sábado, 11 de dezembro de 2021

Ascânio Seleme - É a fome, estúpido

O Globo

Combate à corrupção não vai decidir a corrida presidencial de 2022; questão tampouco pode se limitar à economia

Evidentemente não se deve esquecer jamais da corrupção, germe super-resistente que contamina a nação desde o seu nascimento, mas o grande tema da eleição presidencial de 2022 será a fome. Ela, que já foi estrela eleitoral, volta ao debate político dada a degradação da economia do país. Hoje, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), 19 milhões de brasileiros passam fome e outros 119 milhões estão em situação de insegurança alimentar, sem acesso regular e permanente a alimentos. Só na cidade do Rio, 107 mil famílias vivem em estado de extrema pobreza. Mas, o drama da fome é visível e palpável em todos os cantos de todas as cidades brasileiras.

Nunca se viu tantos miseráveis desalentados nas ruas, mendigando um prato de comida, um litro de leite, um resto, uma sobra, uma migalha. As imagens de grupos de famintos buscando o que comer em caminhões de lixo, nas portas de supermercados, bancos e farmácias remetem aos anos 1980 e início dos 1990. A notícia de brasileiros comendo lagartos no Rio Grande do Norte lembra episódios idênticos relatados no passado, com pessoas fotografadas enquanto preparavam calangos e ratazanas para a refeição. As imagens daquela época eram tão ultrajantes quanto são as de hoje.

As ruas de Copacabana parecem acampamentos, tamanho o número de pessoas sem teto dormindo nas calçadas ou sob as marquises. No Centro do Rio, em Ipanema, na Tijuca, onde você andar vai encontrar pessoas lutando por um pedaço de pão. Em Belo Horizonte, Salvador ou Porto Alegre as cenas se repetem. Em São Paulo, a maior cidade brasileira, a imagem é igual. Pare na esquina da Brigadeiro Faria Lima com a Alameda Gabriel Monteiro da Silva, no coração financeiro do país, e conte o número de pedintes. O resultado será na casa da dezena. No interior do Brasil é a mesma coisa, com mais gravidade em regiões mais pobres do Nordeste. Mas passa-se fome também em Santa Catarina e no Paraná.

Nas campanhas presidenciais pós-ditadura, os temas centrais foram corrupção (Collor e Bolsonaro), economia (FHC I e II, Lula II e Dilma I e II) e fome (Lula I). Lula de novo vem tratando do tema agora, na sua pré-campanha, mas foi a senadora Simone Tebet quem disse com todas as letras do que se trata ao lançar a sua candidatura pelo MDB, na terça-feira. Ela falou para a distinta plateia que a ouvia que partia para uma missão e acrescentou: “Essa missão tem um clamor. Tem o clamor da urgência, urgência porque o nosso povo, o povo brasileiro, está morrendo de fome”.

Em razão desta urgência, é possível que a aposta de Bolsonaro e Moro de levar o debate para a corrupção e ganhar de Lula neste campo não prospere a ponto de garantir uma eleição. Quando 19 milhões não comem e 119 milhões muitas vezes não jantam ou não almoçam, a questão tampouco pode se limitar à economia, embora seja com ela que se vá resolver o problema um dia. O que o eleitor quer saber é qual presidente estará em melhores condições de resolver o seu problema imediato. O povo quer comer, senhor candidato. É a fome, estúpido.

Esqueça a corrupção

Os garantistas vão dizer que não, mas Sergio Moro pode ter razão quando diz que crime de corrupção não deveria prescrever. Considere que o corrupto desvia recursos públicos que podem, em última análise, salvar vidas humanas. Muitas vidas humanas, se o dinheiro for da Saúde ou da Educação. Não se deve esquecer, nem perdoar, quem rouba ou deixa roubar, mesmo que alguns considerem um atenuante quando o fruto do roubo for para caixa de partido político. De minha parte, acho que é um agravante.

Esqueça a corrupção 2

Mensaleiros estão de volta no formato orçamento secreto. A PEC do fim do foro privilegiado está ancorada e não se move na Câmara. Já a PEC da prisão em segunda instância está sendo mais bombardeada do que Londres na Segunda Guerra. Quer mais? Vai ouvindo, Brasil.

