mandatário, Ricardo Nunes (MDB), propõe agora atualizações corretas. Em especial, equiparar a idade mínima para aposentadoria dos servidores municipais à dos federais —65 anos para homens e 62 para mulheres (para professores, são cinco anos a menos).

Como já foi exaustivamente exposto na reforma da Previdência nacional, a fixação do piso etário é prática usual em todo o mundo diante das novas expectativas de sobrevida após a saída do mercado de trabalho. Não se justifica que funcionário da prefeitura estejam submetidos a normas diferentes.

O caminho para aprovar tais alterações não será fácil: Nunes precisa de votos de 37 de 55 vereadores. Ainda que a oposição tenha apenas 14 representantes, já se desenha pressão intensa dos servidores sobre os governistas. Uma das principais queixas é a taxação dos inativos com benefícios acima de um salário mínimo (R$ 1.100).

Para os cofres municipais, vale o mesmo raciocínio da reforma federal: sem deter a expansão contínua das despesas com aposentados, haverá cada vez menos recursos para prioridades como educação, saúde e segurança pública.

O prefeito propôs também benefícios a servidores, como o aumento de gratificação para professores, médicos e guardas-civis que trabalham em regiões de difícil acesso ou com alta rotatividade de profissionais. O incentivo é meritório, dado que a troca constante de funcionários dificulta a implantação de políticas públicas.

Merece debate mais cuidadoso, porém, a intenção de elevar o salário de cargos comissionados, chegando a R$ 10.800 (o maior valor hoje é pouco superior a R$ 5.000).

Ainda que seja razoável o argumento de que os valores se encontram defasados ante a necessidade de atrair quadros qualificados, cumpre avaliar se a administração precisa mesmo de 5.000 cargos do gênero, que proliferam no setor público brasileiro.

O desafio de manter o emprego em recuperação

Valor Econômico

Governo precisa avançar nos desafios de melhorar a produtividade e a capacitação da mão de obra

Depois de alguns meses de reclamações do ministro da Economia, Paulo Guedes, as duas principais pesquisas sobre o emprego do país se alinharam na sinalização de uma melhora do mercado de trabalho. Tanto o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de agosto, do Ministério do Trabalho e Previdência, quanto a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) referente ao trimestre terminado em julho, do IBGE, apresentaram resultados mais positivos do que os esperados. Mas a recuperação ainda é frágil e não há certeza de que vai prosseguir em um ambiente econômico e político instável

Desde o início do ano, o Caged vem apresentando resultados mensais positivos indicando a criação de vagas formais, comemoradas por Guedes e, agora, pelo ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni. Em fevereiro foi o pico, com 397,4 mil postos novos criados. Agosto chegou perto, com 372, 3 mil, acumulando 2,2 milhões de vagas no ano. Lorenzoni mantém a promessa de fechar o ano com 2,5 milhões de novos postos. Se isso se confirmar será um resultado bem distante do registrado em 2020, quando foram criadas apenas 142,7 mil vagas sob o forte impacto do primeiro ano da pandemia.

A informação da Pnad Contínua sobre o mercado de trabalho também foi positiva: a taxa de desemprego caiu um ponto para 13,7% no trimestre terminado em julho, em comparação com o pico de 14,7% registrado no trimestre móvel terminado em abril. A população exercendo algum tipo de trabalho aumentou em 3,1 milhões na comparação com o trimestre anterior e pouco mais de 1 milhão conseguiram emprego com carteira assinada. É o maior aumento no emprego formal registrado pela Pnad, desde o início da série histórica, em 2012.

Apesar de, pela primeira vez desde maio de 2020, metade da população com idade de trabalhar estar com alguma ocupação, o número de desempregados ainda é muito alto - 14,1 milhões de pessoas. O emprego informal segue importante e foi responsável por dois terços (66,8%) das posições criadas. Na comparação com igual período do ano passado, 7 milhões de pessoas conseguiram uma ocupação, 1,246 milhão delas numa posição formal. A população que trabalha menos horas do que gostaria bateu recorde e soma 7,73 milhões. Outro recorde foi o do número de trabalhadores por conta própria, de 25,172 milhões.

A população ocupada soma 89 milhões de pessoas, e ainda cerca de 5% abaixo da registrada antes da pandemia, em fevereiro de 2020, enquanto a força de trabalho, de 103,1 milhões, é 2% menor. Segundo estimativas, se a força de trabalho estivesse no mesmo patamar de fevereiro de 2020, a taxa de desemprego seria de 15,3% (Valor 1/10).

O rendimento médio e a massa de renda efetiva real também não se recuperaram totalmente, e estão 1,2% e 5,2% abaixo do nível pré-pandemia, respectivamente. Inflação alta, ociosidade no mercado de trabalho e mudanças na composição da população ocupada são as razões por trás do fraco desempenho do rendimento real.

Para alguns setores do governo, os dados do IBGE refletem melhor a realidade captada pelo Caged porque a coleta de dados voltou a ter entrevistas pessoais. Desde o recrudescimento da pandemia, o IBGE restringiu o levantamento de informações aos contatos por telefone, o que estaria contribuindo para subestimar a melhora no mercado de trabalho, segundo críticos do governo. O Caged, por outro lado, teve mudança na metodologia de apuração em janeiro de 2020, passando a incluir mais fontes de informação, como o eSocial, que registra os vínculos temporários, subdeclarados no sistema antigo. Tecnicamente, o Caged nem pode ser comparado com as estatísticas de anos anteriores.

O Caged revela outra vulnerabilidade, que é a influência nos dados do mercado de trabalho do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm). Segundo o governo, o BEm evitou a demissão de cerca de 10 milhões de pessoas durante o ano passado e, de abril a agosto deste ano, beneficiou 2,6 milhões de trabalhadores.

Em vez de perder tempo com debate sobre questões metodológicas importantes, mas paralelas, o governo precisa se preocupar em superar a meta de abrir 2,5 milhões postos de trabalho neste ano, e, principalmente, em criar condições para avançar em postos e renda no futuro, diante de um cenário econômico incerto e dos desafios de melhorar a produtividade e a capacitação da mão de obra.

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