sábado, 18 de dezembro de 2021

Carlos Alberto Sardenberg: Garantia de impunidade (2)

O Globo

A volta ao tema do sábado passado se justifica por dois motivos: primeiro, porque a Segunda Turma do STF continuou nesta semana o processo “liberou geral” de réus ou condenados pela Lava-Jato e operações afins; segundo, e mais importante, porque encontramos em comentários do professor Joaquim Falcão, jurista tão sábio quanto técnico, as palavras exatas para descrever o que acontece em tribunais superiores.

Começando pelo fato: na última terça-feira, a Segundona decidiu retirar da competência do juiz federal Marcelo Bretas o caso do empresário Jacob Barata Filho. Conhecido como o “Rei do Ônibus”, Barata já havia sido condenado por Bretas, com Sérgio Cabral, por fraudes e propinas variadas na concessão e administração do sistema de transportes do Rio. Mas, com relatoria de Gilmar Mendes, a Segunda Turma decidiu que o caso deveria ir para a Justiça estadual —e lá começar de novo.

O placar foi o de sempre, 3 a 1. Gilmar Mendes, o líder, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques, de um lado; de outro, Edson Fachin, sempre voto vencido na tese de manter as decisões da Lava-Jato.

Há um detalhe adicional nesse caso. Gilmar Mendes e sua mulher foram padrinhos de casamento da filha de Barata. O ministro já havia dado três habeas corpus ao empresário. Questionado uma vez se não havia suspeição, Gilmar respondeu que não via problema algum em julgar pessoas de suas relações, inclusive políticos.

O novo ministro, André Mendonça, vai para essa Segunda Turma. Ele já defendeu a Lava-Jato, mas, na sabatina do Senado, declarou-se garantista, estrategicamente. De todo modo, mesmo que se alinhe com Fachin, será sempre 3 a 2, como era quando a ministra Cármen Lúcia integrava a turma.

Ou seja, continuará o desmonte do combate à corrupção. E aqui entra Joaquim Falcão. Ele encontrou as palavras exatas — e, pois, a tese — para definir o que está acontecendo: “processualismo patológico”.

Quer dizer o seguinte: as Cortes não estão dizendo se alguém é inocente ou culpado, mas recorrem a suposta “impropriedade processual” para anular condenações e provas. Ora, acrescenta Falcão, conforme citado na revista Crusoé, a sociedade não quer saber de labirintos processuais, mas se o suspeito cometeu ou não o crime.

É típico o caso de Lula. O Supremo não entrou no mérito, não disse se ele é culpado ou inocente, apenas mandou os casos para outro foro, onde prescreveram.

A civilização ocidental e a democracia reconhecem a presunção de inocência e, mais que de fazer justiça, dependem, sim, do devido processo legal. Mas, quando alguém se torna suspeito de algum crime, quando é denunciado, fazer justiça é levar o devido processo até o fim e declarar se o sujeito é culpado ou inocente.

Juízes com quem tenho conversado, supergarantistas, dizem que não importa o tempo do processo. Assim, se encontrada uma “impropriedade processual”, em qualquer momento, deve ser corrigida.

Quase me saiu o comentário — quanta ingenuidade! —, mas troquei por excesso de boa-fé. Ocorre que as Cortes brasileiras, especialmente aquelas lá de cima, encontram ou afastam impropriedades processuais por razões nada técnicas. E, sim, por conveniências variadas — desde pessoais até políticas, nesses casos, para defender o pessoal que instituiu um sistema de poder favorável a grupos igualmente variados, de políticos e altos funcionários a empresários e lobistas, incluindo seus advogados. Trata-se do pessoal que controla os orçamentos públicos, as estatais, os cargos nos governos.

É uma turma de muitas vidas. Já sofreu derrotas duras, como no mensalão e no petrolão, quando figurões foram condenados e presos. Mas sempre arranja um jeito de dar a volta por cima. Como agora: centenas de condenações anuladas por “impropriedade processual”.

Os grandes escritórios de advocacia criminal, que acumularam anos de derrotas, estão agora em modo Boas Festas. Grandes festas.

Nenhum comentário: