O Globo
Há algumas semanas, uma ativista de direita
que protestava contra o passaporte da vacina na Câmara Municipal de Porto
Alegre foi acusada de racismo por dizer que uma vereadora negra era sua “empregada”.
Seu grupo foi acusado de apologia ao nazismo por carregar um cartaz com uma
suástica. Não foi apenas o ativismo de esquerda que difundiu a acusação.
Reportagens na maioria dos grandes veículos de imprensa também o fizeram.
Quem assistir ao vídeo com a cena, porém,
verá que a ativista diz: “Eu sou o povo” e, em seguida, “tu é minha empregada”,
querendo dizer que os políticos são — ou deveriam ser — funcionários do povo.
Fotos do dia mostram que a suástica do cartaz não era apologia, mas crítica: estava
ali para dizer que o passaporte da vacina era uma política nazista (e, por ser
nazista, não deveria ser adotado).
A oposição às políticas sanitárias é uma
postura muito equivocada e perigosa, na opinião deste colunista. Mas isso não
dá o direito de distorcer as posições de quem a adota — se é que o que
aconteceu foi uma distorção deliberada das posições dos ativistas antivacina.
Dada a dimensão da confusão, estou convencido de que nós, progressistas e oposicionistas, simplesmente não conseguimos mais escutar os bolsonaristas e, independentemente do que dizem, ouvimos apenas aquilo que nosso preconceito indica. E isso é um problema grave, porque os bolsonaristas são um terço da cidadania brasileira.
O problema não está apenas no ativismo
anti-Bolsonaro e na imprensa: está também na academia. Quem revisar a
literatura científica sobre a extrema direita descobrirá que ela está tomada de
vieses que não vemos quando se estudam outros objetos.
Nos estudos sobre movimentos sociais, a
extrema direita ainda é tratada na chave da anomia social, como se o apoio às
suas causas fosse uma espécie de disfuncionalidade.
Estudamos os movimentos de extrema direita
como se fossem causados por um desarranjo profundo, um desespero irracional
gerado pela rápida mudança nas relações sociais e nos valores, pelo desemprego,
pela falta de instrução ou pelo baixo capital cultural.
Esse tipo de abordagem foi abandonado há
mais de 50 anos pela sociologia dos movimentos sociais. Apesar disso, ainda não
conseguimos tratar as mobilizações da extrema direita como tratamos os outros
movimentos sociais: como uma ação coletiva orientada à mudança social.
Quando olhamos para o perfil de quem
estuda, vemos também um padrão diferente. Em geral, movimentos sociais e
políticos são estudados por simpatizantes. Trotskistas estudam o trotskismo, e
ambientalistas o ambientalismo. Os movimentos de extrema direita são os únicos
estudados pelos seus adversários — e é muito difícil compreender atores por que
sentimos hostilidade.
Precisamos deixar um pouco de lado nossos
preconceitos e escutar o que um terço do país está dizendo. É nossa
incapacidade de escutar as demandas de uma parcela significativa da cidadania
que faz com que a extrema direita ofereça todas as respostas a elas — são
respostas antidemocráticas, mas são as únicas que estão sobre a mesa.
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