Valor Econômico
Lula e Bolsonaro
miram eleitorado evangélico
Segundo o Censo
de 2010, dos 190.755.799 habitantes no território brasileiro, 42.275.440
pessoas eram evangélicas - o que equivalia a 22,2% do total. Já se passaram 12
anos, e muita coisa mudou no Brasil desde o último levantamento demográfico
realizado pelo IBGE.
Os institutos de pesquisas que estão indo a campo para tentar estimar as preferências do eleitor para o pleito de outubro têm encontrado um contingente de 24% a 26% dos entrevistados que se dizem evangélicos. Muitos especialistas acreditam que o índice real seja de quase um terço da população.
É um universo
bastante heterogêneo, que fique bem claro. A começar pela forma de professar a
fé, pois existem diferenças marcantes entre as chamadas igrejas tradicionais
(luterana, presbiteriana, batista, metodista, etc), as pentecostais (Assembleia
de Deus, Congregação Cristã do Brasil, Evangelho Quadrangular, Deus é Amor e
outras) e ainda as neopentecostais (Universal do Reino de Deus, Internacional
da Graça de Deus, Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra e afins).
Embora o peso
desse grupo religioso na população brasileira seja crescente ao longo dos
séculos XX e XXI, e a despeito da intensa aproximação de suas lideranças com a
política há décadas, os institutos de pesquisa demoraram a incluir o credo como
um recorte relevante em seus levantamentos eleitorais.
Consultando o
histórico de resultados do Datafolha, a pesquisa mais antiga que apresenta a
preferência dos entrevistados segundo sua fé ocorreu no início do segundo turno
de 2006, aquele do confronto entre Lula e Geraldo Alckmin. Na época, o eleitor
evangélico estava dividido: enquanto os pentecostais estavam mais inclinados a
votar no petista (53% a 37%), os frequentadores das igrejas tradicionais
pendiam para o ex-tucano (48% a 43%). Em 2010 ocorreu um fenômeno interessante.
A reta final da campanha começou com tanto pentecostais quanto não pentecostais
apoiando Serra (48% e 49%, respectivamente), com uma boa margem frente a Dilma,
que tinha 40% em ambos os grupos. Às vésperas da votação no segundo turno,
porém, houve uma virada a favor de Dilma, que superou Serra entre os
pentecostais (47% a 44%) e empatando entre os fiéis das denominações mais
tradicionais (45% a 45%).
Quatro anos
depois, nas eleições mais disputadas de nossa história, houve dois cismas entre
os evangélicos. De um lado, os não pentecostais fecharam com Aécio - 49%,
contra 38% que apoiavam Dilma. Os pentecostais, por sua vez, se dividiram, com
uma ligeira preferência por Dilma (45% a 44%).
E aí chegamos em
2018, quando Jair Bolsonaro conseguiu aglutinar na sua plataforma um
contingente de evangélicos nunca visto na história brasileira. Apoiaram o
candidato que trazia como slogan “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”
58% dos fiéis tradicionais e 62% dos pentecostais - uma lavada frente a Haddad
(PT), que tinha 27% e 24%, respectivamente.
A retribuição
pelo amplo apoio evangélico veio na forma de ministérios. A ocupação de cargos
na Esplanada por religiosos, é importante ressaltar, não é uma inovação de
Bolsonaro. Marcelo Crivella e George Hilton, da Igreja Universal do Reino de
Deus, foram ministros de Dilma, e Michel Temer nomeou o bispo Marcos Pereira,
também da IURJ, e o pastor Ronaldo Nogueira de Oliveira, da Assembleia de Deus.
No atual governo,
contudo, o primeiro escalão foi amplamente ocupado por lideranças evangélicas:
a pastora Damares Alves (hoje na Igreja Batista da Lagoinha) e os pastores
presbiterianos André Luiz Mendonça (nomeado ministro do Supremo Tribunal
Federal) e Milton Ribeiro tomaram conta de pastas estratégicas para o setor,
como Direitos Humanos, Justiça/AGU e Educação.
Outros ministros
também são assumidamente protestantes, como o luterano Onyx Lorenzoni e os
batistas Luiz Eduardo Ramos e Fábio Faria. Como muito bem observou a
pesquisadora Magali Cunha, do Instituto de Estudos da Religião (Iser), Jair
Bolsonaro privilegiou em seu ministério segmentos tradicionais da igreja
evangélica, com predominância de batistas, presbiterianos e luteranos. Trata-se
de uma ala institucionalmente mais arraigada na sociedade, que exercia sua
influência política por meio principalmente de suas redes de escolas e
universidades, e que com Bolsonaro assumiu o controle de políticas públicas
centrais, como educação e direitos humanos.
No arranjo
estabelecido por Bolsonaro, coube aos pentecostais conduzir a agenda religiosa
no Congresso. Embora exista uma disputa entre dois ramos da Assembleia de Deus
(os ministério Vitória em Cristo, de Silas Malafaia, e o de Madureira, de
Manoel Ferreira) pelo comando da Frente Parlamentar Evangélica, a bancada é uma
das principais forças de influência no Legislativo brasileiro, sendo capaz de
impor sua vontade inclusive em matérias que vão além da pauta de costumes -
como aconteceu no perdão bilionário das dívidas das entidades religiosas.
A reabilitação de
Lula para o jogo político abalou a confiança de Bolsonaro numa adesão maciça
dos evangélicos pela sua reeleição. As últimas pesquisas apontam que, nesse
grupo, há um empate técnico entre os dois candidatos, apesar de uma vantagem a
favor do atual presidente que varia entre 2 e 6 pontos percentuais. É muito pouco
para quem contava com esses eleitores religiosos para compensar sua má
avaliação no restante da população.
É nesse contexto
que surge a demonstração de força na reunião de dezenas de lideranças
pentecostais no Palácio do Alvorada na terça-feira (08/03). Deixando suas
diferenças de lado, bispos, apóstolos e pastores, das mais diversas
denominações, reafirmaram sua fé em Bolsonaro em discursos inflamados, num
encontro de mais de duas horas, amplamente disseminado nas redes sociais.
A esta altura da
disputa, fica clara a diferença de estratégia entre Bolsonaro e Lula para
cativar o coração dos evangélicos brasileiros. Enquanto Lula pretende atrair os
fiéis com base num recall de suas políticas sociais e de geração de emprego,
Bolsonaro aposta na força do convencimento vinda de cima para baixo, dos
pastores para o seu rebanho. Só Deus sabe qual vai dar certo.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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