O Globo
Foi o dia inteiro de pressão dos políticos
sobre o Supremo. E dessa pressão surgiu uma ala do STF pensando na fórmula de
manter as emendas do relator, mas com a exigência de aumentar a transparência.
Nem a luz do sol desinfeta essas emendas. Elas são um escárnio. A ministra Rosa
Weber não vai abrir mão da posição dela, segundo uma fonte que acompanha as
conversas. Mas há ministros querendo encontrar algum ponto salomônico. Não
existe tal ponto. As emendas de relator nasceram das piores práticas do
Congresso que, a custo, vinham sendo abolidas.
Hoje, à zero hora, começou a contar o prazo de votação no STF. Durante 48 horas os ministros vão se pronunciar. Até as 23h59 de quarta-feira. Dois ministros já votaram confirmando o voto de Rosa Weber: Carmém Lúcia e Luís Roberto Barroso, A tese que o presidente da Câmara, Arthur Lira, está defendendo é que a decisão liminar da ministra Rosa Weber é uma interferência no Legislativo, que teria a prerrogativa de distribuir as emendas. Conversa fiada. Essas emendas dão aos parlamentares o poder de executar o Orçamento, função do Executivo. O espaço dado aos parlamentares de atender aos seus redutos já está contemplado nas emendas individuais e nas de bancada. Nessas, há transparência e isonomia. As do relator não têm critério, equidade, e tem havido casos de superfaturamento nos usos dos recursos. Foram feitas para serem opacas e distribuídas conforme o voto do freguês. É compra de voto, não tem outro nome.
Se alguém pedir vista nas próximas horas,
vale a decisão da ministra Rosa Weber. Arthur Lira está trabalhando então em
dois trilhos: pressionou o Supremo com a conversa de que isso é invasão de
prerrogativa e convocou todo mundo para votar hoje o segundo turno. Assim ele
acha que torna a PEC mais irreversível.
Uma coisa já se sabe. Por mais que alguns
ministros do STF tentem costurar, não haverá consenso. Há adversários dessas
emendas no Supremo. E eles estão certos. Seria a institucionalização da mesma
corrupção detectada no escândalo que ocorreu no Orçamento no começo da década
de 1990.
A decisão da ministra Rosa Weber, que
suspendeu a distribuição das emendas, diz com a linguagem própria do mundo
jurídico tudo o que precisa ser dito. Ela paralisou a execução dessas emendas
porque viu o risco de periculum in mora, e por isso deu a medida cautelar.
Em seu voto, a ministra Rosa Weber diz que
há dois regimes na execução do Orçamento, o “transparente” e o “anônimo”. “As
emendas do relator operam com a lógica da ocultação dos congressistas
requerentes da despesa por meio do estratagema da rubrica RP-9”. Na visão da
ministra, isso se “opõe ao ideal republicano” da publicidade e da
impessoalidade. Ela a define como “uma rubrica orçamentária envergonhada de si
mesma”.
Na sistemática dessas emendas, cujo valor
subiu 523% em 2020 em relação a 2019, as despesas oficialmente estão no nome do
relator, mas na verdade foram executadas por outros. “Daí o caráter obscuro
desse sistema: o relator-geral desonera-se da observância do dever de atender
os mandamentos da isonomia e da impessoalidade ao atribuir a si próprio a
autoria das emendas orçamentárias, ocultando, dessa forma, a identidade dos
efetivos requerentes das despesas, em relação aos quais recai o manto da
imperscrutabilidade”, diz o voto da ministra Rosa Weber.
As emendas do relator são apenas uma parte
do imbróglio da semana. A PEC dos precatórios está andando graças a esse
combustível, as tais discutíveis emendas. Mas a PEC em si é muito ruim por
embutir o não pagamento de dívida e a mudança casuística do teto de gastos,
tudo sendo apresentado demagogicamente como sendo necessário para haver uma
política para os pobres.
Em entrevista que me concedeu ontem na
Globonews, o professor Edmar Lisboa Bacha definiu a proposta como sendo a “PEC
do Calote”.
— Diante desse governo que está aí, tudo o
que se pode fazer é uma política de contenção de danos. Além de pressionar o
Congresso para impedir que passe a PEC do Calote. Os precatórios são uma dívida
líquida e certa. Eles deveriam ter achado uma solução, e soluções há para fazer
caber os precatórios no Orçamento, sem essa confusão infernal que estão
arrumando tanto na natureza da PEC quanto na natureza da votação — disse Bacha.
Não existe um “arreglo” que o STF possa
fazer para salvar tudo isso. É uma péssima PEC que vem sendo aprovada graças a
essas emendas em tudo condenáveis.
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