O Globo
Combate à corrupção não vai decidir a
corrida presidencial de 2022; questão tampouco pode se limitar à economia
Evidentemente não se deve
esquecer jamais da corrupção, germe super-resistente que contamina a nação
desde o seu nascimento, mas o grande tema da eleição presidencial de 2022 será
a fome. Ela, que já foi estrela eleitoral, volta ao debate político dada a
degradação da economia do país. Hoje, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), 19 milhões de
brasileiros passam fome e outros 119 milhões estão em situação de insegurança
alimentar, sem acesso regular e permanente a alimentos. Só na cidade do Rio,
107 mil famílias vivem em estado de extrema pobreza. Mas, o drama da fome é
visível e palpável em todos os cantos de todas as cidades brasileiras.
Nunca se viu tantos
miseráveis desalentados nas ruas, mendigando um prato de comida, um litro de
leite, um resto, uma sobra, uma migalha. As imagens de grupos de famintos
buscando o que comer em caminhões de lixo, nas portas de supermercados, bancos
e farmácias remetem aos anos 1980 e início dos 1990. A notícia de brasileiros
comendo lagartos no Rio Grande do Norte lembra episódios idênticos relatados no
passado, com pessoas fotografadas enquanto preparavam calangos e ratazanas para
a refeição. As imagens daquela época eram tão ultrajantes quanto são as de
hoje.
As ruas de Copacabana
parecem acampamentos, tamanho o número de pessoas sem teto dormindo nas
calçadas ou sob as marquises. No Centro do Rio, em Ipanema, na Tijuca, onde
você andar vai encontrar pessoas lutando por um pedaço de pão. Em Belo
Horizonte, Salvador ou Porto Alegre as cenas se repetem. Em São Paulo, a maior
cidade brasileira, a imagem é igual. Pare na esquina da Brigadeiro Faria Lima
com a Alameda Gabriel Monteiro da Silva, no coração financeiro do país, e conte
o número de pedintes. O resultado será na casa da dezena. No interior do Brasil
é a mesma coisa, com mais gravidade em regiões mais pobres do Nordeste. Mas
passa-se fome também em Santa Catarina e no Paraná.
Nas campanhas presidenciais pós-ditadura, os temas centrais foram corrupção (Collor e Bolsonaro), economia (FHC I e II, Lula II e Dilma I e II) e fome (Lula I). Lula de novo vem tratando do tema agora, na sua pré-campanha, mas foi a senadora Simone Tebet quem disse com todas as letras do que se trata ao lançar a sua candidatura pelo MDB, na terça-feira. Ela falou para a distinta plateia que a ouvia que partia para uma missão e acrescentou: “Essa missão tem um clamor. Tem o clamor da urgência, urgência porque o nosso povo, o povo brasileiro, está morrendo de fome”.
Em razão desta
urgência, é possível que a aposta de Bolsonaro e Moro de levar o debate para a
corrupção e ganhar de Lula neste campo não prospere a ponto de garantir uma
eleição. Quando 19 milhões não comem e 119 milhões muitas vezes não jantam ou
não almoçam, a questão tampouco pode se limitar à economia, embora seja com ela
que se vá resolver o problema um dia. O que o eleitor quer saber é qual
presidente estará em melhores condições de resolver o seu problema imediato. O
povo quer comer, senhor candidato. É a fome, estúpido.
Esqueça a corrupção
Os garantistas vão dizer que não, mas
Sergio Moro pode ter razão quando diz que crime de corrupção não deveria
prescrever. Considere que o corrupto desvia recursos públicos que podem, em
última análise, salvar
vidas humanas. Muitas vidas humanas, se o dinheiro for da Saúde
ou da Educação. Não se deve esquecer, nem perdoar, quem rouba ou deixa roubar,
mesmo que alguns considerem um atenuante quando o fruto do roubo for para caixa
de partido político. De minha parte, acho que é um agravante.
Esqueça a corrupção 2
Mensaleiros estão de volta no formato
orçamento secreto. A PEC do fim do foro privilegiado está ancorada e não se move na
Câmara. Já a PEC da prisão em segunda instância está sendo mais bombardeada do
que Londres na Segunda Guerra. Quer mais? Vai ouvindo, Brasil.
