O Globo
Exonerado Milton Ribeiro, agora ex-ministro
da Educação. O cargo é mui cobiçado. Não sejamos ingênuos sobre os interesses
em jogo. A forma como os pastores abrigados por Ribeiro venderiam facilidades
para furar a fila de liberação de recursos do MEC contrariava o ritmo com que
os donos do FNDE partilham a distribuição discricionária dos dinheiros. Não
tardaria até o vestiário rachar.
Rachou sobre os mais fracos. Quiseram
garimpar fora de Brasília. Ficaram com o mercúrio. Prefeito que ora abre o
jogo, sempre inocente, tende a já ter novo padrinho. Os mais fortes, os
profissionais, querem o MEC todo. Faz sentido, se já estão dentro do Planalto e
se já gerem o Orçamento.
Tampouco sejamos ingênuos sobre a gravidade do que se revelou. Gravíssimo. Cobiças à parte, o ministro deveria estar demitido desde a semana passada. Demorou. O governo, entretanto, tinha — tem — uma propaganda de honestidade a defender. Buscou modalidade dissimulada de demissão. Especulava-se uma licença. Ribeiro se afastaria até que as investigações fossem concluídas.
Tudo pela imagem; pela fraude. Buscava-se,
a rigor, saída honrosa para a sustentação do mundo paralelo em que não haveria
corrupção no governo Bolsonaro.
Pretendeu-se também, e com algum êxito,
ganhar tempo; à cata de algum desvio que pudesse baixar a pressão sobre o
Planalto e deixar o caso morrer sem ir além de Ribeiro. No fim de semana, ao
mesmo tempo grave ocorrência e paraíso para a distração, houve o despacho
censor de um ministro do TSE contra manifestações políticas num festival de
música — isso enquanto agentes públicos, entre os quais o presidente da
República, infringiam, com total liberdade, a legislação eleitoral. O foco se
deslocou. Abriu-se alguma janela, produziu-se espuma, para que se tentasse
costurar a acomodação.
Exonerado Milton Ribeiro, tudo indica que
as investigações pararão nele. Se andarem, ficarão restritas a ele. Andarão? O
ex-ministro é irrelevante, porém. Agiu sob a chancela de Bolsonaro.
Foi Bolsonaro quem investiu Gilmar Santos.
Como consequência, o pastor e seu parceiro Arilton estabeleceram gabinete
paralelo no MEC. É o que se depreende do conjunto de acusações publicado pela
imprensa. Não sabemos se o presidente sabia. Sabemos o que ouvimos de Ribeiro:
“Porque a minha prioridade é atender, primeiro, os municípios e, em segundo,
atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”.
Que tal a hierarquia de prioridades do
então ministro de Estado, em que amizade é valor, como se não houvesse
critérios técnicos para a administração de recursos públicos? O ministro por
quem Bolsonaro botaria a cara no fogo, ministro cujos princípios autorizam ter
a face impressa na Bíblia.
Ouvimos mais de Ribeiro: “Foi um pedido
especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar”.
Qual a questão do Gilmar?
O atendimento ao pastor derivou, de acordo
com a palavra do ex-ministro, de pedido especial de Bolsonaro. E qual
atendimento tiveram Gilmar e associado? A liberação de dinheiros públicos para
prefeitos que, segundo as denúncias, pagavam-lhes propina. Essa seria a questão
do pastor.
E quem o fez influente junto a Ribeiro?
Talvez o presidente — sócio de Ciro
Nogueira, Arthur Lira e Valdemar Costa Neto no arranjo deste governo — não
soubesse que apadrinhava gente assim; mas gente assim, que pediria propina, sem
ser parte do governo, teve facilidades no MEC sob as bênçãos de Bolsonaro.
Sem-ser-parte-do-governo é parte relevante.
Ribeiro já não é parte do governo.
Gente assim, sem ser parte do governo,
tecnicamente mantém o governo sem corrupção. Né? Ajuda a CGU. Gabinete paralelo
como fundamento para o mundo paralelo em que o governo seria honesto.
Bolsonaro nomeou o gabinete paralelo. Sem
querer? Não sei. Sabemos que, terceirizadas as traficâncias, prospera o governo
sem corrupção. Governo puro que, por querer, procurou modos não traumáticos de
se livrar de Ribeiro, exonerado “a pedido”. Solução negociada. Bom para o
sujeito. Melhor ainda para o presidente. No seu governo, afinal, não há —
repita-se — corrupção. Há gabinetes paralelos.
Querem ver?
Na primeira rodada investigativa sobre
falcatruas no MEC terceirizadas a pastores, a CGU levou sete meses para
concluir — concluo eu — pela eficiência do esquema de gabinetes paralelos.
Claro: não sendo os operadores (da fé e dos dinheiros do FNDE) formalmente
integrantes do governo, a CGU pôde arquivar a apuração por não haver encontrado
irregularidades cometidas por agentes públicos.
Parabéns!
E não mentiu. Para isso servem os gabinetes
paralelos; para que o de Bolsonaro seja —há três anos e três meses — um governo
sem corrupção. O governo é de Deus. O diabo vai por fora.
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