Valor Econômico
Baixar
rapidamente a inflação causaria um alto custo à economia
Com
o choque nos preços de petróleo, dos alimentos e dos metais causado pela
invasão da Ucrânia pela Rússia, o mercado está reestimando as suas projeções de
inflação para percentuais ainda mais altos. Muitos estão questionando: o Comitê
de Política Monetária (Copom) do Banco Central deveria jogar a toalha e
desistir de cumprir a meta de inflação de 2023?
A
julgar pelo histórico da diretoria do BC, comandada por Roberto Campos Neto,
isso é pouco provável. O Copom deverá manter o foco em trazer a inflação, que
chegou a 10,54% no período de 12 meses até fevereiro, ao objetivo de 3,25%
definido para o ano que vem. Mas é possível que passe a agir de forma mais
gradual, sem as altas agressivas que imprimiu na taxa Selic até fevereiro.
O principal argumento dos defensores de uma convergência mais lenta da inflação para a meta é que o sacrifício, em termos de perda de atividade econômica e de alta do desemprego, seria muito alto. Mais recentemente, surgiu um novo argumento, ligado à estabilidade financeira. A economia teria se moldado ao ambiente de juros mais baixos, de um dígito, e uma alta muito forte da Selic poderia desestabilizar empresas e o setor financeiro.
Uma
corrente advoga que o Copom deve olhar mais para a atividade econômica depois
que entrou em vigor a lei da autonomia do Banco Central. Ela amplia o mandato
da autoridade monetária, que deve se preocupar não apenas com a estabilidade de
preços, mas também com a suavização das flutuações da atividade.
Mas
o sistema brasileiro é diferente dos Estados Unidos, em que o Federal Reserve
(Fed, o BC americano) tem dois objetivos, o controle da inflação e o pleno
emprego, e pode escolher livremente qual deles vai priorizar. Por aqui, o
objetivo principal é a inflação. O BC deve suavizar o impacto na atividade
econômica desde que não haja prejuízo à estabilidade da moeda.
Para
cuidar da atividade, o Banco Central vai deixar a inflação ficar bem mais alta
do que a meta neste ano. As estimativas mais recentes dos analistas econômicos
indicam que a inflação poderá ir a 7% em 2022. Para trazer a inflação à meta
deste ano, de 3,5%, a dose de juros teria que ser muito forte. Uma consequência
disso seria que, em 2023, a inflação poderia ficar muito baixa, exigindo corte
de juros. Esse sobe e desce de juros provocaria volatilidade desnecessária na
atividade e no emprego.
A
estabilidade financeira também faz parte do mandato do Banco Central, mas seria
algo pouco usual a autoridade monetária abrir mão de manipular os juros para
zelar pelo controle da inflação. O BC trabalha com o princípio da separação de
instrumentos e objetivos. O juro serve para colocar a inflação na meta. A
regulação, incluindo medidas macroprudenciais, garante a estabilidade
financeira.
A
ata da última reunião do Comitê de Estabilidade Financeira (Comef) do BC,
ocorrida em fins de fevereiro, não identificou nenhum risco especial nessa
área. O documento apenas recomenda que os bancos, que vêm ampliando o crédito a
pessoas físicas em modalidades mais arriscadas, redobrem os cuidados, diante dos
riscos de desaceleração econômica e de alta de inadimplência. Mas os testes de
estresse mostram que o sistema está capitalizado para absorver choques
extremos.
Tudo
indica, portanto, que o Copom deverá focar no seu objetivo principal de colocar
a inflação na meta. Em fevereiro, o comitê já foi bem mais conservador do que o
esperado, sinalizando levar os juros ao fim do ciclo de aperto para patamares
bem maiores do que o mercado previa.
Um
ponto que preocupa o BC é o avanço da inflação de serviços. Pelo dado mais
recente, acelerou-se de 5,1% para 5,9% de janeiro a fevereiro. O diretor de
política monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, alertou que essa alta é
perigosa porque, nos serviços, a inércia é forte. A inflação corrente de
serviços prevê muito do que será a inflação de serviços dentro de 12 meses. Os
preços desse setor estão subindo não apenas devido à reabertura da economia,
mas por força da própria inércia. Quanto mais demorar para cumprir a meta de
inflação, mais resistentes ficam os preços de serviços.
O
ataque à Ucrânia complica esse quadro. O efeito primário da alta de
combustíveis e alimentação deverá se concentrar nesse ano, mas um pedaço dele
deverá se transmitir para 2022. As previsões dos analistas estão migrando para
uma inflação de 4% no próximo ano, ante uma meta de 3,25%. Essa carestia ocorre
a despeito de a taxa de juro prevista para o fim de ciclo de aperto estar
migrando para 13% ao ano.
Os
técnicos do BC vão apresentar as suas projeções de inflação para o Copom nesta
semana, e analistas privados dizem que é difícil ficar muito abaixo dos 4%
esperados pelo mercado. O Copom, ultimamente, tem projetado uma inflação algo
como 0,3 ponto percentual menor do que os analistas de fora do governo. Mas,
quando se considera o balanço de riscos negativo do colegiado, as previsões se
aproximam bem.
Quem
faz as contas sobre a dose de juro necessária para trazer uma inflação tão alta
para a meta também chega à conclusão de que o esforço não seria pequeno. Cada
alta de 1 ponto percentual na meta da taxa Selic baixa a inflação em 0,26 ponto
percentual, com uma defasagem de 18 meses. Daí se conclui que seria preciso uma
dose adicional de juros de cerca de dois ou três pontos percentuais, além do
que já estava na conta do mercado.
Em
tese, porém, o Banco Central não precisa dar a dose adicional de juros,
qualquer que seja ela, de forma antecipada. Também não precisa se comprometer
com nenhuma taxa no final de ciclo. O Copom se moveu mais rápido no ano
passado, quando tirou a meta da Selic da mínima de 2% e trouxe a 10,75%, com
altas de 1,5 ponto percentual em algumas reuniões. Nesta semana, o consenso é
que suba a 11,75% ao ano.
Agora
que o juro não está mais fora do lugar, o Copom tem mais tempo para avaliar
melhor o tamanho do choque causado pela guerra. Por isso que a aposta dominante
no mercado é de que o comitê ajuste o juro de forma gradual. O desafio, ao agir
devagar, será convencer a ala conservadora do mercado de que não abandonou a
meta de 2023.
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