O Globo
Dizem
que a guerra estimula mudanças e inovações. No entanto é difícil antecipá-las,
num momento em que não se entende bem tudo o que se passa e, muito menos, o
rumo que as coisas tomarão num futuro próximo.
A
alternativa é começar pelo mais fácil, aquele conjunto de problemas que já nos
preocupavam antes da guerra. O preço do combustível é um deles. Já estava nas
alturas e subiria mais assim que fosse disparado o primeiro tiro na Ucrânia.
Perdeu-se
um tempo enorme para definir medidas que atenuassem o impacto do aumento. E
agora, que a guerra eclodiu, elas se tornam mais urgentes e ligeiramente menos
eficazes.
Antes
da guerra, o combustível fóssil não era questionado apenas pelo preço, mas
também por sua insustentabilidade ambiental. A crise abre uma porta para o
futuro de carros elétricos, boas ferrovias e hidrovias. Será que embarcamos
nessa ou seguimos na janela vendo o mundo mudar?
Outra questão anterior à guerra era a dependência dos fertilizantes russos. Vale a pena escorar-se na boa vontade de um Putin isolado ou desenvolver um projeto de autossuficiência nesse campo?
Enfim,
são questões que nem precisavam da guerra para figurar na agenda dos problemas
estratégicos do país. Do óbvio, transitamos para uma área mais nebulosa e
ambígua, mas que nem por isso deixa de ter uma importância vital para o
planejamento.
A
própria ideia de guerra talvez tenha de ser reavaliada e, com ela, os conceitos
mais clássicos de defesa nacional.
O
general Hamilton Mourão, ao condenar a invasão à Ucrânia, disse que o Brasil precisava
ficar alerta para que algo parecido não acontecesse na Amazônia.
Compartilho
a solidariedade à Ucrânia e acho que temos mesmo de reafirmar nossa condenação
a um mundo que se rege pela lei do mais forte.
No
entanto a invasão russa mostrou um lado da guerra convencional, ocupação armada
de um território estrangeiro. Os próprios americanos parecem exaustos dessa
solução, depois de tantas perdas humanas, tanto dinheiro jogado fora.
A
guerra de agora mostrou um lado novo porque acontece num mundo tão influenciado
pelas redes sociais. Zelensky faz todos os dias seu pronunciamento, e cada bombardeio de uma maternidade é uma
explosão que se volta contra os próprios agressores.
Mas
isso não é tão novo assim. No entanto a multiplicidade de atores não estatais
numa guerra é uma novidade. Thomas Friedman perguntou num artigo seu no New
York Times: “Será que o Anonymous aceitará um cessar-fogo negociado pelos
Estados?”.
Empresas
saem da Rússia, anunciam sanções, não tanto curvadas pelo poder do Estado, mas
voltadas para a simpatia da própria clientela.
Depois
dessa guerra, o tema do aquecimento voltará à tona com a importância que
merece. Apesar da política devastadora na Amazônia, é delírio pensar numa
invasão armada, tanques na lama, calor e mosquitos. Isso é arma de quem, como
Putin, quer reescrever o passado, não de quem pretende garantir o futuro.
Um
grande problema que se coloca para quem ameaça a sobrevivência no planeta é o
perigo de um bloqueio econômico, cultural, esportivo e até mesmo uma sucessão
de ataques cibernéticos.
Quando
isso acontece, às vezes nem o bom senso escapa. Estão cancelando até
Dostoiévski, que é um patrimônio da humanidade.
Compreendo
que o general, num primeiro momento, tenha temido pela Amazônia, em termos de
uma clássica invasão. Mas um amplo exercício estratégico mostra também que seu
medo tem de ser virado de cabeça para baixo.
O
grande perigo que nos ronda, com essa visão destrutiva da Amazônia, não são
tanques atolados num mundo pretérito, mas sim o isolamento que hoje se impõe a
quem desdenha a vida humana como Putin e que pode se deslocar para os que,
sistematicamente, destroem as condições naturais de nossa sobrevivência no
planeta.
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