O Globo
O mercado ontem teve mais um dia de quedas
de bolsa, temores de crises de energia na Europa, problemas nas empresas
chinesas e dúvidas sobre as contas públicas brasileiros. O dólar subiu, o
Ibovespa caiu, e o risco-país atingiu no ano uma alta de 41%. Foi dia de queda
da Nasdaq, da bolsa de Nova York também. A Opep anunciou que não vai aumentar a
produção, e na China outra empresa imobiliária não conseguiu pagar suas
dívidas. Nesse ambiente, as informações sobre empresas offshore do ministro da
Economia e do presidente do Banco Central pioraram o humor.
A pessoa pública precisa dar todas as explicações possíveis diante da dúvida sobre cada um dos seus atos e, no caso, seus investimentos. É o ônus espinhoso da função pública. Se o dinheiro tiver origem definida, for declarado à Receita e ao Banco Central, não é crime ter uma empresa em paraíso fiscal, como têm o ministro Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Isso é consenso entre economistas, tributaristas e advogados que ouvimos. Não há ilegalidade. Mas no Brasil nunca foi bem visto ter conta, e muito menos empresa, no exterior e em paraísos fiscais. Foi assim que muito dinheiro desviado foi escondido, por isso seria necessário ter tido mais transparência desde o começo.
O ministro Paulo Guedes abriu a empresa em
2014. O cenário naquela época era de uma recessão e aumento da inflação, o que
realmente aconteceu nos anos seguintes. Então, ele deve ter remetido recursos
para se proteger das incertezas da economia brasileira. Em 2016 foi aberto
prazo para repatriação, mas ele não fez isso. Quando assumiu o cargo e passou a
tomar decisões que afetavam a economia, como a de aumentar o IOF, propor um
imposto sobre dividendos, a situação ficou um pouco pior. Guedes criticou desde
a campanha os que, na visão dele, pagam menos tributos do que deveriam, como os
profissionais liberais que se transformam em pessoas jurídicas ou os
declarantes pelo lucro presumido. Ele tentou elevar até imposto sobre livros,
argumentando que só privilegiados compravam livro. Por isso, ele estar num
paraíso fiscal jamais será bem visto. Pelo cargo que ocupa, pelo que disse,
pelo que fez. O PGR Augusto Aras abriu investigação, mas pode ser mais uma
encenação dele.
O tributarista Gustavo Brigagão diz que se
a origem do dinheiro é comprovada, se for declarado à Receita e ao Banco
Central não há qualquer problema. Mas lembra do artigo 5º do Código de Conduta
do setor público que veda “investimento em bens cujo valor e cotação pode ser
afetado por sua decisão”. Bom, nisso o câmbio sempre será afetado por
declarações ou atos do ministro da Economia e do presidente do Banco Central.
O economista Rodrigo Marcatti, CEO da
Veedha Investimentos, acha que independentemente de eles terem seguido todas as
obrigações legais vai haver desgaste de imagem de Paulo Guedes e também de
Roberto Campos Neto:
— Para grande parte dos brasileiros
offshore é palavrão e soa como coisa ilícita. Já para duas pessoas que foram
executivos do mercado financeiro isso é normal, é diversificação de ativos.
Mas, como a pauta de Paulo Guedes é a de aumentar a arrecadação cobrando de
quem tem mais, é um mau exemplo.
O fato é que quando alguém tem uma conta
nos Estados Unidos paga muito imposto, principalmente o de herança. Sendo em
paraíso fiscal nada paga. Há vários pontos nebulosos que poderiam ser
corrigidos com uma medida simples, como entregar para um administrador os bens.
Guedes sempre será apontado como o ministro
que quer criar um imposto sobre dividendos, mas colocou uma parte do seu
dinheiro em paraíso fiscal. É isso que será discutido agora no Senado quando o
projeto for à votação. E o Ministério da Economia precisa desse projeto
aprovado para criar o Auxílio Brasil em substituição ao Bolsa Família. O temor
que alguns economistas do governo têm é que diante da dificuldade de aprovar
uma nova fonte de receita, a reforma do IR, o governo vá pelo caminho mais
fácil: o da renovação sucessiva do auxílio emergencial. Desta forma a despesa
não fica submetido ao teto de gastos e, além disso, libera verba orçamentária
para outras despesas.
Ontem foi mais um dia de tensão nos
mercados mundiais e no Brasil. O ambiente externo não está favorável a um país
que vive tantas instabilidades no seu cotidiano.
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