Folha de S. Paulo
Ministro do TSE errou, mas o erro traduz
bem o espírito da legislação
O ministro Raul Araújo, do TSE, deu um show ao tentar proibir manifestações políticas de artistas durante o Lollapalooza. A liminar expedida por Araújo é tecnicamente indigente, como mostrou meu amigo Uirá Machado, contraria decisão recente e unânime do STF, que considerou inconstitucionais atos da Justiça Eleitoral que proíbam a livre manifestação de cidadãos mesmo em espaços públicos como universidades, e ainda produziu o efeito inverso ao pretendido pelos requerentes, já que, na prática, "obrigou" quase todos os artistas e o público do Lollapalooza a fazerem manifestações contra Bolsonaro.
É preciso, porém, resistir à tentação de
culpar apenas Araújo pelo dislate judicial. Esse tipo de confusão só é possível
porque nossa legislação eleitoral e as infindáveis resoluções que a
complementam são péssimas. Tratam o eleitor como um ser semi-incompetente, que
precisa ser arrastado até a urna (o voto no Brasil é obrigatório) e tem de ser
isolado de toda e qualquer influência não oficial, ou acabará votando contra
sua própria vontade (o que quer que isso signifique).
E os equívocos da legislação não se limitam
a essa filosofia maluca. No afã de tentar controlar tudo, em busca de um
equilíbrio impossível, as normas se perdem em insignificâncias, mas nem por
isso deixam de recender a autoritarismo. O tamanho máximo do cartaz eleitoral
que o cidadão pode fixar em sua janela é de 0,5 m2; simpatizantes de um
candidato só podem ocupar 25% do tempo de propaganda a que ele tem direito.
Com o início da campanha oficial,
liberdades constitucionais, como a de expressão e reunião, sofrem limitações
pouco razoáveis. No dia do pleito propriamente dito, vale uma espécie de estado
de exceção. Quem ousar distribuir santinhos pode ser preso. Alguns juízes
importam até a "sharia" islâmica, proibindo a venda de álcool em suas
comarcas.
Araújo errou, mas traduz bem o espírito da
legislação.
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