Esqueça a corrupção 3

Os tribunais ajudam a turvar a memória dos brasileiros. Depois de o Supremo Tribunal Federal ter anulado as condenações de Lula, o MP arquivou o processo do triplex do Guarujá, e a defesa do ex-presidente disse que agora ele pode ser considerado inocente. Correto, se o réu não foi condenado e o crime prescreveu, ele é inocente. Esqueça. Por decisão de diversas instâncias da Justiça, estão sendo anuladas sentenças de outros condenados por corrupção, como os outrora mal-afamados Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves, que foram postos em liberdade. Ações contra o ex-presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, Arthur Lira, foram trancadas. Esqueça. Até mesmo o ladrão em série Sérgio Cabral foi beneficiado tendo uma das suas inúmeras condenações anuladas. Geddel Vieira Lima, aquele das malas com R$ 51 milhões descobertas num apartamento vazio em Salvador, teve a condenação em primeira instância derrubada pela Segunda Turma do STF. Sua sentença foi reduzida para um ano e três meses apenas por lavagem de dinheiro, embora ele nunca tenha conseguido explicar a origem de toda aquela erva. E já está solto. Esqueça.

Esquecer, jamais

O Vaticano anunciou a beatificação de João Paulo I. Com a volta ao noticiário do papa breve, que morreu 33 dias depois de assumir, a causa da sua morte tornará a ser discutida. Embora restem poucas dúvidas de que ele morreu mesmo de uma embolia pulmonar, segundo os repórteres Chico Harlan e Stefani Pitrelli, do jornal “Washington Post”, o tema do assassinato por uma conspiração vai de novo pipocar. Tem coisas que jamais deveriam ser esquecidas e outras que serão lembradas para sempre.

Para inglês ver

Bolsonaro foi eleito personalidade do ano numa enquete online promovida pela revista “Time”. Fala sério, você acredita mesmo que os leitores da revista americana consideram o presidente do Brasil uma personalidade a ser cultuada? Claro que não, a maioria nem sabe que essa figura bisonha existe. Quem votou no Bozo foram os robozinhos de sempre, como mostrou a repórter Camila Zarur no GLOBO de ontem. E, mais. Você deve ter visto as pesquisas feitas pela TV Globo durante os jogos do Campeonato Brasileiro em que os telespectadores votavam de modo digital no melhor jogador da partida. Invariavelmente eram apontados os piores em campo ou reservas que nem entraram. É evidente que não dá para confiar em enquetes on-line.

São Lula 1

Lula faz milagre na Argentina. Logo no primeiro dia da sua visita triunfal a Buenos Aires reuniu na mesma foto o presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner. E mais, ambos estavam sorrindo e de mãos dadas. Nem o papa Francisco, esse sim um santo, conseguiu tanto.

Sem Ciro

Os que acham que Lula corre muito risco no segundo turno, especialmente se o seu adversário for Moro, não podem se esquecer dos votos de Ciro Gomes. Sem Ciro na disputa, Lula ganha até no primeiro turno.

Vai tão mal

Bolsonaro vai tão mal neste fim de ano, que se a eleição fosse hoje, a presença do nome de Lula na cédula seria desnecessária para derrotá-lo. Com Haddad, muito provavelmente o PT bateria o presidente em exercício.

Maior antipetista

Interessante a briga entre Jair Bolsonaro e Sergio Moro para saber quem é o mais antipetista dos dois. Cada um deles pinta o PT e Lula com tintas mais fortes. Moro deve ganhar pelo conjunto da obra. Não significa que por isso vai para o segundo turno no lugar de Bolsonaro. Mas, pode ser.

Nosso Rio

Tão eficiente contra a Covid quanto a quarentena de cinco dias de Jair Bolsonaro é o réveillon dividido de Eduardo Paes. O Rio vai ter fogos em diversos pontos de modo a evitar deslocamentos, já que assim as pessoas ficariam no seu próprio bairro, calculou Paes. Mas, em Copacabana, programou a prefeitura, serão 16 minutos de fogos disparados de dez balsas. Apesar das restrições que se quer fazer nos transportes na virada, você acha mesmo, caro prefeito, que as pessoas não vão correr para a Princesinha do Mar? Vamos esperar para ver as fotos da festa.

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