sábado, 13 de novembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Mais uma ‘última chance’

O Estado de S. Paulo

Apesar dos avanços da COP, negociações sobre o apoio aos pobres, o preço do carbono e investimentos em inovação deixaram a desejar

Apesar dos avanços, COP26 deixou a desejar em algumas negociações.

As expectativas para a 26.ª Conferência Climática (COP-26) foram altas como nunca. A conclusão foi nebulosa como sempre. Não cabe menosprezar os raios de esperança, como os acordos de redução do metano e do desmatamento, o compromisso da Índia com a neutralidade de carbono ou a cooperação entre EUA e China.

Apesar da sombra de Bolsonaro, a participação do Brasil foi razoavelmente positiva. Os ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, ao contrário de seus predecessores, foram diplomáticos e propositivos. Lideranças públicas e civis apresentaram compromissos e conquistas. As metas mais relevantes – a redução de 30% das emissões de metano e o desmatamento zero até 2030 – são desafiadoras, mas factíveis: a preservação exige fiscalização, repressão e opções de crescimento sustentável a populações de zonas florestais; o Brasil já desenvolve tecnologias agrícolas aptas a reduzir o metano sem impactar a criação de gado ou seu preço.

O último ponto é importante, porque o maior desafio das políticas climáticas é maximizar a redução das emissões minimizando seu custo social. Hoje, é impossível cortar combustíveis fósseis sem encarecer a energia. As pessoas estão dispostas a pagar a descarbonização da economia com menos crescimento. Mas quanto?

Fala-se em zerar as emissões até 2050. Um estudo na revista Nature estimou que nos EUA isso custaria cerca de 12% do PIB. A Nova Zelândia calcula 16%. Quando o presidente francês propôs uma taxa marginal sobre a gasolina, foi confrontado por anos de protestos dos “coletes amarelos”. O governo do Reino Unido foi forçado a recuar de uma lei que obrigava a substituição onerosa da calefação a gás.

O impacto dos países pobres sobre o clima é menor que o dos ricos, mas o impacto da transição energética em suas economias é maior. A meta assumida há 12 anos de ajuda de US$ 100 bilhões anuais aos pobres não foi cumprida e parece defasada.

Além de um debate franco sobre o ônus social das políticas ambientais, há temas correlatos insatisfatoriamente desenvolvidos na COP.

A precificação progressiva do carbono é a melhor ferramenta para pressionar a descarbonização distribuindo seus custos. Não houve acordo, mas a COP consolidou convergências.

Hoje, combater as mudanças climáticas é como combater a pandemia sem vacinas. As medidas variam entre restrições relativamente inócuas a estilos de vida – ao tirar a carne da dieta, por exemplo, uma pessoa corta no máximo 4% de suas emissões – e altamente onerosas – como “lockdowns” nos combustíveis fósseis.

O antídoto será uma energia limpa tão barata e confiável quanto a fóssil. Tenta-se ampliar a energia eólica e a solar via subsídios. Mas elas são caras, intermitentes e difíceis de transportar. A solução virá de uma nova geração de baterias. Outra opção é desenvolver energia nuclear mais barata e segura. Fora fontes distantes, mas possíveis, como fusão, fissão ou biocombustíveis. Ou tecnologias de captura de carbono.

A pedido do think tank Copenhagen Consensus, 20 economistas especialistas em clima, incluindo três Prêmios Nobel, estimaram que o mundo precisaria investir US$ 100 bilhões anuais em pesquisa e desenvolvimento de energia verde. Seria preciso sextuplicar os investimentos públicos, mas isso é menos do que os atuais US$ 150 bilhões de subsídios à energia solar e à eólica ineficientes. A promessa dos ricos na COP de 2015 de dobrar investimentos malogrou. Os investimentos privados, na ordem de US$ 6 bilhões, estão estagnados. A COP não mudou esse quadro.

O clima de frustração é agravado por uma ansiedade exorbitante que turva as discussões sobre prioridades e soluções socialmente sustentáveis. Ao contrário do que pregam os profetas do apocalipse, a COP não foi a “última chance” da humanidade e o aquecimento global não é o “fim do mundo”. É um desequilíbrio real, com impactos severos, mas manejável com doses redobradas de prudência, persistência e criatividade. A comoção das lideranças políticas, empresariais e da população global em torno à COP mostra que não falta energia para isso.

