Folha de S. Paulo
Polícia de Minneapolis, onde George Floyd
foi assassinado, não será reformada
As taxas de homicídios nas grandes cidades
dos EUA cresceram 30% em 2020 e, novamente, 24% nos primeiros meses de 2021. As
taxas de aprovação do governo Biden retrocedem
desde julho, caíram para zona negativa em agosto e, agora, situam-se ao redor
de meros 43%. Inexiste correlação estatística direta entre os dois fenômenos,
mas o primeiro, filtrado pelo discurso político, ajuda a iluminar o segundo.
"Cortem o financiamento da
polícia" –o lema foi erguido pelo movimento Black Lives Matter ("Vida
Negras Importam") durante as manifestações de protesto pelo assassinato
de George
Floyd, em Minneapolis, e adotado pela ala esquerda do Partido Democrata.
Nas eleições de
2020, Biden obteve mais de 70% dos votos na cidade que foi palco do crime notório.
Há pouco, porém, a mesma cidade rejeitou
em plebiscito uma proposta de substituição do departamento de polícia
por um Departamento de Segurança Pública.
Uma folgada maioria de 56% votou contra a nova agência que "se necessário, poderia incluir" policiais. "O Império contra-ataca", tuitou D.A. Bullock, cineasta e ativista do movimento negro. De fato, porém, a proposta foi derrotada tanto nos bairros afluentes, majoritariamente brancos, quanto nos pobres, habitados por negros e latinos, onde se concentra a violência por armas de fogo. Nicole Drillard, que é negra e teme as arbitrariedades cometidas por policiais, explicou seu voto: "Precisamos de alguém para chamar –e, se não for a polícia, quem será? Já não temos policiais suficientes nas ruas."
A desconexão dos ativistas com suas
supostas bases evidenciou-se desde o início, pela adoção da bandeira radical de
abolição da polícia no lugar da ideia de reforma policial. A deputada Ilhan
Omar, de Minneapolis, uma estrela da esquerda democrata, lamentou a derrota e,
como tantos, a atribuiu à "desinformação". Claro: os eleitores são
informados quando a elegem, mas não o são quando recusam-se a seguir o seu
comando.
Quase todas as grandes cidades dos EUA são
governadas pelo Partido Democrata. Espertos, os republicanos converteram o aumento
dos homicídios em tema central de campanha. Biden nunca juntou-se às vozes que
querem cortar o financiamento da polícia, mas diversos integrantes de seu
governo engajaram-se na defesa da abolição do departamento policial de
Minneapolis. Assim, o discurso da "lei e ordem", que não salvou Trump,
refaz seu caminho na pista asfaltada por ativistas identitários para quem nem
todas as vidas negras importam. Na Virgínia, que deu vantagem de 10 pontos para
Biden em 2020, o republicano Glenn Younkin acaba de eleger-se governador
falando sem cessar na onda recordista de homicídios.
Nekima Levy Armstrong, advogada de direitos
civis, reagiu aos resultados do plebiscito apontando o dedo à esquerda
democrata, que prefere o "exibicionismo político" ao árduo trabalho
de reformar a polícia. "Vidas negras precisam ser valorizadas não apenas
quando injustamente tiradas pela polícia mas também quando demandam vizinhança
segura". Ela registrou que a proposição derrotada saiu-se melhor nos
bairros da classe média branca, naufragando nos bairros majoritariamente
negros.
Os ativistas da política identitária,
arquitetos da "nova esquerda", dirigem sua mensagem às minorias,
renunciando a persuadir a maioria, que se torna presa fácil da direita
populista. Não só: tratam negros e latinos como minorias zelosas de suas
identidades étnicas, não como cidadãos discriminados que querem usufruir, na
vida real, de direitos plenos de cidadania. Substituem a política da igualdade
pela da diferença –e, quando perdem os votos das próprias minorias, as acusam
de não estarem à altura deles mesmos.
No fim, a polícia de Minneapolis não será reformada. Trump observa, radiante, a captura do Partido Democrata pelo discurso identitário dos radicais de salão.
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