O Globo
Rosa Weber acertou ao suspender a execução
da emenda do relator, fachada — para o exercício do orçamento secreto — em que
a sociedade Bolsonaro/Lira se pactua.
É cretinice falar, nesse caso, em
interferência do Judiciário no Legislativo; e aqui escreve duro crítico dos
arreganhos do Supremo legislador. Não desta vez. Desta vez, Weber exerceu o
papel de guarda da Constituição, em defesa do arranjo — transparência,
publicidade, moralidade e impessoalidade — que dá higidez à coisa pública. Agiu
contra a censura — censura ao cidadão — promovida pelo Parlamento; o comando
autocrático da Casa do Povo de súbito avaliando que poderia manusear o
Orçamento sem que a população pudesse ver.
É para isso que há a Corte constitucional. Para promover o controle de constitucionalidade e afirmar que, na República, estar investido de poder não equivale a uma licença-arbitrariedade; como quando Luís Roberto Barroso obrigou Rodrigo Pacheco a se comportar como presidente do Senado e instaurar a CPI da Covid. Não foi intervenção, mas lembrança, em favor da democracia representativa, de que a Constituição, apesar dos pachecos, estabelece o Legislativo como Poder independente.
Acertou Barroso então. Acerta Weber agora;
para a exposição da figura a que se submete o senador Márcio Bittar,
relator-geral do Orçamento de 2021, cuja função aceitou tornar alcova para
campanha eleitoral de patota.
O Parlamento é Poder autônomo, mas sua
autonomia, apesar dos bittares, não significa independência dos princípios constitucionais.
A não ser que estejamos de acordo com a possibilidade de o Legislativo, em
conluio com o Executivo, forjar um modo discricionário de controle e execução
do Orçamento da União cuja natureza consista na falta de transparência para a
distribuição de bilhões a aliados de ocasião.
Isso é o próprio descumprimento de preceito
fundamental — um esculacho à Constituição aplicado com objetivo de aprovar uma
emenda... à Constituição.
Diga-se — sobre interferência de Poder em
outro — que, enquanto este artigo era escrito, estava ainda de pé a agenda em
que Luiz Fux se reuniria, para tratar da liminar de Weber, com Arthur Lira,
parte interessada, o próprio gestor do orçamento secreto, um dia antes de o
plenário do STF votar a matéria. Espero que o presidente do Supremo, evitando o
lugar de suspeição com que contaminaria o tribunal, tenha cancelado o
convescote. Seria esculhambação excessiva até para os seus padrões.
Não estamos no Império, apesar dos fuxes e
da maneira como o autocrata Lira sacrifica o processo legislativo. A isso
também, embora não diretamente, reagiu Weber, talvez já antecipando posição
sobre os mandados de segurança que pedem a anulação da sessão que aprovou a PEC
dos Precatórios em primeiro turno. Que se botem os meios do presidente da Câmara
ao sol; inclusive para que compreendamos a que custo — de dinheiro público — o
trator tão facilmente opera, com parca resistência, a fraude ao regimento da
Casa.
Muito mais grave que a licença oportunista
para que deputados licenciados votassem remotamente foi o que Lira fez ao
achincalhar a estrutura da emenda aglutinativa. Um presidente da Câmara que —
em prol de seus compromissos — move-se degradando as regras da Casa que dirige.
Também aí se explica a fundamentação da sociedade com Bolsonaro: o deputado
despreza a democracia representativa tanto ou mais que o presidente da
República.
O episódio esclarece que a blitz pela PEC
dos Precatórios nunca foi por abrir fundos ao novo Bolsa Família. Sempre foi —
manipulando a urgência da miséria — por mais espaço ao livre fluxo do orçamento
secreto no ano eleitoral. Ou se teriam cortado... emendas. Não. E eis o que
temos, afinal: em busca de convencer parlamentares a votar por um projeto que,
como finalidade, dar-lhes-ia mais emendas em 2022, oferece-lhes mais emendas em
2021.
A ver como a Câmara — a se confirmar o
esvaziamento da ferramenta de diplomacia de Lira — tratará a PEC em segundo
turno.
Weber pode ter ajudado Pacheco a não
precisar demonstrar seu apreço pelo orçamento secreto; um presidente do Congresso
que cogitou levar uma PEC, logo essa, diretamente ao plenário. Seria esta a
contribuição do novo Juscelino — cujo amor pelas emendas do relator também
merece exame — ao conjunto de assaltos formais com que o tanque que preside a
Câmara tem dilapidado o rito legislativo: a um projeto constitucionalmente
viciado no conteúdo, que pretende incorporar à Constituição a pedalada fiscal
que, não faz muito, derrubou Dilma Rousseff, Pacheco somaria a doença de
suprimir o debate da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
E por que considera fugir da CCJ? Para
driblar outra doença. Para driblar — com uma doença — outra doença. Porque a
comissão é presidida por Davi Alcolumbre; que poderia obstar o andamento da PEC
— como faz com a sabatina de André Mendonça — não pela virtude de lhe
questionar a constitucionalidade, mas para atrapalhar o governo que lhe tirou
os acessos ao... orçamento secreto. É circular a história de nossa tragédia.
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