Alguma tranquilidade em tempos difíceis

O Estado de S. Paulo

Prorrogação da desoneração da folha ajuda a preservar empregos, algo essencial neste momento, mas é preciso fazer mais para criar vagas

A decisão anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro de prorrogar a desoneração da folha de pagamentos que terminaria no fim deste ano dá um pouco mais de tranquilidade para empresas de 17 setores que estão entre os que mais empregam no País e deve ajudá-las a preservar seu quadro de pessoal.

É medida oportuna e tomada no devido tempo, o que raramente ocorre no atual governo. A desoneração da folha assegura melhores condições de operação para empresas que mantêm grande número de empregados e traz um alívio importante no momento em que se acumulam indicadores que mostram a piora dos resultados de diversos setores da economia, acompanhada da alta da inflação e da persistência de elevadas taxas de desocupação e de trabalho precário. A pandemia está passando, mas as dificuldades na economia continuam.

A desoneração da folha de pagamentos está em vigor desde 2011. No início, beneficiava 56 setores da economia. No governo de Michel Temer, o número foi reduzido para os atuais 17 que continuam contemplados. Entre eles estão os que usam mão de obra intensivamente, como construção civil, indústrias têxtil e de calçados, comunicações, transporte coletivo, transporte rodoviário e o setor de proteína animal.

A medida permite que as empresas substituam a contribuição previdenciária de 20% sobre os salários dos empregados por outra, calculada com alíquota de 1% a 4,5% sobre o faturamento bruto. Para as empresas com custo de pessoal alto em relação ao faturamento, a troca é benéfica, pois reduz seu recolhimento para os cofres públicos. Com essa vantagem, elas são estimuladas a manter seu quadro de pessoal. Estimase que os setores atualmente beneficiados empreguem mais de 6 milhões de trabalhadores.

O fim da desoneração trazia o risco de demissão para parte deles, lembraram dirigentes empresariais dos setores contemplados. Além disso, sem esse benefício, os números da crise econômica e social que afetou duramente o País no ano passado talvez tivessem sido ainda piores. As empresas incluídas nos setores contemplados, pela extensão de suas folhas de pagamentos, têm papel de grande relevância na renda das famílias e, assim, no consumo doméstico.

É ilusório imaginar, porém, que a desoneração da folha seja grande estimuladora da contratação de pessoal, como o governo costuma argumentar. As empresas só aumentam de forma consistente seu quadro de pessoal quando identificam a possibilidade de expansão de seus negócios. E isso ocorre quando a economia cresce, o que não está ocorrendo de maneira consistente neste ano.

O crescimento estimado para o Produto Interno Bruto (PIB), de cerca de 5% em 2021, parece expressivo, mas se dará sobre uma base muito deprimida (o PIB de 2020) pela pandemia. Mal se conseguirá repor o que se perdeu no ano passado. Para o ano que vem, as projeções, já modestas, vêm sendo cada vez mais reduzidas nas pesquisas semanais que o Banco Central realiza com analistas do mercado financeiro.

A decisão do presidente resultou de alguma troca. Haverá custo fiscal, pois se estima que a desoneração implica redução de R$ 8,3 bilhões anuais na arrecadação federal. Por isso, segundo dirigentes empresariais, o governo condicionou a prorrogação da desoneração ao apoio à PEC dos Precatórios, já aprovada na Câmara e agora em exame pelo Senado.

Embora tenha confirmado a prorrogação da desoneração da folha, o presidente da República não deu indicação de como isso será feito. Certamente envolverá alguma negociação com o Congresso, que analisa projeto com o mesmo objetivo, mas por prazo maior. O projeto prevê a prorrogação da desoneração até 2026 e já tem parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. O relator da matéria na Comissão, deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), disse ao Estado que vai ajustar para dois anos, como anunciou Bolsonaro.

Seja qual for o desfecho, contudo, é preciso deixar claro que a desoneração, apenas, não tem o condão de impulsionar a economia e, consequentemente, a criação de vagas. Isso depende em larga medida da capacidade do governo de estimular investimentos – algo que não se improvisa.

Trabalho reformado

Folha de S. Paulo

Economia prejudica resultado da correta reformulação da CLT aprovada há 4 anos

Completados quatro anos da reforma da CLT, a avaliação de seus impactos ainda é objeto de controvérsia política —natural, ainda mais num país desigual como o Brasil.

Uma das mudanças mais importantes promovidas em 2017 foi a criação de novas possibilidades de contratação, em modalidades parcial e intermitente, visando contratos aderentes à prática do mundo contemporâneo do trabalho, mais ancorado em tarefas temporárias e múltiplas ocupações.

