O Globo
Brasília, 5 de outubro de 1988. Os relógios
marcavam 15h50 quando o plenário da Câmara dos Deputados reverberou o desejo de
mudança que ecoava nas ruas do país. Nascia a Constituição Cidadã, fruto do
trabalho intenso da Assembleia Nacional Constituinte, com a ampla colaboração
de cidadãos, entidades representativas, agentes políticos e movimentos sociais.
Em seus 245 artigos, a Carta Maior
inaugurou um novo capítulo da história brasileira, concretizando um pacto
nacional pela liberdade e pela igualdade de oportunidades, num ambiente
sedimentado por valores republicanos e democráticos. O texto constitucional
incorporou um catálogo monumental de direitos humanos, modernizou o Estado e
dinamizou a economia, direcionando o país rumo ao desenvolvimento sem se
descuidar do combate ao patrimonialismo e à corrupção, da erradicação da
miséria e da redução das desigualdades sociais.
Esse novo Brasil elegeu a Constituição de
1988 como a principal porta-voz da soberania popular e se comprometeu com as
liberdades públicas de expressão, de crença, de empreendimento econômico e de
manifestações artísticas e científicas, duramente conquistadas ao longo de
nossa história.
Na data de hoje, celebramos 33 anos da promulgação da Constituição. Daquela tarde até hoje, não percorremos um caminho fácil. Dois impeachments, inúmeros escândalos de corrupção estrutural e severas crises econômicas e políticas, entre outras instabilidades, testaram nosso projeto de nação. Mais recentemente, as instituições vêm atravessando o mais severo teste de resiliência e de confiança desde a redemocratização, intensificado por uma pandemia mundial que tem ceifado vidas e desafiado a economia com desemprego e inflação.
Mesmo em face desses desafios, o percurso
histórico tem legado ao país maturidade institucional. Somos uma das maiores
democracias constitucionais do mundo e ostentamos instituições fortes,
republicanas e em pleno funcionamento.
Esse quadro, ao mesmo tempo que nos
tranquiliza, também nos impõe reflexões e responsabilidades. Tratando-se de
higidez democrática, não há nada automático ou perpétuo. A democracia e a
obediência às leis e à Constituição precisam ser reiteradamente cultivadas e
reforçadas, com respeito às instituições, concretização dos direitos humanos,
tolerância com as liberdades alheias e participação ordeira e pacífica na vida
política do país. Ausentes essas deferências constitucionais, as democracias
podem regredir.
Por isso mesmo, a democracia, mais do que
uma ideia, é uma prática constante; mais do que um direito, é um dever
compartilhado por todos os cidadãos e pelos poderes públicos. A manutenção da
democracia constitucional exige permanente vigilância, a ser executada por
muitos olhos, mãos e vozes. Movido por esse espírito, o Supremo Tribunal
Federal tem cumprido seu dever de salvaguardar a Constituição, sempre pelo povo
e para o povo brasileiro.
Como bem nos alertou Ulysses Guimarães, a
Constituição não é perfeita. É possível discordar e divergir respeitosamente, inclusive
reformá-la mediante rito próprio. Porém descumpri-la e afrontá-la, jamais!
A despeito de todas as diferenças de
ideologia e de opinião, nós, cidadãos brasileiros, devemos ser uníssonos num
ponto fundamental: o amor pelo Brasil e o compromisso com a nação que
construiremos para nós e nossos filhos. A sociedade brasileira jamais aceitará
retrocessos, justamente porque sabe que a Constituição de 1988 é o único e o
melhor caminho em direção à ordem, ao progresso e à paz social.
*Presidente do Supremo Tribunal
Federal e do Conselho Nacional de Justiça
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