O Globo
A terceira via é uma expressão adotada pelo
jornalismo para se referir aos candidatos a presidente que representam uma
alternativa a Lula e Bolsonaro. Esses candidatos podem estar mais à direita,
como João Doria ou Sergio Moro, ou mais à esquerda, como Ciro Gomes. Mas o fato
de os candidatos da terceira via criticarem simultaneamente Lula e Bolsonaro
não significa necessariamente que apontem para o fim da polarização.
A polarização política não é um fenômeno
eleitoral. É um fenômeno social que tem expressão eleitoral. Ela opõe cidadãos
que abraçam identidades políticas construídas a partir da hostilidade ao
adversário, e essa dinâmica antagonista se expressa eleitoralmente em dois
candidatos concorrentes.
Até onde se sabe, a polarização brasileira
gira em torno de um conjunto de identidades políticas mais ou menos alinhadas:
de um lado, as de esquerda, de petista e de progressista; de outro, as de
direita, de conservador e de patriota (entre outras). Quem adota uma ou algumas
dessas identidades é um grupo de pessoas que podemos considerar pequeno, mas
grande o suficiente para impactar o resto.
No dia a dia das mídias sociais, são os polarizados que difundirão notícias com viés partidário para além da bolha militante — eles são os responsáveis por levar as disputas de narrativas aos despolitizados que estão no Facebook e nos grupos de WhatsApp da família e dos amigos. São também os polarizados que durante o período eleitoral pedirão voto — ou serão consultados pelos despolitizados para ajudar a escolher candidato. Por falar muito, de maneira coordenada, e por ser muito ativa, a minoria polarizada dá o tom para o conjunto da sociedade.
Lula e Bolsonaro são hoje os grandes
beneficiários da polarização política. Eles controlam grandes estruturas
militantes que garantem o voto de quem abraça determinada identidade política.
Mas isso pode mudar. Duas notícias recentes apontam em sentidos contrários.
Sergio Moro entrou com força na pré-corrida
eleitoral, firmando-se como o candidato mais forte da terceira via. Sua ascensão
rápida coincidiu com a queda do apoio a Bolsonaro, capturada tanto pela
pesquisa do Ipec (ex-Ibope) quanto pela pesquisa do Datafolha.
A princípio, a ascensão de Moro seria boa
notícia para quem se preocupa com a polarização. Um candidato brigado com Bolsonaro
está crescendo entre o eleitorado de direita enquanto Bolsonaro cai. Se isso se
consolidasse, segue o raciocínio, a polarização Lula-Bolsonaro poderia ser
superada.
Mas a polarização não é um fenômeno
eleitoral, é social. É perfeitamente concebível que, com um Moro forte e um
Bolsonaro fraco, a expressão eleitoral da polarização viesse a se deslocar para
um antagonismo Moro-Lula.
Moro tem todas as qualidades para o papel.
Foi o juiz que condenou Lula, num processo que pessoas de esquerda consideram
muito injusto e viciado. Também construiu para si uma forte identidade
anticorrupção e foi o principal fiador de Bolsonaro na primeira metade do
governo. Tem, assim, credenciais tanto para capturar o voto dos bolsonaristas
quanto para manter aceso o ódio dos petistas. É muito fácil vislumbrar uma
polarização subsistente com o campo conservador-punitivista, mais ou menos como
é hoje, apoiando Moro.
Talvez seja um pouco mais promissora outra
notícia da semana: que Geraldo Alckmin pode vir a ser o vice de Lula. Por cerca
de 20 anos, petistas e tucanos alimentaram um antagonismo visceral, uma espécie
de ensaio da polarização que se estruturou depois de 2013. A escolha de um
ex-tucano preeminente para vice de Lula seria um sinal de abertura e distensão
que poderia apontar para um arrefecimento da polarização. Porém, justamente por
Alckmin representar um antagonismo antigo, em certo sentido superado, o efeito
de arrefecimento seria modesto.
Com Bolsonaro ou com Moro como candidato do
antipetismo e com Alckmin ou sem Alckmin como vice de Lula, há pouca chance de
superarmos a polarização em 2022.
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