A maior flexibilidade deveria favorecer a criação de postos formais, antes quase impossíveis para grande número de trabalhadores, sobretudo os de menor qualificação que permaneciam fora das garantias fixadas na legislação.

Outro alvo das alterações na CLT foi a simplificação de regras e o melhor equilíbrio entre as partes nas ações judiciais, de modo a coibir disputas oportunistas. De fato, houve queda sensível do número de novas ações trabalhistas —de 3,96 milhões em 2017 para 2,2 milhões no ano passado.

A menor incerteza sobre passivos jurídicos futuros por certo tende a favorecer a criação de empregos com carteira assinada, e esse era o objetivo central da reforma.

Nesse sentido, foi infeliz a decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar inconstitucional a previsão de que a parte perdedora pagasse os custos do processo.

A interpretação da corte foi que haveria prejuízo ao direito de acesso à Justiça. É verdade que há riscos, mas tampouco se pode descartar o benefício sistêmico de coibir a litigância exagerada, um problema que assola a Justiça do Trabalho e prejudica o atendimento a demandas procedentes.

Quanto ao impacto na geração de empregos formais, o resultado dos últimos anos é ruim, não há dúvida. Neste 2021, até setembro, o saldo de vagas geradas não passa de 61,5 mil nos contratos de trabalho intermitente e de 35,7 mil nos de trabalho parcial, conforme os registros do Ministério do Trabalho.

As taxas de desocupação e informalidade permanecem elevadas. No período de três meses encerrados em agosto, contaram-se 10,8 milhões de funcionários sem carteira no setor privado, além de 4,15 milhões de empregados domésticos na mesma condição.

Não se pode, entretanto, tomar tais números como prova de ineficácia da reforma —ainda que previsões otimistas da época não tenham se confirmado. Afinal, a situação econômica do país era precária antes da mudança e assim permaneceu depois, com o agravante do impacto da pandemia.

A retomada do crescimento depende de um conjunto mais amplo de iniciativas, incluindo o ajuste orçamentário que ora passa por retrocesso sob Jair Bolsonaro.

Picuinhas antivacinais

Folha de S. Paulo

Sabujos de Bolsonaro ainda insistem em atacar a hoje bem-sucedida imunização

O governo Jair Bolsonaro, em que pesem as evidências favoráveis à vacinação em massa contra o vírus da Covid-19, não descansa em investidas contra o uso do imunizante, das quais participam sabujos de todos os setores do Executivo.

Na visão delirante do mandatário, propalada em seu discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU, a exigência de comprovantes de vacinação em eventos e situações de aglomeração deve ser tratada como ofensa à liberdade individual, e não como medida sanitária para enfrentar a pandemia.

Tal campanha obscurantista produziu nos últimos dias duas portarias ministeriais. A primeira, do ministro Onyx Lorenzoni, do Trabalho, impede empresas de demitir ou deixar de contratar quem não queira tomar vacina. A vedação caiu nesta sexta (12) por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.

A segunda medida partiu da falange de gestores obtusos que ocupa cargos federais na área cultural. O secretário especial, Mario Frias, decidiu proibir os proponentes de projetos culturais com recursos viabilizados pela Lei Rouanet de adotar o chamado passaporte sanitário (a obrigatoriedade de atestado de vacinação) em eventos.

Quem descumprir a prescrição estará sujeito a multa e perda das verbas. No caso de o município ou o estado exigir o comprovante, o evento previsto terá de passar de presencial a virtual —para evitar, segundo a norma, a "discriminação entre vacinados e não vacinados".

Numa rede social, o secretário Frias afirmou que a proibição do passaporte da vacina "visa garantir que medidas autoritárias e discriminatórias não sejam financiadas com dinheiro público federal e violem os direitos mais básicos da nossa civilização".

Espantosa, a afirmação mereceu a costumeira bajulação pública dos colegas de camarilha. Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, mostrou-se contente com o ataque ao que seriam "surtos ditatoriais higienistas nos estados e municípios".

Já o capitão da PM André Porciúncula, secretário de Incentivo e Fomento, elogiou a "lucidez" do embuste produzido pelo chefe.

São picuinhas que provavelmente terão pouco efeito concreto, dado que a ampla maioria da população brasileira ignorou a estupidez irresponsável do governo e aderiu à vacina. Evidencia-se, de todo modo, que a sabotagem às políticas sanitárias continua em curso.

 

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