O Globo
Uma das lições da atual crise é que, ao
decidir que setores abrem e fecham, é preciso levar em conta as consequências
sociais da medida
A recessão da Covid é peculiar: ela não se
assemelha a crises anteriores, e as políticas ótimas para responder à crise
também são diferenciadas. Uma dessas peculiaridades, ainda pouco debatida no
Brasil, é o fato de esta recessão ter afetado as mulheres no mercado de
trabalho mais negativamente do que os homens.
Historicamente, os empregos masculinos são
mais afetados por crises do que os empregos femininos. Há várias razões para
isso.
Uma delas é o fato de que as mulheres
entraram na força de trabalho tardiamente, em comparação aos homens, e só
recentemente tem havido convergência nesses indicadores entre os sexos. Como,
nas últimas décadas, a tendência de crescimento no emprego feminino tendeu a
ser maior do que o masculino, em crises o emprego feminino continuava
crescendo.
Os economistas Masao Fukui, Emi Nakamura e Jón Steinsson documentaram que, nos Estados Unidos, esse crescimento do emprego feminino em crises ocorreu até a década de 1990. Nas crises posteriores, o emprego feminino caiu, mas menos do que o masculino.
Outra razão é simplesmente a distribuição
setorial das ocupações entre os sexos. Como homens tendem a estar
sobrerrepresentados em setores que contraem mais durante recessões, como
construção civil e manufatura de bens duráveis, o emprego deles tende a
contrair mais durante as crises.
Por último, existe um efeito de suavização
de renda. Quando homens perdem seus empregos, a família perde boa parte de sua
renda. Para compensar essa perda, é comum que mulheres que trabalham meio
período ou não trabalham busquem trabalhar mais horas, em resposta à perda de
renda do marido.
Na recessão da Covid, foi diferente. Como
demonstraram Titan Alon e seus coautores, em trabalho recente, na maior parte
dos países desenvolvidos o número de horas trabalhadas por mulheres caiu mais
do que as horas trabalhadas por homens durante esta crise.
No Brasil, os dados mostram que a tendência
foi similar ao resto do mundo. Segundo os números da Pesquisa Nacional de
Amostra de Domicílios do IBGE, a depressão no mercado de trabalho nos últimos
dois anos afetou mais as mulheres.
A perda máxima de empregos entre os homens
se deu no segundo trimestre de 2020, com 10% dos homens tendo deixado suas
ocupações. Já entre as mulheres, este vale se deu no terceiro trimestre de
2020, com a perda de emprego de 16% das mulheres.
Além disso, no terceiro trimestre de 2021,
o número de homens trabalhando já estava próximo ao valor pré-crise, enquanto
5% das mulheres ainda não tinham emprego. A crise também tem sido mais
duradoura para elas.
Quais são as explicações?
A primeira tem a ver com quais setores a
recessão da Covid afetou. Desta vez, foram afetados mais intensamente setores
como varejo, hotelaria, aviação e restaurantes. E estes são setores em que o
emprego feminino tende a ser sobrerrepresentado.
Outra questão, mais profunda, tem a ver com
o fechamento das escolas. Por diversos motivos, as mulheres ainda tendem a
ocupar um fardo maior do trabalho doméstico em relação aos homens. Em
particular, elas também dedicam mais tempo ao cuidado dos filhos do que seus
parceiros.
Além de prover serviços educacionais, as
escolas também cumprem uma função social de cuidar das crianças enquanto os
pais trabalham. Com o fechamento das escolas, dado o viés mencionado acima de
recair sobre as mulheres o maior fardo de cuidar das crianças, o resultado
acabou sendo uma nova barreira inesperada para a participação feminina no
mercado de trabalho.
Há algumas lições de política pública que
advêm dessas idiossincrasias. A primeira é que, se essa crise peculiar tem
desigualdades de gênero peculiares, a resposta à crise também precisa
considerar essas desigualdades.
A outra lição que fica para o futuro é que,
em crises sanitárias, decidir quais setores devem estar abertos ou fechados
deve levar em consideração não somente o risco à saúde, mas as consequências
sociais, cognitivas e econômicas desses setores. As distorções de gênero que
observamos são, também, consequência de termos reaberto bares antes de escolas
em boa parte do país.
Essa crise realmente foi diferente, tanto
no Brasil como no resto do mundo. Ainda estamos descobrindo todas as suas
peculiaridades. Contudo, uma coisa já fica clara: a crise atual é a recessão
das mulheres.
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