Folha de S. Paulo
Enquanto Lula se move para centro, maioria
dos pré-candidatos vai para direita
No ponto de partida da antecipada corrida presidencial,
o fenômeno digno de registro é o giro à direita generalizado no timão político
nacional. São três as raízes do movimento: 1) o controle absoluto de Lula sobre a
esquerda; 2) a persistência de um extenso antipetismo; 3) o fracasso completo
do governo
Bolsonaro.
Desde o seu duplo mandato, Lula
transformou-se, para todos os efeitos, na encarnação da esquerda brasileira –e,
por isso, não teme concorrência à sua esquerda. O PSOL, sob Boulos, opera com
sublegenda do PT e apoiará a candidatura de Lula em qualquer circunstância. Por
isso, o ex-presidente não enxerga riscos na articulação de uma chapa
com Alckmin,
ou seja, num giro rumo ao centro muito mais impactante que sua anterior
dobradinha com o empresário José Alencar.
Os escândalos do mensalão e do petrolão, junto com a devastadora crise econômica precipitada por Dilma, calcificaram a aversão ao PT em amplas parcelas do eleitorado. Lula sabe dos perigos que correria num segundo turno, independentemente do adversário. A valsa da aliança com o tucano em voo livre destina-se a encerrar o jogo no primeiro turno, por meio da redução de seus índices de rejeição, especialmente no Centro-Sul. Do ponto de vista de sua prioridade única, o lance faz sentido, assim como se justifica o apoio do PT ao PSB nas eleições estaduais de Pernambuco, às custas de Humberto Costa ou Marília Arraes, e São Paulo, às custas de Haddad ou Boulos.
Bolsonaro fracassou em tudo. Na
economia, Guedes descumpriu
todas as promessas de campanha e, de quebra, associou seu
"liberalismo" à irresponsabilidade fiscal. Na política, perdeu a
aposta golpista, interrompida pela humilhante retirada do 7 de Setembro. No
campo da popularidade, agarra-se a um setor minoritário de eleitores
hipnotizados pelo discurso reacionário e aos seguidores incondicionais dos
bispos de negócios. Sua herança é a orfandade da maioria antipetista que o
catapultou ao Planalto.
Daí que, enquanto Lula se move para o
centro, a maioria dos pré-candidatos se desloca para a direita. O sonho de
consumo deles é desbancar Bolsonaro, capturando o lugar restante num eventual
segundo turno.
Moro exibe-se
como o "Bolsonaro autêntico", sem as adiposidades extremistas. O juiz
parcial reorganiza os elementos cruciais para o sucesso do capitão
indisciplinado em 2018: a antipolítica; representada pelo salvacionismo
judicial personificado por ele mesmo; o liberalismo econômico, simbolizado por
Pastore; a ofensiva política dos militares, expressa na parceria com o general
Santos Cruz.
A restauração do espírito lava-jatista é
sua bandeira central. Numa ponta, tenta se livrar do peso da sentença que o
expôs como juiz que manchou a toga por meio da acusação de leniência com a
corrupção lançada ao STF. Na outra, promete subverter institucionalmente o
sistema judicial pela criação de um tribunal especial contra a corrupção no
qual seria normalizado o conluio ilegal entre juízes e procuradores.
Doria, por sua vez, quer ser o "novo
PSDB", isto é, um partido definido essencialmente pelo antipetismo, mas
avesso ao golpismo e à irracionalidade do bolsonarismo. Fragilizado por prévias
divisivas num partido agonizante, o
governador paulista corteja Moro em busca de uma coalizão capaz de disputar
com Lula o turno final.
Na paisagem eleitoral, Ciro Gomes é um ator à procura de um personagem. Rompido com o lulismo e sem ossadas bolsonaristas no armário, ele imaginava percorrer a pista da "terceira via" legítima. O problema é que a possível aliança Lula/Alckmin lhe estreita a passagem, impondo uma escolha fatal. Manobrar à esquerda significa chocar-se com a muralha do lulismo; girar à direita implica embrenhar-se em área de congestionamento. João Santana, um mágico inflacionado, não tem artifícios eficientes para solucionar seu dilema.
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