Esqueça a corrupção 3
Os tribunais ajudam a turvar a memória dos
brasileiros. Depois de o Supremo Tribunal Federal ter anulado as condenações de
Lula, o MP arquivou o processo do triplex do Guarujá, e a defesa do
ex-presidente disse que agora ele pode ser considerado inocente. Correto, se o
réu não foi condenado e o crime prescreveu, ele é inocente. Esqueça. Por decisão
de diversas instâncias da Justiça, estão sendo anuladas sentenças de outros
condenados por corrupção, como os outrora mal-afamados Eduardo Cunha e Henrique
Eduardo Alves, que foram postos em liberdade. Ações contra o ex-presidente
Michel Temer e o presidente da Câmara, Arthur Lira, foram trancadas. Esqueça.
Até mesmo o ladrão
em série Sérgio Cabral foi beneficiado tendo uma das suas
inúmeras condenações anuladas. Geddel Vieira Lima, aquele das malas com R$ 51
milhões descobertas num apartamento vazio em Salvador, teve a condenação em
primeira instância derrubada pela Segunda Turma do STF. Sua sentença foi
reduzida para um ano e três meses apenas por lavagem de dinheiro, embora ele
nunca tenha conseguido explicar a origem de toda aquela erva. E já está solto.
Esqueça.
Esquecer, jamais
O Vaticano anunciou a beatificação de João
Paulo I. Com a volta ao noticiário do papa breve, que morreu 33 dias depois de
assumir, a causa
da sua morte tornará a ser discutida. Embora restem poucas
dúvidas de que ele morreu mesmo de uma embolia pulmonar, segundo os repórteres
Chico Harlan e Stefani Pitrelli, do jornal “Washington Post”, o tema do
assassinato por uma conspiração vai de novo pipocar. Tem coisas que jamais
deveriam ser esquecidas e outras que serão lembradas para sempre.
Para inglês ver
Bolsonaro foi eleito personalidade do ano
numa enquete online promovida pela revista “Time”. Fala sério, você acredita
mesmo que os leitores da revista americana consideram o presidente do Brasil
uma personalidade a ser cultuada? Claro que não, a maioria nem sabe que essa figura bisonha existe.
Quem votou no Bozo foram os robozinhos de sempre, como mostrou a repórter
Camila Zarur no GLOBO de ontem. E, mais. Você deve ter visto as pesquisas
feitas pela TV Globo durante os jogos do Campeonato Brasileiro em que os
telespectadores votavam de modo digital no melhor jogador da partida.
Invariavelmente eram apontados os piores em campo ou reservas que nem entraram.
É evidente que não dá para confiar em enquetes on-line.
São Lula 1
Lula faz milagre na Argentina. Logo no
primeiro dia da sua visita triunfal a Buenos Aires reuniu na mesma foto o
presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner. E mais, ambos
estavam sorrindo
e de mãos dadas. Nem o papa Francisco, esse sim um santo,
conseguiu tanto.
Sem Ciro
Os que acham que Lula corre muito risco no
segundo turno, especialmente se o seu adversário for Moro, não podem se
esquecer dos votos de Ciro Gomes. Sem Ciro na disputa, Lula ganha até no
primeiro turno.
Vai tão mal
Bolsonaro vai tão mal neste fim de ano, que
se a eleição fosse hoje, a presença do nome de Lula na cédula seria desnecessária
para derrotá-lo. Com Haddad, muito provavelmente o PT bateria o presidente em
exercício.
Maior antipetista
Interessante a briga entre Jair Bolsonaro e
Sergio Moro para saber quem é o mais antipetista dos dois. Cada um deles pinta
o PT e Lula com tintas mais fortes. Moro
deve ganhar pelo conjunto da obra. Não significa que por isso
vai para o segundo turno no lugar de Bolsonaro. Mas, pode ser.
Nosso Rio
Tão eficiente contra a Covid quanto a quarentena de cinco dias de Jair Bolsonaro é o réveillon dividido de Eduardo Paes. O Rio vai ter fogos em diversos pontos de modo a evitar deslocamentos, já que assim as pessoas ficariam no seu próprio bairro, calculou Paes. Mas, em Copacabana, programou a prefeitura, serão 16 minutos de fogos disparados de dez balsas. Apesar das restrições que se quer fazer nos transportes na virada, você acha mesmo, caro prefeito, que as pessoas não vão correr para a Princesinha do Mar? Vamos esperar para ver as fotos da festa.
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