Valor Econômico
STF deve confirmar parcialmente liminar de
Weber
O novo capítulo da crise institucional nos
obriga a retroceder algumas casas no tabuleiro político: na última vez que
insultou publicamente um ministro do Supremo Tribunal Federal, e avisou que não
cumpriria uma decisão judicial, a ameaça do presidente Jair Bolsonaro perdurou
o tempo de uma nuvem que o vento levou.
“Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser
canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro”, bradou Bolsonaro no dia 7 de
setembro. “Eu autorizo, eu autorizo”, reagiu a turba de verde-e-amarelo.
“Qualquer decisão do seu Alexandre de Moraes, esse presidente não mais
cumprirá, a paciência do nosso povo já se esgotou”.
Menos de 48 horas depois, Bolsonaro
alinhava os termos de uma declaração oficial de recuo com o ex-presidente
Michel Temer, chamado às pressas à Brasília para apagar as labaredas que
avançavam sobre a República.
O que Bolsonaro e Moraes conversaram no telefonema mediado por Temer jamais será de pleno domínio público. É fato, porém, que nos últimos dois meses, a paz reinava nos gabinetes projetados por Niemeyer.
Isso até sexta-feira, quando a decisão
proferida pela ministra Rosa Weber do STF abalou de novo os pilares do
patrimônio cultural da humanidade. A não ser que o precedente sacramentado sob
o testemunho de Michel Temer seja firme como um pântano, Bolsonaro e o
Congresso podem espernear à vontade contra a liminar da ministra suspendendo a
execução das polêmicas emendas do relator-geral do Orçamento.
Mas se a decisão for ratificada pela
maioria de seus pares, o que virá a público nos próximos dias, Executivo e
Legislativo terão de se curvar a ela. Ou novo jato da FAB buscará Temer em São
Paulo para apagar o novo incêndio institucional.
Nas palavras de um ministro do STF, o clima
político em Brasília é de “risca de faca no chão”. Cada ator que saque a
peixeira do alforje, e delimite o seu espaço de poder. Quem ultrapassar essa
linha, zás-trás, será alvejado no peito.
Ontem Bolsonaro utilizou um tom muito
abaixo dos ataques anteriores contra o STF para criticar Rosa Weber. Negou a
“barganha” com os parlamentares, e disse singelamente que os argumentos não foram
“justos”. Em resposta à Corte, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
alegou que a ministra adentrou em questão interna corporis do Legislativo.
Como sugerem Lira e Bolsonaro - e também as
riscas de peixeira no chão da Praça dos Três Poderes, onde catam migalhas os
pombos da paz - tudo é uma questão de limites. Se ambos afirmam que a ministra
avançou sobre a seara do Legislativo, a seu turno, Weber sustentou que os
princípios constitucionais da publicidade e da transparência na aplicação dos
recursos públicos foram violados.
É relevante sublinhar que Rosa Weber não é
voz isolada na controvérsia. Desde já, uma parcela do colegiado está com ela -
hoje, com segurança, os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Cármen
Lúcia.
Uma incógnita é o ministro Ricardo
Lewandowski, que via de regra, é um defensor das prerrogativas da classe
política. No entanto, ele compartilha com Weber a condução de processos sobre o
sensível tema da “venda de emendas parlamentares”. Há mais de um ano, é relator
de inquérito contra um deputado do Maranhão, filiado a uma sigla do Centrão.
Em dezembro, a Polícia Federal deflagrou
contra este deputado a Operação Descalabro, que cumpriu em São Luís (MA) 27
mandados de busca e apreensão. Ele teve R$ 6 milhões de seu patrimônio
bloqueados. A suspeita de desvios alcança R$ 15 milhões. Meses depois,
Lewandowski assumiu a relatoria de um segundo inquérito sobre suposta venda de
emendas. Neste, outros três parlamentares são investigados.
A obscuridade em torno das emendas de
relator vem sendo cantada em verso e prosa pela oposição há tempos, mas a
primeira reação institucional veio do Tribunal de Contas da União (TCU), em
parecer explorado em sete das 49 páginas do voto de Weber.
A ministra resgatou em sua limitar trechos
relevantes do voto do ministro Walton Alencar Rodrigues do TCU, relator das
contas do governo Bolsonaro relativas ao exercício de 2020. No voto, ele
recomendou ações à Presidência da República, à Casa Civil e ao Ministério da
Economia para imprimir transparência e publicidade às emendas de relator.
São as medidas que constam da liminar de
Rosa Weber: dar ampla publicidade, em plataforma centralizada de acesso
público, aos ofícios dos parlamentares que tratam das emendas de relator;
adotar medidas para que essas demandas sejam registradas em plataforma
eletrônica centralizada, mantida pelo Sistema de Planejamento e Orçamento
Federal.
O TCU verificou um aumento astronômico nas
emendas de relator ora impugnadas, estimadas em R$ 30,1 bilhões. Uma elevação
de 523% na quantidade de emendas, e de 379% nos valores.
Como o Executivo ignorou as recomendações
do TCU, cinco meses depois, a ministra proferiu uma decisão judicial, que tem
poder coercitivo. Eventual ameaça de descumprimento a essa decisão - se ela for
ratificada pela maioria dos ministros do STF -, incorrerá em infração legal. E
o bombeiro Michel Temer será chamado a Brasília.
Ontem Arthur Lira despachou tête-a-tête com
o presidente do STF, Luiz Fux, no fim da tarde. Lira teria concordado que os
ministros definissem medidas para aprimorar a transparência e publicidade na
execução dessas emendas, em troca da revogação da suspensão da execução dos
recursos em andamento.
O desfecho desse capítulo nos próximos dias
é uma charada. Mas são altas as chances de que o STF avance nessa direção.
Nesse capítulo da crise, a Polícia Federal
parece ter acertado no nome da operação que tem as emendas como alvo. Segundo o
Houaiss, “descalabro” significa caos, confusão; ou detrimento, perda, prejuízo
- ao cidadão, é claro. Ou declínio, queda ruína. Numa prova do Enem - quiçá
outro descalabro -, valem todas as anteriores.
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