terça-feira, 5 de outubro de 2021

Luiz Schymura* - A persistência da taxa de desemprego em dois dígitos

Valor Econômico

Difícil imaginar que índice vai ficar abaixo de 10% antes de 2026

O novo coronavírus aterrissou no Brasil em um momento particularmente ruim para o trabalhador. O país havia sido abalado pela forte recessão de 2014-2016 e tentava ainda tropegamente retornar à realidade do mercado de trabalho pré-crise. Diante dos estragos da pandemia, os cenários traçados para o retorno ao padrão de empregabilidade anterior a 2015 não estão nada animadores. Essa constatação tem implicações importantes para as eleições de 2022 e para a política econômica a ser conduzida até lá, assim como para o próximo governo a partir de 2023.

A taxa de desemprego do Brasil era relativamente baixa na década de 80 e início dos anos 90, com uma média de 5% entre 1981 e 1994. O indicador subiu para uma média de 9,3% entre 1995 e 2014. Com a crise econômica, a taxa de desemprego média cresceu para 11,4%, entre 2014 e 2019.

Foi nesse contexto que irrompeu a pandemia. A necessidade do distanciamento social provocou quase que instantaneamente uma mudança na estrutura de funcionamento da economia brasileira. Alguns setores - como o de serviços - foram rápida e intensamente penalizados. Para surpresa de muitos, no entanto, a taxa de desemprego não apresentou números tão devastadores quanto uma crise das proporções da covid-19 faria supor, atingindo a média de 13,5% ao longo de 2020. Não tardou para que a razão fosse identificada: muitos brasileiros deixaram de procurar emprego pela escassez de oportunidades ou por receio de contrair a doença, o que os retirou das estatísticas oficiais de desemprego.

Os dados podem dar uma ideia mais precisa do ocorrido. A população ocupada (PO) caiu 15% entre fevereiro e julho de 2020. Com tamanho contingente de pessoas parando de trabalhar, era de se esperar que houvesse uma explosão na taxa de desemprego.

No entanto, a crise sanitária também levou um expressivo número de brasileiros a desistir de buscar emprego. Com isso, a população economicamente ativa (PEA) registrou o recuo sem precedentes de quase 12%, entre fevereiro e julho de 2020.

Ao fim e ao cabo, a desmotivação das pessoas em correr atrás de ocupação impediu que a taxa de desemprego espelhasse a real condição de anemia e fragilidade do mercado de trabalho. Caso a força de trabalho tivesse se mantido constante em 2020, a taxa de desemprego média do ano passado teria sido de 18,8%, em vez do nível de 13,5% efetivamente computado.

De lá para cá, o enfraquecimento no distanciamento social promoveu recuperação de parte importante das perdas tanto na PO como na PEA. Como exposto acima, com a chegada do vírus ambos os indicadores despencaram, respectivamente, 15% e 12%. Já nas aferições realizadas em julho de 2021, essas estatísticas passaram a registrar uma queda em relação ao período pré-pandêmico menos pronunciada de, respectivamente, 4,4% e 2,8%.

O que esperar daqui para a frente? A projeção da equipe do Boletim Macro do FGV Ibre indica queda acanhada da taxa de desemprego, fechando 2022 em 13%. Frustrante! O nível ainda é historicamente muito elevado. Na verdade, a vagarosa redução é função de dois fatores. Em primeiro lugar, da tímida retomada da economia. O crescimento estimado para 2022 é desanimador, 1,5%, dando sinais de lentidão no processo de volta à “normalidade”. Nesse contexto, a geração de postos de trabalho fica bastante comprometida. Por fim, o outro motivo para a morosa redução da taxa de desemprego é a recuperação da PEA - ou seja, com o esmorecimento da pandemia, os brasileiros que haviam abdicado de procurar emprego retornam ao mercado de trabalho e passam a engrossar a fila da procura por emprego.

Ainda em relação a 2022, um crescimento improvável de 3,5% levaria o desemprego para 12,6%. Segundo essas projeções, o aumento da taxa de crescimento para o próximo ano de 1,5% para 3,5% gera uma redução de apenas 0,4 ponto percentual na taxa de desemprego. Frente a essa conjuntura, quaisquer medidas que o atual governo venha a adotar para acelerar a economia no ano eleitoral terão efeito pequeno na taxa de desemprego.

Sob que condições conseguiremos retomar uma taxa de desemprego de um dígito? Para isso, é necessária aceleração forte da economia. Segundo as estimativas dos colaboradores do Boletim Macro do FGV Ibre, para que a taxa de desemprego alcance no longínquo ano de 2026 o nível de um dígito seria preciso crescimento anual de 3,5% entre 2023 e 2026, ritmo difícil de imaginar dado o débil desempenho que o país tem experimentado. Em termos de cenários, um ritmo de crescimento de 1,5% ao ano reduziria a taxa de desemprego para 11,6% em 2026; de 2,5%, para 10,8%; e de 3,5%, para 9,8%.

Diante do difícil quadro para o mercado de trabalho projetado para os próximos anos, é de se esperar que o tema protagonize os debates de política econômica por ainda muito tempo.

Para começar, como a solução não virá no curto-prazo e a situação dos mais vulneráveis está crítica, políticas que atendam a essas populações devem ser priorizadas. Por isso, apesar de todos os senões, é urgente a aprovação do Auxílio Brasil.

Em segundo lugar, parece já existir um amadurecimento institucional no que diz respeito à disciplina fiscal. Porém, falta a mesma predisposição em relação à análise de impacto dos recursos dispendidos pelo setor público. Seria importante que caminhássemos rapidamente para tornar os gastos públicos socialmente “rentáveis”.

Nesse contexto, enquanto a economia não dá sinais de recuperação mais vigorosa e com tantos brasileiros necessitados de trabalho, seria oportuno, como destaca meu colega Fernando Barbosa Filho no FGV Ibre, focar em programas de requalificação profissional e de melhora do sistema de intermediação de mão de obra. Medidas dessa natureza poderiam aumentar significativamente a efetividade de um programa como o Sistema Nacional de Emprego (SiNE), e ajudar na redução do desemprego.

*Luiz Schymura é pesquisador do FGV Ibre, ex-presidente da Anatel (2002-2004) 

 

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