O Globo
A volta ao tema do sábado passado se
justifica por dois motivos: primeiro, porque a Segunda Turma do STF continuou
nesta semana o processo “liberou geral” de réus ou condenados pela Lava-Jato e
operações afins; segundo, e mais importante, porque encontramos em comentários
do professor Joaquim Falcão, jurista tão sábio quanto técnico, as palavras
exatas para descrever o que acontece em tribunais superiores.
Começando pelo fato: na última terça-feira,
a Segundona decidiu retirar da competência do juiz federal Marcelo Bretas o
caso do empresário Jacob Barata Filho. Conhecido como o “Rei do Ônibus”, Barata
já havia sido condenado por Bretas, com Sérgio Cabral, por fraudes e propinas
variadas na concessão e administração do sistema de transportes do Rio. Mas, com
relatoria de Gilmar Mendes, a Segunda Turma decidiu que o caso deveria ir para
a Justiça estadual —e lá começar de novo.
O placar foi o de sempre, 3 a 1. Gilmar Mendes, o líder, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques, de um lado; de outro, Edson Fachin, sempre voto vencido na tese de manter as decisões da Lava-Jato.
Há um detalhe adicional nesse caso. Gilmar
Mendes e sua mulher foram padrinhos de casamento da filha de Barata. O ministro
já havia dado três habeas corpus ao empresário. Questionado uma vez se não
havia suspeição, Gilmar respondeu que não via problema algum em julgar pessoas
de suas relações, inclusive políticos.
O novo ministro, André Mendonça, vai para
essa Segunda Turma. Ele já defendeu a Lava-Jato, mas, na sabatina do Senado,
declarou-se garantista, estrategicamente. De todo modo, mesmo que se alinhe com
Fachin, será sempre 3 a 2, como era quando a ministra Cármen Lúcia integrava a
turma.
Ou seja, continuará o desmonte do combate à
corrupção. E aqui entra Joaquim Falcão. Ele encontrou as palavras exatas — e,
pois, a tese — para definir o que está acontecendo: “processualismo
patológico”.
Quer dizer o seguinte: as Cortes não estão
dizendo se alguém é inocente ou culpado, mas recorrem a suposta “impropriedade
processual” para anular condenações e provas. Ora, acrescenta Falcão, conforme
citado na revista Crusoé, a sociedade não quer saber de labirintos processuais,
mas se o suspeito cometeu ou não o crime.
É típico o caso de Lula. O Supremo não
entrou no mérito, não disse se ele é culpado ou inocente, apenas mandou os
casos para outro foro, onde prescreveram.
A civilização ocidental e a democracia
reconhecem a presunção de inocência e, mais que de fazer justiça, dependem,
sim, do devido processo legal. Mas, quando alguém se torna suspeito de algum crime,
quando é denunciado, fazer justiça é levar o devido processo até o fim e
declarar se o sujeito é culpado ou inocente.
Juízes com quem tenho conversado,
supergarantistas, dizem que não importa o tempo do processo. Assim, se
encontrada uma “impropriedade processual”, em qualquer momento, deve ser
corrigida.
Quase me saiu o comentário — quanta
ingenuidade! —, mas troquei por excesso de boa-fé. Ocorre que as Cortes
brasileiras, especialmente aquelas lá de cima, encontram ou afastam
impropriedades processuais por razões nada técnicas. E, sim, por conveniências
variadas — desde pessoais até políticas, nesses casos, para defender o pessoal
que instituiu um sistema de poder favorável a grupos igualmente variados, de
políticos e altos funcionários a empresários e lobistas, incluindo seus
advogados. Trata-se do pessoal que controla os orçamentos públicos, as
estatais, os cargos nos governos.
É uma turma de muitas vidas. Já sofreu
derrotas duras, como no mensalão e no petrolão, quando figurões foram
condenados e presos. Mas sempre arranja um jeito de dar a volta por cima. Como
agora: centenas de condenações anuladas por “impropriedade processual”.
Os grandes escritórios de advocacia
criminal, que acumularam anos de derrotas, estão agora em modo Boas Festas.
Grandes festas.
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